quarta-feira, 31 de março de 2010

BBB 10 - A vitória da segunda chance


Durante três meses, o público assistiu atentamente a mais uma temporada da dramaturgia da vida real. O Big Brother Brasil, em sua comemorativa edição de número 10, entrava prometendo muito. De fato, trouxe o mais plural de todos os grupos para o programa: apostou na diversidade sexual ao colocar três gays – um jovem, um experiente drag queen e uma bela lésbica – e na mais nova categoria de fama do século XXI – as celebridades da Internet. Além disso, continha a rodriguiana policial que gostava de apanhar, a empáfia da doutora em lingüística e os outros tipos de costume: a gostosa, o saradão, o galã, a comportada, a dançarina. Enfim, uma edição com todos os elementos que o público quer para adotar um candidato e correr com ele até o fim. Correto? Errado!

O BBB 10 transformou-se, sim, num grande sucesso de público e de crítica. Sociologicamente, trouxe dois elementos que serviam de alegorias para as diversas formas de agrupamentos sociais: duas casas – uma pobre, o Puxadinho, e uma rica, a Casa Luxo – e cinco tribos, entre as quais os participantes foram divididos, a saber – Cabeças, Ligados, Sarados, Belos e Coloridos. Estereótipos? Sim. Mas lidamos com uma sociedade ainda pouco intelectualizada, algum didatismo ainda é necessário.

A princípio, o público quis ver em figuras que representavam alguns dos estereótipos criados pelo programa para validar sua torcida: a paranaense Tessália, rainha do Twitter, e Serginho, o famoso virtualmente Dr. Orgastic e ainda por cima gay (sim, ele pertencia a dois estereótipos ao mesmo tempo) ganharam, nos primeiros dias, a boca do povo. Tessália, com sua cara de anjo, parecia ser a musa da edição. Serginho, homossexual e celebridade da Internet, mesmo pertencendo a duas classes, caracterizou-se mesmo diante do público por seu jeito moleque, brincalhão, quase infantil de ser. Uma certa “síndrome de Peter Pan” transformaram Serginho no menino que não cresceu e sabe voar. Quer aprender? Quer voar?

Mas foi a entrada de dois participantes que já haviam estado na casa do BBB que causou a maior polêmica e que, ironicamente, decidiria os futuros de uma edição única. Na primeira prova de resistência, definiu-se qual de cinco ex-BBBs entraria na casa, tornar-se-ia o primeiro líder e ainda escolheria outro ex-participante, do sexo oposto, para entrar consigo. A ex-miss Joseane, do BBB 3, levou a melhor e convidou o lutador Marcelo Dourado, do BBB 4, para entrar na casa. Repetentes? Pós-graduandos? O certo é que o público não recebeu nada bem a entrada de ex-BBBs, que já haviam tido sua chance, concorrendo com novos participantes. Nem o público, nem os participantes, que já montavam suas estratégias para eliminá-los.

Joseane, de fato, saiu na primeira semana. Mas quis a sorte que Marcelo Dourado permanecesse, ainda sob forte rejeição popular no programa. Fora imunidades ganhadas casualmente que fizeram com que ele chegasse até a terceira semana e virasse o jogo. Sozinho, isolado da casa, Dourado buscou auxílio aos únicos que lhe estenderam a mão: a dançarina Lia e o personal-trainer Cadu. Mas não foram as únicas pessoas que viram Dourado além do chato de galocha que nem ali deveria estar: Dicésar, o famoso travesti Dimmy Kieer da noite paulista, viu na postura marrenta, até grosseira, de Dourado, elementos de homofobia. E tome críticas na piscina, tome sussurro no ouvido de cada brother, tome tentativas fracassadas de aproximação entre Dimmy e Dourado.

O jogo virou. As amizades se desfizeram, e os antigos favoritos do público perderam sua força popular. Tessália foi eliminada com alta rejeição. Serginho apagou-se, anulou sua antiga alegria. Lia, a princípio o elo mais fraco da primeira “parceiragem” que se formava, fortaleceu-se. Defendeu seus ideais, brigou com vários participantes, e ganhou pontos ao enfrentar a empáfia de Lena. Ganhou mais pontos ainda numa emocionante prova do líder, onde passou quase 19 horas numa casinha de madeira, vencendo Lena, sua opositora. Enquanto isso, Cadu, o “bobo e forte”, começa a tornar-se conselheiro de alguns participantes, Angélica, a lésbica Morango, desenvolve uma paixonite pela belíssima (em caixa alta, negrito, fonte 72) Cláudia, a Cacau, namorada do vazio bonitão Eliéser. Michel, o “judeu taradão”, dono de um site de pornografia, perdeu a namorada aqui fora, e decepcionou sua família, ao ter um affair com Tessália. A casa dividia-se a cada dia, entrava em pé-de-guerra, e enquanto alguns participantes participavam de seus jogos individuais, todos viviam um grande jogo grupão. E dá-lhe a oposição Casa Luxo versus Puxadinho!

Em todo esse contexto, Fernanda, a singela dentista loirinha, teimava em afastar-se dos holofotes. Anamara, a policial que subia pelas paredes, gritava e gralhava pela casa. Ana Marcela permanecia uma figura sem-sal. Alex, entronizando o “deus da justiça”, insistia numa postura de caçador de “ratos covardes”. Uilliam, com seus discursos cansativos e vazios, esperava uma oportunidade feliz de o público eliminá-lo. Nas brigas e divisões da casa, Dourado transformou-se em um elemento importante. Amado por muitos, odiado por muitos outros, defendeu suas posições.

O jogo afunilava-se, bem como os relacionamentos. Uma nova rede de amizades formou-se: Dourado aliou-se a Lia e Cadu, que aliaram-se a Fernanda. Anamara, dissidente do Puxadinho, assumiu o jogo junto com os quatro. Eliminaram, sistematicamente, todos os inimigos: Alex, Uilliam, Lena, Eliéser, Cacau, Angélica, Michel... e eu esqueci alguém? Ah, sim! Serginho pulava de um lado pro outro e Dicésar, com sua “vizinhança de boa camaradagem”, teimava em não ficar de mal com ninguém.

Os últimos capítulos emocionaram. Dicésar e Dourado enfrentaram-se inúmeras vezes. Trocaram acusações. “Sem fé!”, de Dicésar para Dourado. “Falso!”, de Dourado para Dicésar. “Seja homem, apesar de ser veado”, enunciou um Dourado que acirrava ainda mais o ódio de uma parcela do público, enquanto ganhava um novo grupo de fãs, a temida “Máfia Dourada”. Lia chorava, brigava, gritava. Também vestiu a batina de justiceira, enquanto Cadu “dava remédio aos feridos”. Fernanda, em seu jogo tranquilo, transformou-se com o recebimento de uma carta, onde sua família dava-lhe uma diga sutil de que estava SOLTEIRA. CAPS LOCK! A doce Fernanda transforma-se em Fefê Caps Lock, sensual, intensa. Mostra seu diabinho. A mesma transforma-se em Ferdinanda, apaixonada, caliente... chegando inclusive a quase transformar um gay em hétero. Vai, Serginho!

A grande final reuniu Cadu, Dourado e Fernanda. Mas estava escrito, maktub. Os planos do Criador e, acreditam muitos, os de Boninho, apontavam a vitória do repetente Dourado. Não, não acredito na manipulação dos resultados. Do público talvez, de sua vontade, através das edições estruturadas. Mas o mesmo Dourado que a edição promoveu, também foi execrado por ela, transformado, também, em um elemento nocivo. O público fez a sua escolha. Escolheu um lado, o lado de Dourado.

A vitória que lhe foi devida serve, pelo menos, para levar o Brasil a pensar em seus heróis, ou anti-heróis. Precisamos deles, ainda. Ainda somos carentes de figuras, de exemplos. Dourado é o anti-exemplo, é o nosso “voto de protesto”. Mas construiu sua vitória com a própria raça. Apostou nas próprias escolhas. Agarrou sua segunda chance com unhas e dentes, e mergulhou naquilo que poderia ser sua guilhotina, e que foi seu trampolim para a vitória. Dourado, apesar das informações descabidas, de uma postura machista, de seus preconceitos, nos ensinou a acreditar nos nossos propósitos. E isto, é fato, dificilmente alguém poderá ensinar tanto.