quarta-feira, 6 de março de 2013

Sábado no Shopping (ou Crônica de um Observador de Araque)


Uma das grandes vantagens de morar na capital – ou em qualquer cidade de porte médio – é o fato de poder praticar certos ambientes que na cidade pequena não é possível (Desconsidere o fato de que eu sou um homem-de-gelo antissocial e me veja como uma pessoa normal, dessas que sai na rua. Grato). Um deles é o shopping center. Em geral, pelo meu hábito, é comum que shopping seja programa de sábado à tarde – seja para ir ao cinema; seja à Livraria Universitária não comprar nada, olhar, olhar, e despertar a fúria dos vendedores; seja para ir comprar roupa quando se mostra absurdamente necessário. Isso costuma vir acompanhado de uma visita à Praça de Alimentação (e aí você desconsidera que falar de gordices engorda, por isso eu não vou me deter no assunto). Enfim.

 

E, como também é profundamente comum que eu vá ao shopping quase 100% descapitalizado, um dos meus hobbies favoritos é sentar nos bancos, cruzar as pernas e observar as pessoas – de preferência, acompanhado de um interlocutor igualmente mordaz, e igualmente desocupado.

 

Mais do que um empório de estilos, o shopping é um zoológico humano dos mais particulares, uma vez que mostra pessoas em seus momentos mais insanos: o de fazer compras. Aí é um tal de “o preço total que se dane, se a prestação couber no meu orçamento, eu levo!”. Ou não caber, mas a vontade falou mais alto, e tome empréstimo consignado para pagar as dívidas astronômicas. Enfim. É onde boa parte das pessoas perde o último fio que ainda a prendia à racionalidade (recuperado apenas no dia em que chega a fatura do cartão de crédito).

 

Voltando aos tipos humanos observáveis quando se senta, despretensiosamente, num banco pra observar, eles são muitos. Pra começar, sábado à tarde é dia dos adolescentes irem ao shopping. É o típico programa “de manhã teve prova na escola, eu levei bomba, mas antes que chegue o resultado, minha mãe ainda não cortou minha mesada”. E eles andam em bandos. Tal qual a gente costuma ver nos documentários do NatGeo, quando o assunto é andorinhas, adolescentes costumam andar em grupinhos colados, como se houvesse o receio de que venha um inimigo externo de outra nação (ou pior, de outra tribo juvenil) para atacá-los. Para se assemelhar totalmente a uma falange das guerras da Antiguidade, só faltam escudos frontais, traseiros e laterais. Mas isso é só uma questão de tempo.

 

Adolescente que é adolescente não dá a menor bola pra ser original: ele quer mesmo é ser da turma. E ser da turma significa usar o mesmo tipo de roupa, calçar tênis da mesma marca, fazer uma mecha no cabelo da mesma cor, usar os mesmos assessórios, falar as mesmas gírias (tipo aqueles bem constrangedores que dizem “lol” em vez de apenas escrevê-los nos messengers da vida, o que já é por si só embaraçoso) e gostar das mesmas bandas (tipo “a menina que não achar o Pe Lanza um gato será banida até que as estrelas virem pó!”, ou catástrofes semelhantes). E arrisque não preencher um desses pré-requisitos pra você ver. Babado, gritaria, confusão. Ou pior: A SOLIDÃO ETERNA.

 

Outros tipos humanos bem típicos dos shoppings centers – e aqui eu estou tomando o Teresina Shopping como referência – são as tias que usam o sábado à tarde pra fazer o supermercado. Elas costumam ir: 1) sozinhas; 2) acompanhadas de uma amiga; 3) acompanhadas do marido; 4) acompanhadas do marido e dos filhos pequenos. Cada uma delas expressa situações bem particulares: 1) sai do super com um carrinho carregado e pesadíssimo, cujo peso ela decide compartilhar com o primeiro transeunte do sexo masculino, que ela julgue levantar pelo menos 20 kg no supino; 2) vem fofocando sobre uma série de coisas: o preço da abobrinha, a escola dos filhos, a ereção do marido, as dúvidas existenciais decorrente dos diálogos filosóficos entre Kant e Wittgenstein – não necessariamente nessa ordem; 3) vem discutindo sobre como vão fazer pra pagar as compras do mês naquele mês, já que passou 200 reais do ticket alimentação, e o marido afirma, sem sombra de dúvidas, que a culpa é daquela variedade de shampoos que ela comprou; 4) vem chorando, com um carrinho lotado, um marido reclamando do preço das compras, uma filha brandindo uma boneca que ganhou no grito, e um filho abrindo o berreiro porque “não senhor, o chocolate é só depois da janta”.

 

Pra finalizar a diversidade do zoológico, temos os playboys, cujo principal esporte no shopping é a exposição pública de uma figura que, de segunda a sexta, passa 5 horas ininterruptas na academia, onde levanta 100 kg no supino dando gritos ograis. No shopping, ele se enfia com dificuldade em uma baby-look que, eu garanto, se fosse meio número menor estourava, e num jeans tipo embalagem a vácuo. Frequenta lojas de produtos esportivos, suplementos alimentares, roupas e sapatos – grifes caras, porque playboy que é playboy não usa baby look comprada no Paraíba. Na maior parte das vezes, eles passam pelas pessoas – ou por mim, que to ali sentado e não dirijo a palavra a gente dessa laia – falando alto e deixando claro que “Sabe aquela gostosa que apareceu no concurso de modelos da TV local ontem? Yes, eu peguei”. Uma espécie de humilhação pública indireta a pobre de mim.

 

Bom, é hora de ir pra casa e deixar esse mundo insano pra trás. Antes disso, no entanto, passou o último exemplar do zoo-shopping: a periguete. Mas não... ela merece uma crônica só pra ela.

 

 

Fábio Leonardo Brito é nascido e atual habitante de Teresina, capital do Piauí, onde cursa mestrado em História do Brasil. Blogueiro de ponta de rua, na qual nutre o (http://supercult01.blogspot.com), professor universitário, ex-professor da educação básica, choca seus alunos e a sociedade com gostos esquizofrênicos, que vão de novelas da Globo ao cinema de arte italiano (não que haja diferença entre eles). Apesar disso tudo, é boa gente.