segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Fina Estampa: entre a essência e a aparência




Desde que começou a se comentar sobre o novo projeto de Aguinaldo Silva para o horário nobre, fui um de seus críticos mais ferrenhos. A novela que viria após Insensato Coração me aparentava cômica demais, insólita demais, despretenciosa demais, para ocupar uma faixa de horário que precisava, na verdade, de um desfribilador dos bons. Pois bem. Vieram, então, os comentários nada modestos de seu autor, de que se trataria da novela que recuperaria a audiência perdida do horário nobre, de que faria mais sucesso que Senhora do Destino, e que sua vilã seria mais odiada que a mais-que-cultuada Nazaré Tedesco, da referida novela. Aí o que era desconfiança se transformou em antipatia, mesmo. Passei a ver a novela com os piores olhos, achando que se tratava de um embuste, cultuado erroneamente pelo ego inflamado de Aguinaldo. Pois bem. As chamadas vieram ao ar e, com o tempo - e um pouquinho de dificuldade - essa imagem negativa vem se desvanecendo, e começo a ver em Fina Estampa a possibilidade de uma boa história para se acompanhar.



A novela pertence, a meu ver, ao que poderia ser chamada de "terceira fase" na trajetória dramatúrgica de Aguinaldo Silva. Na primeira, iniciada com seu trabalho na minissérie Lampião e Maria Bonita, e terminada em Porto dos Milagres (com possíveis quebras em Partido Alto, O Outro e Suave Veneno), o autor se dedicou ao regionalismo e realismo fantástico, tratados à exaustão e, em sua maioria, efetuados em parceria com Ricardo Linhares. Na segunda, contemplando as novelas Senhora do Destino e Duas Caras, Aguinaldo decidiu dizer "chega!" ao realismo fantástico, às mulheres voando, e outras groselhas, e voltar-se para histórias com os dois pés na realidade, ou na alegoria, que é a realidade exagerada. Na terceira, temos um Aguinaldo que se volta para uma crítica bem-humorada aos valores e costumes da alta sociedade, expressa nos mandos e desmandos de Lara Romero e cia, protagonista da minissérie Cinquentinha, e da série Lara com Z.



A nova novela das 9, que estreia hoje, está enquadrada nessa nova estética. Fina Estampa trata da história de Griselda (Lilia Cabral), que, após ter o marido desaparecido, é obrigada a virar o homem e a mulher da casa, para criar seus filhos. Ganhando prática em serviços domésticos essencialmente masculinos, torna isso sua profissão, onde é respeitada e conhecida como "Pereirão", o marido de aluguel. Sem vaidade, zero em maquiagem ou roupas delicadas, Griselda é o que poderia ser chamada de uma mulher-homem, assexuada, sem tempo para questões da feminilidade. A protagonista é o extremo oposto de Tereza Cristina (Christiane Torloni), perua que se quer chique, refinada. E as duas passarão a disputar o mesmo homem, René (Dalton Vigh), dividido entre os valores e a beleza interior de Griselda, e o dinheiro e a beleza externa de Tereza Cristina. O que vai vencer, a essência ou a aparência?



A produção da novela, ao que se observa nas chamadas, tem priorizado uma estética mais colorida, com mais vermelho, azul e verde, e menos cinza. Nada de clima noir numa trama que se pretende alegre, solar, contrapondo, talvez, o "tom acima" que se espera das novelas das 9 desde os tempos de Janete Clair. A mim mesmo, a aura de Fina Estampa causou estranheza inicial, parecendo bastante com a de uma novela das 19h.



Usando meu próprio senso crítico como exemplo, imagino que Fina Estampa possa ser um novo olhar sobre o horário nobre. Apesar de arautos da inovação, continuamos, muitas vezes, presos ao tradicionalismo. Obviamente - e isso com toda razão - estaremos com um pé atrás em relação à novela, dados seus antecedentes. Mas nada custa se desvencilhar de nossa má vontade, e dar uma chance, novamente, às caricaturas de Aguinaldo Silva. Algo de bom pode vir dali.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Os muitos Aguinaldos




Aguinaldo Silva não é mais o mesmo. Não a pessoa, mas seu "em-si" escritor, o que pode até ser a mesma coisa, mas enfim. Não é mais o mesmo. Uma aura, provavelmente codinomeada Consuelo Meirelles se apossou de seu corpo, tem mais ou menos uns sete anos, e ele não é mais o mesmo. Assim como Maria do Carmo Ferreira da Silva não é Waldomiro Cerqueira; Adalberto Rangel não é Paulo Della Santa; Marconi Ferraço não é Denizard de Mattos; Nazaré Tedesco não é Perpétua; Lara Romero não é Rubra Rosa. As coisas são outras, completamente diferentes.

Assim como Waldomiro, Maria do Carmo veio do Nordeste, como retirante, tentar a sorte no Rio de Janeiro. Tal qual ele, lutou e sofreu pra se firmar. E, como ele, cresceu, apareceu, venceu na vida. Waldomiro era pai de Maria Regina; Maria do Carmo, de Reginaldo. Coincidência, não? Não! Mas dizer que se copiou receitas é pecado. Pecado mortal. Porque o tempo era outro, e a História, assim como as histórias, não se repete. Suave Veneno foi a tentativa mal-fadada de provar que nem tudo se resumia a regionalismos. Senhora do Destino foi a tentativa bem-sucedida de dizer "chega" (tal qual Gioconda) às mulher voando, homens caindo no poço e indo parar no Japão, mulheres de branco e cadeirudos. Ou não.

Adalberto nasceu pobre, como Denizard. Seu duplo, no entanto, era rico, riquíssimo. Mas se Paulo Della Santa era um mero sósia de Denizard, Marconi Ferraço era o próprio Adalberto, deformado e reformado. Se, em O Outro, Glorinha da Abolição queria apenas revelar a verdade sobre os idênticos, em Duas Caras, Maria Paula queria vingança contra aquele que, embora parecesse diferente, era o mesmo. Se vingou, mas o amou no final. E a ambiguidade superou, enfim, o maniqueísmo e o politicamente correto.

Nazaré e Perpétua são grandiloquentes. Uma é "raposa felpuda", lasciva. Roubou a filha de uma desconhecida para segurar um homem, e garantir seu futuro. Quando esteve prestes a ver seu segredo revelado, assassinou, e culpou a escada. Tudo, claro, sem perder o bom-humor - e o fogo. A outra, ao contrário, é reprimida, coitada. E denunciou a irmã, Tieta, expô-la ao ridículo, por mais de uma vez, punindo-a por ser tudo aquilo que ela mesma não teve coragem. Para extravasar seus sintomas de mal-amadismo, reprimiu outras mulheres, enquanto guardava, num singelo relicário, as mais felizes lembranças de seu marido...

Se Rubra Rosa se angustia por não ser rubro seu sangue, e sim azul, Lara (com ou sem Z) já superou este dilema. Afinal, de que adiante pedigree sem reconhecimento? Essa de escrever discursos pro amante, e não aparecer como a intelectual por trás do corrup... digo, político, não está com nada. Cadê os holofotes, gente? A imprensa, a mídia, o bafo? Eu sei que Tupiacanga não é Hollywood, mas como a Internet e o Photoshop, dá-se um jeito em tudo.

Aguinaldo, enfim, não é mais o mesmo. E o que seria dele se fosse? O que seria do mundo virtual sem suas declarações bombásticas? Nós adoramos criticá-lo e aplaudi-lo, não necessariamente nessa ordem. Aliás, Fina Estampa vem aí, para exercitarmos tanto o arremesso de ovos e tomates, quanto o coro de "vivas". Não há notícias, pelo menos eu não tenho, de um escritor que tenha divulgado, de livre e espontânea vontade, pra todo mundo, o roteiro de um filme que ele escreveu, e que nem ainda saiu. Gente com esse grau de ousadia merece, no mínimo, ser considerada.

Um abraço