segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

15 tons de Glee



Já é de conhecimento geral que eu sou fã de Glee. Desde que assisti ao primeiro episódio da série – na Globo, praticamente com zero conhecimento a respeito – me apaixonei por muitos fatores: o de se tratarem de atores completos, que cantam, dançam e interpretam; por ser umas série musical, gênero que sempre me agradou; e por ter uma trama que trata de uma série de dramas humanos, que vão da gagueira falsa ao homossexualismo – tudo isso intricado com elementos de folhetim: triângulos amorosos, viradas, vilanias, heroísmos, superações, etc.

 

Para os não iniciados na série, ela conta a história de Will Schueter (Matthew Morrison), um professor idealista que, ao começar a dar aulas na escola William McKinley, em Lima (Ohio), pretende remontar o Clube Glee, um coral que existiu nessa instituição no passado. Sem o apoio da direção, da maior parte do corpo docente – tendo especial repulsa por parte da treinadora de líderes de torcida Sue Silvester (Jane Lynch) –, nem mesmo da maioria dos alunos, o Glee passa a ser formado, inicialmente, por alunos excluídos na escola: a convencida Rachel (Lea Michele), a líder de torcida Quinn (Diana Agron), o popular Finn (Cory Montaith) – que termina por sofrer a exclusão dos demais colegas –, a descendente de orientais Tina (Jenna Ushkowitz) – que finge ser gaga para parecer estranha –, a negra Mercedes (Amber Riley), o bissexual Blaine (Darren Chris), o paraplégico Artie (Kevin McHale), e Kurt (Chris Colfer), que luta contra os próprios fantasmas para assumir sua homossexualidade. Mais adiante, o clube, que passa a se chamar New Directions, ganha a participação do tímido Mike (Harry Shum Jr.), do preconceituoso jogador de futebol americano Puck (Mark Salling), o disléxico Sam (Chord Overstreet), e, por fim, Brittany (Heather Morris) e Santana (Naya Rivera), líderes de torcida que entram no Glee para destruí-lo, a mando de Sue, mas terminam integrando-se de verdade a ele.

 

Pensando na série, resolvi desenvolver uma “sentimental list”, com minhas 15 performances musicais prediletas do programa (lembrando que é uma lista pessoal, e muitas das prediletas da grande maioria podem ter ficado de fora).

 

15. Lucky


 


Essa entra na lista por ser uma versão “fofa” do sucesso cantado por Jason Mraz e Colbie Caillat nas vozes de Sam e Quinn. Ele, um garoto vindo de um internato para rapazes, e por isso com muita dificuldade de relacionamento com as mulheres, e ela vinda dos traumas de amores mal resolvidos e de uma gravidez precoce. O clima “cute” impera no clipe, e marca a troca de olhares entre o casal.

 

14. Big Girls Don’t Cry


 


Significativa pro perfil – ora mandão, prepotente, ora doce – de Rachel, a readaptação de Fergie, onde Blaine e Kurt a acompanham se torna clássica. Ganha, considerando a personagem em questão, a mensagem de que grandes garotas, como ela, não choram, não devem se preocupar com a opinião alheia.

 

13. Don’t You Want Me


 


A música do Human League caiu bem num episódio que enfocou tanto os efeitos do alcoolismo quanto um clima de affair entre Rachel e Blaine. O dueto teve um ar de “pegação musical”, com destaque para o chambre verde de Rachel, e para Santana chorando bêbada. Surreal!

 

12. True Colors


 

Classicão de Cyndi Lauper, que depois ganharia versão na voz de Phill Collins, ficaria muito bonito na voz de Tina, em um episódio em que aparece sua relação com Artie. Não sei se sou eu que vejo coisas demais, mas interpreto a música como Tina cantando à diversidade, às “cores verdadeiras” que cada um guarda dentro de si – e nisso extrapolando a barreira da beleza física.

 

11. Total Eclipse of the Heart




Clipe bonito, protagonizado por Rachel, e que bem representa sua relação tensa com os outros membros do clube Glee. Nesse episódio, a personagem confessa sua “patologia por querer se tornar popular”, tentando usar Jesse, seu namorado, Finn e Puck como pares no clipe, perdendo o amor e a amizade dos três.

 

10. We Are Young




A música trás tom de união a um grupo tão plural. Percebe-se o outro lado da personalidade de Rachel – o convergente, que consegue trás luz e gás ao grupo. Talvez esteja aí a grande marca do clipe pra mim.

 

09. One of Us




O clipe é uma clara alusão ao original de Joan Ousborne. Remetendo à questão religiosa, a partir do misto-quente que Finn faz o favor de tostar, e onde aparece a imagem de Jesus Cristo, a série toca no espinhoso tema da diversidade religiosa. O episódio no qual o clipe está inserido remete à própria ideia de fé, relacionada com o afeto, resultante da difícil relação entre Kurt e seu pai, que sofre um ataque cardíaco e entra em coma. Destaque para os agudos de Mercedes. Míticos!

 

08. Bohemian Raphsody




Em geral, as músicas do Queen são uma grande covardia. Ainda mais quando é cantada por uma apresentação indefectível de Jesse no Vocal Adrenaline, assistido de longe por Rachel, sua namorada (ou ex-namorada?) – enquanto, num hospital, todos os outros acompanhavam Quinn entrar em trabalho de parto.

 

07. Somebody That I Used to Know


 
O sucesso de Gotye (que bem criticou a versão feita pelo Glee) foi cantada num episódio centrado na relação entre Blaine e seu irmão, o ator famoso Cooper Anderson (interpretado por Matt Bromer, em participação especial). Tendo sempre crescido à sombra do irmão mais velho, Blaine se ressente dele – principalmente quando aparece no McKinler, num local onde ele, Blaine, é uma das estrelas. A música e o clipe representam bem a relação dos dois

 

06. ABC




Um dos clipes mais pra cima de toda a série! Gosto muito quando Tina protagoniza a coisa, nesse caso ao lado de Kurt e Mike, que mostra aí o quanto é talentoso. Mas, na v verdade, não teve ninguém que não teve seu espaço nessa apresentação. O New Directions mostrando sua evolução na apresentação em uma competição, e fazendo homenagem aos Jackson é imperdível!

 

05. Don’t Stop Believin


 


O primeiro grande clipe do programa, onde Finn, Rachel, Artie, Tina, Mercedes e Kurt mostram, no apagar das luzes, ao Prof. Will que sim, queriam integrar o Glee. Enquanto isso, são observados por Puck, que ainda não havia tido coragem de assumir seu desejo de integrá-lo, bem como por Sue, Santana e outra líder de torcida. A música e sua apresentação positiva trazem a grande mensagem da série: “nunca deixe de acreditar!”.

 

04. I Have Nothing




Não consigo não me emocionar com Kurt. A meu ver, um dos personagens mais fortes da série, sem dúvida com a grande colaboração da interpretação competente e extremamente expressiva de Chris Colfer - o que só se confirma na apresentação da canção de Whitney Houston. Mas Kurt se oferece para cantar, e dá um show, como fica claro no vídeo (fora a troca de olhares com Blaine, que mostra a relação instável entre os dois).

 

03. I Want I Hold Your Hand




Se é que é possível escolher um, acho esse o solo mais emocionante do Kurt. É, sem dúvida, a música que canta para seu pai – acompanhado de belas imagens, em forma de flashback, mostrando a relação dos dois quando o garoto ainda era criança – e no olho do furacão da revelação de sua homossexualidade.

 

02. The Scientist




Como não chorar com esse clipe? Se a versão original, do Coldplay, é emocionante, o que dirá esta, contextualizada num episódio de final de ciclo em Glee, que termina com o rompimento de vários dos casais da série? O clima de “adeus” tomou conta de todos os personagens, o que combina com o tom de arrependimento presente na letra da música. Tocante é pouco!

 

01. Rumour Has It / Someone Like You




Minha apresentação predileta de todo o programa. Em geral, curto muito assistir essas coreografias femininas. O tom me lembrou muito os musicais americanos dos anos 60 e 70. O contexto é o da crise de identidade sexual de Santana, bem como da demonstração de suas fragilidades – o que a tira do lugar de vilã e a coloca em posição de protagonista na trama por vários episódios. Adele caiu bem, tanto em sua crise, quanto no tom de diva que está presente sempre nas apresentações de Mercedes.


Gostaram da lista? Comentem e compartilhem suas performances prediletas.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

As cores de Almodóvar


Para muitos, existe uma linha tênue que separa os bons e os maus estilos cinematográficos. Para outros, não existe linha nenhuma, e um "clássico cabeça" pode ser horrível, enquanto um filme feito com orçamento mínimo e atores não-profissionais pode ser excelente. Caminhando sobre essa linha tênue, sempre dividido entre cenários de cores fortes, cenas de sexo marcantes (quando não explícitas) e histórias melodramáticas, está Pedro Almodóvar, diretor de clássicos como A Lei do Desejo, Ata-me, De Salto Alto, Kika e Carne Trêmula.

 

Ao assistir Victoria Abril protagonizar uma cena de sexo dirigida pelo diretor, que conta com as suas características centrais - a explicitude, o cenário fortemente colorido e a trilha sonora espanhola - parei pra pensar o quanto elementos presentes na arte cinematográfica, e que pode significar vulgaridade ou mau gosto, ganha um contorno diferente nas mãos de quem bem sabe o melhor posicionamento da câmera, iluminação e expressões performáticas dos atores. Talvez seja a característica central de Almodóvar praticar o suposto kitsch como forma de pôr a prova os conceitos centrais de belo e de feio, de moral e de amoral, em termos de arte cinematográfica – e, quiçá, da arte de uma maneira geral.

 

Tendo sido responsável por lançar a Hollywood vários atores hoje de renome – do qual o maior exemplo é Antonio Banderas, que também se aproximar de seu estilo nas iniciativas como diretor, como no caso de O Caminho dos Ingleses –, além dos Oscares de melhor filme estrangeiro, com Tudo Sobre Minha Mãe (1999) e de melhor roteiro original com Fale com Ela (2002), Almodóvar é a prova da relatividade do gosto e dos preceitos mais fundamentais da arte. Mostra que não há padrões estéticos que a tudo contemplem, tampouco formatos que abarquem obras de complexidade marcante.

 

Há de ser relativo.

sábado, 17 de novembro de 2012

Outsiders - eu e a afetividade



É sempre a mesma sensação estranha, toda vez que eu releio The Outsiders. Não é a primeira vez que a leitura do livro vem acompanhado de uma onda melancólica. Ou isso, ou eu só pego o livro quanto estou melancólico - vai entender. O fato é que acontece. Falar sobre essa sensação é complicado, porque é complicado pra mim mesmo entendê-la. Mas eu insisto em tentar.
 
Já faz um ano desde a primeira vez, mas eu me pego não só com o mesmo sentimento, como me percebo ainda dono de uma afetividade em construção. Caramba... sempre me afetou com força histórias de amor e cumplicidade entre irmãos ou amigos. Mas esse livro tem uma força diferente. Talvez por tratar de uma situação adversa - jovens que se viram sozinhos, são párias sociais, à margem mesmo, e mesmo assim, se divertem, curtem, brigam, defendem o que acham. Um mundo onde um companheiro vale entrar numa luta com fim incerto.
 
O livro me afeta porque o leio sempre que vivo um momento de incerteza. Sempre que estou repensando a minha forma de me relacionar com os outros. Parece bobagem, mas ele representa a minha insegurança nos caminhos da alma alheia, onde há dúvidas se o pecado recai mais na omissão ou na invasão - as duas igualmente fatais.
 
Compreender o outro, pra mim, é tão difícil quanto é pro jovem Ponyboy, protagonista do livro, entender porque greasers e socs vivem se estranhando. A mesma dúvida de sempre... existe caminho certo em alguns labirintos humanos? Ou eu estou fadado a viver procurando, acertando, errando, fazendo gols e dando bolas fora - ad infinitum?
 
Difícil por parecer corriqueiro... assim como é corriqueiro pra Pony ver seus dois irmãos, Darry e Sodapop, e achar que eles são como são. O livro termina mostrando, a Pony, a mim e a qualquer outro leitor, que havia um afeto tão intenso entre eles que era impossível de se expressar em palavras. Difícil era desvendar a alma de Darry, aquela alma que parecia ser tão dura e fria, mas que guardava um amor fraterno que extrapolava os limites. Difícil descobrir que uma lágrima sobrevivia ao bom humor de Soda. Mais difícil ainda era entender que todos esses sentimentos sobreviviam, fortes, debaixo de uma onda de problemas de todos os tamanhos.
 
É... cada leitura de The Outsiders me ensina uma lição diferente, que eu ainda não aprendi a pôr em prática. Mas vou continuar lendo, pra desaprender um pouco a ser racional, e aprender um pouco mais a ser humano.

domingo, 30 de setembro de 2012

Quem são os intelectuais do nosso tempo?

Porque intelectual sem esses #oclões não é intelectual. Rá!

Para muitos, não existem mais intelectuais. Vivemos em uma “sociedade da informação”, onde o conhecimento se tornou desimportante frente à velocidade com a qual manchetes, postagens, imagens, vídeos, registros sonoros nos afetam. Para muitos, a ausência de intelectualidade, frente à “banalidade” que tomou conta do mundo em que as informações imperam só é comparável à ausência da afetividade, num mundo em que abraços e beijos foram substituídos pela frieza de trocas de mensagens instantâneas.
 
 
Concepções como essa – que partem do conceito formulado, ainda na década de 1930, por Fritz Machlup – caíram no gosto de uma série de pensadores que, preocupados com as transformações que sofria o mundo nos tempos mais recentes, viam com pessimismo a transição de uma sociedade em que os livros seriam substituídos por computadores, e as análises por rápidos flashes de notícias. A pós-modernidade – ou modernidade líquida, ou capitalismo tardio, ou como mais se quiser chamar – tornou-se alvo de críticas, dada sua tendência à relativização das coisas.
 
 
Visões como essa vêm me incomodando, especialmente após os debates que travo com meu pai, partidário dessa concepção. E, todas as vezes em que ela vêm à tona, sob a forma de expressões como “não existem mais intelectuais”, ou “as pessoas estão mais preocupadas em manchetes de seis palavras”, fico consumido por um extremo incômodo, que aparece sob a forma de perguntas como “afinal de contas, o que é um intelectual?”.
 
 
Posso – e admito isso sem qualquer receio – estar partindo de um lugar de fala bastante particular: o de alguém que, envolvido pelas transformações, e mesmo pelo deslumbramento, causado por esse mundo e seus simulacros, de forma a não estar enxergando a “realidade”. Mas, no momento em que essa possibilidade surge em minha cabeça, outra pergunta me aparece: afinal, o que é a realidade?
 
 
É, caros amigos. Vivemos num mundo líquido, e isso incomoda. Vivemos num mundo em que a leitura de Tolstoi convive com o rebolado de Chayenne, e isso também incomoda. Vivemos num mundo em que as câmaras do Big Brother acotovelam-se com os poemas de Olavo Bilac; ou num mundo em que o canto de Elis Regina disputa espaço com um programa onde está se tentando encontrar “a voz”. E isso incomoda muito.
 
 
O objetivo desse texto, no entanto, é dizer que esse grande incômodo – que percebo entre muitos à minha volta – não me atinge. E isso me faz questionar mais, e mais. Seria eu alguém alienado? Alguém sob tal forma consumido pelas mídias que não me vejo fora delas?
Intelectual, eu? Sian!
 
A pergunta que motiva esse texto surgiu da discussão mais recente que travei com meu pai a esse respeito. Nela, ele relembrava um antigo conhecido que, comerciante remediado, podia se dar ao luxo de deitar-se em sua rede, com um pijama bem cortado, e, debaixo dela, ter diversos livros, aos quais ia degustando. Sim, é louvável. Mas não é menos louvável do que jovens de 17 ou 18 anos que discutem o cinema de Godard, em pleno 2012. E ainda mais: não é menos louvável do que figuras que compartilham o tempo em que comentam em seu blog sobre os discos de Tom Zé com outros em que se jogam numa festa de forró.
 
 
Respeite meus cabelos brancos de intelectual!
Cabelos? Onde?

 
Talvez, pros olhares menos atentos, os intelectuais estejam irreconhecíveis. Eles não são mais – ou pelo menos não necessariamente – as figuras austeras, sisudas, que jamais gastariam seu tempo falando de amenidades quando se tem um Machado pra ler. Também não precisam mais ser o tipo “porra louca”, que acha que o bom intelectual é aquele que transa droga e joga tudo pro alto. O “pecado” dos intelectuais da nova era é que eles se disfarçam de gente comum. De gente que fala abobrinha, assiste futebol, posta bobagem nas redes sociais, assiste a shows de stand up ao mesmo tempo em que curte imagens meme. O intelectual, essa figura aparente inexistente, está desaparecido apenas para os olhos fechados. Para os olhos pouco abertos às metamorfoses. Esses olhos, que buscando nas ruas a figura de Rui Barbosa, sem dúvida, não irão encontrá-lo. São olhos míopes como esse que não vêm os blogueiros que criam novas formas de escrever. Que associam a literatura russa ao eletroforró, ou a novela das nove à discussão acadêmica.
 
 
A vocês, míopes, só dedico meu lamento. #ficaadica.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

SuperCult entrevista Nilson Xavier

Nilson Xavier
Autor do Almanaque da Telenovela Brasileira
Crítico de novelas do UOL http://nilsonxavier.blogosfera.uol.com.br
 
Em 2001, quando tinha apenas 12 anos de idade, ainda usando a falha internet da cidade em que morava, conheci um site que me despertou para um assunto que sempre havia me fascinado, e sobre o qual eu adorava conversar com meus pais, em viagens de carro. Se as conversas com a família me despertaram para os mistérios de Roque Santeiro, ou as atitudes de Carlão em Pecado Capital, foi um espaço virtual conhecido como Teledramaturgia (www.telenovela.com.br) quem fez com que esse fascínio ganhasse contornos mais amplos.
 
 
Alguns anos mais tarde, nos idos de 2009 e 2010, usuário do Orkut, ingressei em comunidades e espaços de discussão sobre telenovelas e afins, onde conheci, dentre outros membros de uma constelação, Duh Secco, Eddy Fernandes, Evana Ribeiro, Fábio Costa, Guilherme Staush, Glauce Viviana, Ivan Gomes, Jorge Scola, Monique Dantas, Rodrigo Ferraz, Thiago Henrick, Vitor de Oliveira, Walter de Azevedo e Watson Hermann, figuras que, apesar de privar comigo apenas da companhia virtual, começavam a fazer parte do meu dia-a-dia, e às quais eu passava a admirar, por seu conhecimento a respeito de telenovela e seu humor sensacional nas comunidades virtuais. Dentre essas figuras, encontrava-se também Nilson Xavier, que eu já admirava como a figura responsável pela criação do referido site, com quem comecei a compartilhar comentários sobre as telenovelas no ar, e com quem passei, também, a dividir momentos no Twitter.
 
 
O SuperCult tem o orgulho de realizar esse bate-papo com Nilson, onde conversamos sobre a telenovela como esse espaço que congrega tantas pessoas. Falamos sobre seus momentos marcantes, seu passado e seu (possível) futuro. Confiram!
 
 
SuperCult – Há cerca de dois ou três anos, muito se comentava na crítica, especializada ou não, a respeito de uma “crise” no gênero dramatúrgico. Em sua opinião, essa crise existe ou existiu? Por quê?
 
Nilson - Acho que nunca existiu. O que aconteceu é que as novas mídias – que se popularizaram a partir do fim da década passada – começaram a roubar audiência da TV aberta brasileira. Mas, parece, a telenovela está vencendo mais esta crise. Crises existem para serem contornadas. O sucesso das atuais novelas comprova isso.
 
 
SuperCult – A Rede Globo tem investido fortemente em telenovelas de novos autores, o que tem quebrado com a estrutura tradicional que se manteve pela maior parte dos anos 1990 e início dos anos 2000. Que “cara” você acha que as novelas de João Emanuel Carneiro, Thelma Guedes, Duca Rachid, Bosco Brasil, Felipe Miguez, Isabel de Oliveira, e agora, João Ximenes Braga e Cláudia Lage estão dando a esse gênero?
Nilson - Eles estão trazendo frescor ao gênero, o sabor da novidade, que contrasta com a estagnação e comodismo de muitos dos autores veteranos.
 
 
SuperCult – Alguns autores de telenovela insistem que certos clichês já saturaram, enquanto outros continuam apostando em fórmulas que sempre marcaram o folhetim. A seu ver, que relação deve ser mantida entre tradição e ruptura?
Nilson - O tradicional e o inovador devem, a meu ver, andar juntos, na medida certa. Novela ainda é folhetim, gênero do século XIX. Se deixar de ser, deixa de ser novela, vira outra coisa. No entanto, inovar é sempre bem vindo, todos gostamos de novidade.
 
 
SuperCult – Como você avalia a importância das redes sociais, como o Facebook e o Twitter, ou de blogs que tratam do assunto, para a avaliação de como repercute uma novela, na atualidade?
Nilson - É novo modo de assistir televisão. É a modernidade, com a qual a telenovela tem que conviver e se adaptar - como sempre se adaptou, ao longo de todos esses anos, às todas as tecnologias e “modernidades” que foram surgindo.
 
 
SuperCult – Nos últimos anos, remakes de sucessos do passado, como Ti Ti Ti, O Astro e Gabriela vêm repercutindo positivamente, o que suscita a produção de novos trabalhos na mesma perspectiva, como Guerra dos Sexos e Saramandaia. A seu ver, além do fato de se tratarem de releituras de novelas consagradas, qual o grande mérito dos remakes atuais?
Nilson - Apresentar às novas gerações histórias consagradas que elas nunca puderam assistir. Existe também uma questão mercadológica: atender o mercado externo, apresentando histórias consagradas que apenas nós conhecemos aqui.
 
 
SuperCult – A crítica aponta para a valorização, na Rede Globo, de uma “nova classe média”, usando como referências novelas recentes, como Fina Estampa, Avenida Brasil e Cheias de Charme. Fenômeno sociológico, jogada de marketing, coincidência? A seu ver, há um significado marcante para essa valorização?
Nilson - Reflexo de nossa sociedade atual. Toda a televisão está voltada para essa “nova classe média”, a que ascendeu. Mas as pessoas esquecem que telenovela é arte popular. Ou seja, os mais pobres sempre foram retratados. O que muda é que o dinheiro mudou de mão. Mas este fenômeno já acontecera no final da década de 1980. Rainha da Sucata, de Silvio de Abreu, já focava sua história em uma personagem “nova-rica”, com todas as possibilidades e clichês explorados à exaustão.
 
 
SuperCult – Nilson, sou extremamente grato pela entrevista! O SuperCult e seus leitores agradecem por sua participação. Vida longa ao Teledramaturgia! Valeu, e abração!
Nilson - Disponha Fabio! Sucesso para nós todos! ;)

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Chayenne e o Piauí visto por outros olhos


Já há algum tempo, o Piauí – que sempre reclamara de ser um estado esquecido pela grande mídia – começa a se tornar destaque no cenário nacional. Meu amigo Vitor de Oliveira costuma dizer que o Piauí está tendência, e não há definição melhor.
 
 
Em 2007, a novela Sete Pecados mostrou o Parque Nacional de Sete Cidades como o lugar onde rola a grande virada da trama: o aparecimento de Flávio (Paulo Betti), pai da protagonista Beatriz (Priscila Fantin). Em 2008, Gyselle Soares não só era uma das participantes do Big Brother Brasil 8, como figurou entre os grandes favoritos da edição, chegando a ser a grande cotada ao prêmio final (que perdeu, por milésimos, para Rafinha Carvalho). Entre 2008 e 2009, figuras como Stefanny Absoluta e Lucas Brito se tornam celebridades virtuais, aparecendo em diversos programas de televisão. Em 2010, a novela Passione fez merchandsing da Hounston, maior fábrica brasileira de bicicletas, sediada... em Teresina!
 
 
Atualmente, o Piauí é destaque por muitos motivos. Sarah Menezes é judoca de ouro nas Olimpíadas de Londres. E, numa proporção global, a novela Cheias de Charme possui um núcleo de personagens piauienses, dentre os quais destacam-se os personagens Naldo (Fábio Lago), Socorro (Titina Medeiros), Epifânia (Ilva Niño) e, principalmente, Chayenne (Claudia Abreu), grande estrela da novela, com suas tiradas sensacionais.
 
 
E é Cheias de Charme que me traz aqui, especialmente pela reação dos meus conterrâneos à novela. É, inclusive, momento para se fazer um apanhado de outras reações piauienses às demais aparições na grande mídia.
 
 
Quando da exibição de Passione, tínhamos uma visão sobre Teresina, sob um aspecto bem positivo e moderno. A capital piauiense era mostrada com toda a sua beleza, exibindo a recém inaugurada Ponte Estaiada, o Metropolitan Hotel, os shoppings, flashes das danças de boi, e a riqueza da Hounston em pleno funcionamento. Nessa época, ouvi a reação de que a Teresina que ali aparecia era filtrada, maquiada, mostrando apenas seu lado bonito, e não as muitas dificuldades e problemas sociais que se apresentam na cidade.
 
 
Meses antes da estreia de Cheias de Charme, tive notícias de amigos da minha cidade de família (Piracuruca), de que haviam visto uma equipe de globais (os atores acima descritos) abastecendo o carro num posto de gasolina na cidade. E eu pensei: “Opa! O Piauí na TV!”, com a mesma preocupação com a qual pensei: “O que a galera daqui vai falar?”.
 
 
Essa preocupação advém do fato de que tenho sempre a incômoda impressão de que, em geral, nós piauienses somos de um extremo bairrismo. Nossa mania de inferioridade é uma potencialização da maneira inferior como, em geral, se veem os nordestinos. Sempre vamos procurar uma perseguição, uma tendência à humilhação nas formas como aparecemos na grande mídia.
 
 
Como piauiense, fico EXTREMAMENTE FELIZ de ver os personagens de Cheias de Charme fazerem referências sensacionais ao Piauí. Luiz Gonzaga cantando “United States of Piauí” é um clássico. Chayenne fazendo referências ao Mercado da Piçarra, em Teresina, e ao ouro olímpico de Sarah Menezes são homenagens mais que honrosas.
 
 
Adoraria que a maior parte dos meus conterrâneos pensassem assim. A equipe de Felipe Miguez e Izabel de Oliveira conduzem com bom humor (e uma dose extra de gliter) um grupo de personagens que, com variações em formas de agir e pensar, representam, alegoricamente, o povo piauiense. Acredito, também, que personagens como esses são canais para que, em trabalhos futuros, mais e mais facetas do Piauí, um Estado culturalmente múltiplo, se destaque na televisão brasileira.
 
 
Um brinde a Chayenne, Naldo, Socorro, à panelada da Piçarra e à maria-isabel de dona Epifânia!
 
 
Para uma outra leitura piauiense, bem positiva, a respeito da novela Cheias de Charme, ver:

O coração sempre arrasa a razão

Por Paulo Ricardo Muniz Silva

*

Meras variações sobre o mesmo tema. Amor. Substantivo. Amar. Verbo.
Rapaz #1: Como você a conheceu? Amigos em comum? Vocês freqüentavam os mesmos lugares?
Rapaz #2: A história é complicada. Sim, já faz uns 10 anos que freqüentamos os mesmos lugares.
Rapaz #1: Então, vocês já conhecem há 10 anos e só agora....
Rapaz #2: Não, não. Freqüentávamos os mesmos lugares, mas nunca nos vimos.
Rapaz #1: Como assim, mas..
Rapaz #2: Nos conhecemos há pouco mais de 2 meses. Minto, na verdade já nos conhecemos há pouco mais de 3 meses!
Rapaz #1: Rum, não to entendendo, porque parece que você se conhecem há tanto tempo.
Rapaz #2: Pois é né? Todo mundo diz isso. Nós dizemos isso a nós mesmos.

*

Certo dia a vi, de longe, só seu rosto. Simplesmente linda. Só conseguia ver da cintura pra cima. Ela estava com uma blusa preta com alguns detalhes que minha péssima memória, que gosta de me trair quando mais preciso dela, não deixarão eu lembrar com a riqueza de detalhes que gostaria. Acho que chamam aquilo de paetês. Bem, não sei ao certo. Ela ria, apenas. Mas não era qualquer riso. Era pra mim. Era pra mim que ela ria, como se ao mesmo tempo dissesse feliz da vida que era por mim que tanto esperava. Eu ri, meio tímido, não sabia o que fazer. Minha sorte.... melhor dizendo, nossa sorte é que tínhamos, dentre tantos amigos em comum, um em especial. Foi ele quem de certo modo me ajudou, nos ajudou, nos fez quebrar o gelo e que “a coisa” fluísse normalmente. Ela ainda ria. E a cada vez que olhava seu rosto algo me encantava ainda mais. Perguntei a mim mesmo: por que não? Tive receio. Travei. Perdi uma batalha sem ao menos lutar. Lembrei do nosso amigo em comum, que certa vez me disse: “nunca deixe que lhe digam que não vale a pena acreditar no sonho que se tem...quem acredita sempre alcança”. Rimos. Eram tantas coisas em comum: gostos, desgostos, preferências. Comidas, música, lugares. Parecia que já nos conhecíamos há tanto tempo. Fomos a lugares sem nunca imaginar da existência um do outro. Por que não te conheci um dia antes? Porque tudo tem sua hora e seu lugar.
1 mês depois, um filme, um parque, uma caixa de bis branco. Um beijo. Um abraço. Uma mensagem e algumas fotos.
No outro dia a saudade era algo que não se media com palavras. E a espera que ia durar quase que 72 horas (uma eternidade) não durou nem 1 dia.
E desde esse dia, todo dia um pouco mais...
O coração sempre arrasa a razão e o que tá escrito na canção ninguém precisa entender...

* * *
Paulo Ricardo é mestrando em História do Brasil pela Universidade Federal do Piauí e Professor Formador II pelo PARFOR - UESPI/UFPI. Antes disso tudo, é um cara apaixonado.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

SuperCult entrevista Thelma Guedes

O SuperCult tem a honra de receber mais uma deliciosa participação. Autora de livros, bacharel em Letras e mestre em Literatura Brasileira, Thelma Guedes atuou na televisão como colaboradora de várias novelas, dentre elas Chocolate com Pimenta e Alma Gêmea, de Walcyr Carrasco. Em 2006, iniciou sua parceria profissional com Duca Rachid, com quem adaptou para a Rede Globo a novela O Profeta, de Ivani Ribeiro, e com quem escreveu, na mesma emissora, as novelas Cama de Gato e Cordel Encantado. Passeando sempre entre muitos estilos como dramaturga, sem perder fortes marcas autorais, a parceria Thelma/Duca tem se firmado como uma das mais promissoras na teledramaturgia contemporânea.

Thelma Guedes, em fotografia de Cristina Granato

Com delicadeza e simpatia, Thelma traz algumas de suas reflexões a respeito de seus trabalhos e do próprio gênero dramatúrgico.

SC– Como vai, Thelma? Em primeiro lugar, é um prazer tê-la como entrevistada no blog. Gostaria que você começasse falando como começou seu interesse pela escrita e, especialmente, pelas novelas.

Meu interesse começou quando eu era menina ainda. Desde que li os primeiros livros, meu sonho passou a ser me tornar escritora. Eu sempre fui apaixonada pela literatura. Fiz o bacharelado em Letras e o mestrado em Literatura Brasileira. Mas, embora eu adorasse assistir novelas, meu desejo era escrever livros. A televisão aconteceu quase por acaso. Eu trabalhava como divulgadora na editora da Universidade, na época da pós-graduação, e estava para lançar meu primeiro livro de contos, em 1997, quando vi num quadro de avisos que estavam abertas as inscrições para uma oficina de roteiro da TV Globo. Eu me inscrevi com o primeiro roteiro que escrevi na vida. Nem sabia que sabia escrever roteiro... Fui selecionada para cursar a oficina e acabei sendo contratada como roteirista em 1997. Trabalhei em alguns programas, até chegar nas novelas, como colaboradora. Em 2006 escrevi minha primeira novela com a Duca Rachid. E agora estamos começando a trabalhar na nossa quarta novela, que deverá entrar no ar em setembro de 2013.
SC – “Adaptar é trair por amor”. O que essa frase significa, quando você pensa no remake de O Profeta?

Eu disse essa frase no programa do Faustão, na época do lançamento da novela. Foi algo que ouvi a Duca repetir muitas vezes. Uma afirmação que ela ouviu de Walter George Durst, com quem a Duca trabalhou antes de vir para a Globo. Durst era um grande mestre, que escreveu adaptações maravilhosas, algumas que se tornaram clássicos da televisão, como Gabriela e Grande Sertão Veredas. O que ele disse é uma grande verdade. A adaptação sempre exige certas “traições” em relação à obra original. Não é possível mantê-la intacta. Mas as mudanças devem ser sempre para atualizá-la e manter sua força, seu brilho. No caso de O Profeta, cujo original foi escrito pela Ivani Ribeiro em 1978, muita coisa precisou ser alterada, para mantê-la interessante aos olhos do público de 2006. Além de criarmos núcleos de comicidade, que na original não havia. Acho que a maior mudança que fizemos foi criar um impedimento mais concreto para o amor entre o casal protagonista. Criamos um vilão forte, o Clóvis, que na primeira versão não era vilão. Mas a essência da história da Ivani estava lá! Mantida, exatamente como na primeira versão.
SC – Cama de Gato foi marcada por uma trama de viradas constantes e por uma narrativa acelerada, que prenderam a atenção dos espectadores. Como surgiu a ideia da novela?

A ideia de “Cama de Gato” surgiu quando Duca e eu estávamos escrevendo outra sinopse, que na verdade iria mais tarde se tornar “Cordel Encantado”. Nos intervalos do nosso trabalho, a gente saía para almoçar ou tomar um café e ficávamos “filosofando” a respeito de um sentimento que ambas tinham sobre o mundo atual, onde as pessoas estão cada vez mais individualistas, sem delicadeza, sem alteridade e empatia. Numa dessas vezes, estávamos no restaurante e vimos um sujeito rico, muito esnobe e arrogante tratando mal o garçom. A gente começou a pensar se aquele sujeito estivesse perdido no meio do deserto, sem um tostão no bolso, sem cartão de crédito, sem documentos, sem o celular, como é que ele ia reagir. Será que, se colocando numa posição de desamparo, ele se transformaria? De certa forma, aí nasceu o Gustavo. Aí a Duca se lembrou de um livro que ela tinha lido sobre uma tese de uma rapaz que se vestiu de faxineiro e que não foi reconhecido pelos colegas professores da universidade. Foi então que criamos a faxineira Rosenilde. Uma mulher humilde e íntegra, que seria a única a ajudar este homem altivo e esnobe, quando ele perdesse o poder. E por aí fomos montando a história...
SC – Como historiador, percebi em Cordel Encantadouma multiplicidade de referências. Por acaso o Armorialismo foi uma delas? Se sim, como ele foi aproveitado por você e por Duca na construção da história?

Sim, foram muitas as referências que usamos. Muitas mesmo! Como na literatura de cordel, Duca e eu sentimos que nesta novela podíamos usar tudo o que conhecíamos, misturar tudo, sem pudor: contos de fadas, histórias reais de cangaceiros, clássicos da literatura de capa e espada, histórias medievais, peças de Shakespeare, tragédias gregas e, claro, a obra de Ariano Suassuna. Uma obra que de certa forma também faz esse tipo de mistura.
SC – Como você vê a recepção das telenovelas no ambiente universitário? Ainda há muito preconceito?

Acredito que uma obra feita com qualidade acaba sendo reconhecida por todos os públicos. Acho que o preconceito em relação à telenovela no ambiente universitário quase não existe mais. Porque todo preconceito é uma forma de ignorância. E não tem sentido existir preconceitos num local onde as pessoas estão buscando o conhecimento e a sabedoria.

SC - Thelma, muitíssimo obrigado pela entrevista! O SuperCult agradece, em nome de seus leitores, pela oportunidade de privar de suas palavras e opiniões. Abraços!

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Sobre ser "vampiro"



Cada dia mais, me sinto parecido com Dalton Trevisan. Virar um “Vampiro de Teresina” nunca foi exatamente um sonho, mas bem que eu estou me tornando cada dia mais soturno. Mais sério, mais calado, talvez até mais ranzinza. Mas enfim, também não sou nenhum monstro. Reservado, talvez. Uma espécie de morcegão que anda à luz do Sol, vire e mexe. Mas que dorme a noite toda, vejam só!



Dalton, o “Vampiro de Curitiba”, marcado por seus contos urbano-contemporâneos, sai à noite, anda pelas sombras, evita o assédio da imprensa, dos leitores, de quem quer que seja. Eu saio aqui e ali, seguindo meu itinerário, meus hábitos, uma ou outra intuição (insights, por assim dizer).



Mas termino me tornando um vampiro no mundo real, e um personagem no virtual (vá, um personagem muito parecido comigo mesmo. Ou melhor... “eu mesmo” existo?). Ando soturno. Ando melancólico. É uma faceta da minha personalidade. Talvez eu ande um pouco focado demais (tipo a foquinha dos “memes” no Facebook, é bem aquilo ali) em uma faceta da vida e de menos em outras. No fundo, não tô reclamando. Na verdade, eu não sei ser diferente.



Minha personalidade “vampiresca” se alimenta de um tipo muito específico de sangue: reações pequenas, sensíveis de carinho alheio, me tocam de uma forma especial. Às vezes ser “curtido” na rede social é muito, me causa uma imensa felicidade. Às vezes umas duas lágrimas involuntárias. Um filme, nem precisa ser meloso. Uma cena, quase nunca uma cena romântica (manifestações de amizade, de senso de justiça, de parceria, de superação me emocionam bem mais). No geral, retorno pra minha cripta, chamada notebook, pros meus textos, pras minhas músicas, pra minha criatividade oscilante. Viro um estofado humano, que se transforma em “gente” em poucas situações (a sala de aula é uma delas). Uma personalidade um tanto difícil, um tanto irascível, que não vocifera contra ninguém, mas cuja forma mais latente de se expressar é escrevendo pra um blog que pouca gente lê.



A luz do sol, a luz da lua, a luz dos postes, uma luminária. O boom da cidade me fascina, mas mais à distância. De repente eu sou uma vítima da armadilha social que criei pra mim mesmo, sob a alcunha de “homem de gelo antissocial”. Se eu não era, acho que passei a ser. Tenho momentos de reação a isso, claro. Mas não sei ser pressionado. Já pressionei a mim mesmo a ser diferente, e não reagi bem. Preferi me resguardar a ser isso mesmo, o que me machuca muito menos.



Recentemente, parece que isso ficou mais forte. Vai passar. Não sei se quero que passe. Enfim. Só tenho medo de que não me entendam, de que me julguem. Juro que não faço por mal.



Uma página de um autorretrato meio incômodo tá bom, né? Ok, parei por hoje.

domingo, 8 de julho de 2012

Avenida Brasil: ousadia com competência


Uma protagonista dúbia, que cometerá atrocidades por justiça. Assim, em outras palavras, definiu João Emanuel Carneiro a protagonista de sua novela, antes da estreia. Avenida Brasil, atual trama das 21h da Rede Globo, e trabalho mais recente do autor prodígio da emissora, repete sua ousadia, ao tentar subverter a noção tradicional de “heroína” e “vilã”, tornando seu trabalho uma espécie de experimentalismo dramatúrgico. Em sua novela anterior, A Favorita, João Emanuel passou dois meses inteiros levando o público a achar que Flora (Patrícia Pillar) seria a grande mocinha, e Donatela (Claudia Raia) a vilã da trama, invertendo radicalmente os papéis com a revelação da verdade, através de uma frase de Flora, que se tornou uma expressão clássica de nossa teledramaturgia: “Você não é uma assassina como eu”.

Em Avenida Brasil, o autor permanece com sua tática de incomodar o público, e fazê-lo repensar sua própria concepção sobre o gênero telenovela. O faz de forma genial, visto que experimenta sem afastar a audiência (Avenida Brasil se mantém como um dos maiores sucessos recentes do horário). Sem grandes compromissos com a “realidade”, ou com os grandes temas a serem debatidos no Brasil, a trama se caracteriza mais, como bem descreveu Vitor de Oliveira, como uma “fábula pós-moderna”, na qual uma versão atual da Branca de Neve resolve se revoltar contra a madrasta má.

A mocinha vingativa é o fio condutor da trama. Nos primeiros capítulos, vimos a pequena Rita (Mel Maia) sofrer atrocidades das mãos de Carminha (Adriana Esteves), sua madrasta adúltera, e Max (Marcello Novaes), seu amante e comparsa. Os dois são, indiretamente, responsáveis pela morte do pai da garota, Genésio (Tony Ramos) e por seu abandono no lixão, nas mãos do asqueroso Nilo (José de Abreu). Tantas adversidades são os motivos para que, ainda pequena, Rita desejasse a vingança contra a madrasta, vingança que passa todos os anos seguintes arquitetando. Chega à idade adulta e, sob a identidade de Nina, identidade essa que ganha após ser adotada por um casal de argentinos, passa a executar tal vingança de forma fria e calculista.

O conflito ético que permeia as ações da heroína apontam para sua postura dúbia, o que faz com que, em certos momentos, tome atitudes de vilã – atitudes estas que levam, também, por alguns momentos, a uma vitimização de Carminha. Nina planeja a aproximação com Ivana (Letícia Isnard), irmã de Tufão (Murilo Benício), atual marido de Carminha, de forma que esta a ajude a penetrar na casa da família como cozinheira. Lá, descobre que Jorginho (Cauã Reymond), filho adotivo da família, é Batata, seu amor de infância no lixão. Mas passa por cima desse amor para prosseguir com seu plano de vingança, aproximando-se de Carminha e ganhando sua confiança. Para desviar a atenção da patroa, cria uma “Rita fictícia”, usando a amiga Betânia (Bianca Comparato). Ao longo do tempo, Nina pratica coisas duvidosas, em termos éticos: comete roubos, magoa e prejudica as pessoas que estão no caminho de sua vingança – Jorginho, Betânia, Lucinda, etc. Engana Tufão, usa Ivana, faz das pessoas peças em seu tabuleiro de xadrez – onde o Rei a ser batido é Carminha.

As atitudes da protagonista não param por aí. Spoilers apontam que ela se casará com Tufão para se vingar de Carminha, e que, desconfia-se, pode ter sido responsável pela morte de seu pai adotivo, Martin (Jean Pierre Noher), para que tivesse o caminho livre para a execução de seu plano.

As atitudes de Nina são permeadas pela pergunta que marcou a campanha de lançamento da novela: “Até onde você iria por justiça?” Nina vai longe demais. Por enquanto, porém, parece ter uma grande parcela do público ao seu lado, o que mostra que, se bem contada, uma história na teledramaturgia brasileira não precisa seguir padrões os mais tradicionais. Certas ousadias não funciona por falta de competência, ou, pelo menos, de sensibilidade de seus roteiristas, ao imaginar para que público-alvo escrevem. A “nova Flora” luta por justiça, e mostra que, ao público, há um quê de sedutor em personagens centrais que não são tão sofredoras e vítimas das circunstâncias assim.

João Emanuel Carneiro está aí pra quebrar estereótipos, ou para brincar com eles, desafiá-los, expondo-os aos seus limites. Isso sem perder o mote de popular que uma novela necessita. Há em JEC uma sensibilidade que parece ausente de certos grandes nomes da teledramaturgia, que insistem em uma postura que, de tão revolucionária, se mostra distante dos objetivos da TV que paga seu salário. Afinal, nada é mais hipócrita do que firmar combinados, e idealizar atitudes diferentes daquelas. No futuro, João Emanuel Carneiro será lembrado, ao lado de outros grandes nomes, presentes no panteão dos roteiristas de TV. Ousar é pra poucos. Ousar com competências é pra um número mais reduzido ainda.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Entre o prazer e o terror: representações juvenis em fitas cinematográficas dos anos 80 e 90

Recentemente, coordenando um simpósio temático em um evento acadêmico, assisti à apresentação de um trabalho sobre os Slasher Movies dos anos 1970 e 1980, e as representações juvenis envolvidas nestes. O trabalho me despertou um sentimento interessante: há uma gama de filmes com os quais guardamos certa relação afetiva, por terem marcado nossa infância e juventude. A minha geração, que cresceu nos anos 1990, teve como influência filmes feitos nessa época ou na década anterior, a de 1980. E uma das marcas que nos atravessou durante esse período foram filmes de baixo orçamento, geralmente transmitidos na TV depois da meia noite, por serem fitas permitidas apenas para maiores de 18 anos.

Para adolescentes, assistir filmes de madrugada representa uma carga de vivenciar as delícias do proibido. Para jovens adultos, tais filmes ganham um aspecto de saudável nostalgia, de quem gosta de rever cenas marcantes em alguns desses clássicos do cinema. O cinema, nesse caso, era formatado por duas categorias de filmes, que despertavam sensações deveras semelhantes: os Slasher Movies, e sua carga de terror e suspense, e os filmes Soft Core, recheados de erotismo, sem, no entanto, descambar para a pornografia barata.



Falemos dessas duas modalidades. Os Slasher Movies, dos quais são representantes fiéis clássicos como os das séries Pânico, Sexta-Feira 13 e A Hora do Pesadelo, em geral, são protagonizados por jovens, que costumam passar férias/feriados/fins-de-semana em casas afastadas. Nesses ambientes, em geral, liberam seus anjos e demônios, tornando-os locais onde tudo é permitido, inclusive o sexo. Costuma se destacar do grupo uma mocinha, geralmente mais comportada e racional, que segue um padrão um tanto diferente dos amigos. Ao longo do filme, no entanto, o terror bate à porta: figuras mascaradas, misteriosas, começam a praticar assassinatos brutais, em geral utilizando armas brancas (facas, punhais e outras), o que aumenta seu grau de brutalidade. O mistério do filme fica por conta de quem é esse assassino, e quem será a última pessoa a sobreviver e a desmascará-lo, dando-lhe um fim definitivo. Esses assassinos têm várias formas e nomes: o psicopata da eletrosserra Jason, o apanhador de sonhos Fred  Krueger, ou o maníaco vestido de fantasma Pânico, que tem diversas identidades ao longo dos muitos filmes da série. Característica interessante desse gênero é que ele guarda dentro de si uma forte carga de moralismo (sim!), uma vez que a última sobrevivente costuma ser a mocinha, branca e virgem, enquanto os assassinados são seus colegas desregrados.



Os filmes Soft Core, por sua vez, compõem a amálgama predileta dos adolescentes de plantão, e, em geral, foram transmitidos no Brasil nas madrugadas de sexta-feira ou sábado, na TV Bandeirantes, na faixa de cinema Cine Band Privé. A marca central do gênero é a carga erótica neles envolvidas: em geral, protagonizados pelos mesmos atores das produções de cunho pornográfico, estes filmes apresentavam uma característica diferente. Possuíam uma história, um guião, em geral sob forma de drama, comédia ou suspense (ou todos os gêneros juntos), além de não apontarem para qualquer manifestação explícita: o sexo, apesar de performático, não acontece de fato, bem como não há a valorização de closes em partes íntimas. O teor de arte, apesar do questionamento de muitos críticos a respeito da qualidade das produções, fica por conta do contexto dos filmes, cujo enredo, de tão inocente, termina por ser interessante. Representantes fiéis são a série de filmes Emanuelle, protagonizada e eternizada por Sylvia Kristel, ou a série As Aventuras de Justine, protagonizada por uma adolescente - Justine (Daneen Boone) - e pelo prof. Robson, que lhe dá aulas em uma universidade para jovens superdotados. Em geral, os filmes da série Justine acontecem em regiões onde ladrões querem roubar uma relíquia histórico-arqueológica perdida, e onde Justine termina se tornando vítima dos planos mirabolantes destes malfeitores. Em geral, as películas terminam com a sugestão de que todo o enredo não passou de um sonho de Justine, e onde ela permanece em segurança, e, principalmente, virgem.

Se o sangue dos Slasher Movies era composto, principalmente, por fortes doses de katchup, e o sexo dos Soft Core não ultrapassa a barreira do explícito, além de ser guiado por uma trama, podemos lhes credenciar uma certa ingenuidade, travestida de transgressão, que compõe a cultura juvenil da década que eu e muitos jovens vivenciamos. Nosso fim de infância e início de adolescência não poderia ter sido melhor orquestrado, em termos de cultura pop - e a proibição do que seria "ver imoralidade" ou "ver um filme que vai lhe fazer ter pesadelos" era apenas mais um tempero. Da mesma forma que vem acontecendo com os filmes de bangue-bangue, americanos ou italianos, ou que as pornochanchadas dos anos 1960 e 1970, é preciso quebrar os preconceitos incutidos em nós, que temos como referência central o cinema hollywoodiano. Os Slasher Movies e os filmes Soft Core merecem lugar de destaque perante a cinematografia mundial, uma vez que são demarcadores de uma época.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Histórias de cinéfilo



Clic, e se liga a TV. É, TV. Tão ou mais gostoso do que ir ao cinema ver os filmes recém-lançados é ligar a TV na Sessão da Tarde, ou alugar um DVD pra assistir em casa. Pura nostalgia! Clic. TV ligada. Clic. Eu sozinho na sala. Clic.



Indiana Jones se aventura em busca do Santo Graal. Uma aventura histórico-arqueológica, envolvendo uma série de mortos-vivos, e uma múmia que desperta junto com o Escorpião-Rei, louca para se vingar. Ops, já misturei os filmes. Volta um pouco o DVD... Pronto. Indiana. Indiana e seu chicote, o tema musical bacaninha e seu chapéu de arqueólogo. Ele é só um professor universitário, que vai se deixar seduzir por Justine, e transar com uma odalisca numa tenda no meio do deserto. Putz, confundi os filmes de novo!



Troquemos de canal ou de DVD. Carlitos Chaplin trabalha numa fábrica, em preto-e-branco, sofre de L.E.R. (lesão por esforço repetitivo), depois vira um ditador, depois cuida de um garoto. Mas no final ele vai se apaixonar por uma jovem operária, e ao fundo tocará “Smile”, e todos choraremos. Vamos mudar de novo? Um menino italiano se maravilha com o cinema, pura metalinguagem, com uma fita refletida na parede da Igreja. Ah, o novo Cinema Paradiso...



Clic, e voltamos para a Sessão da Tarde. Enquanto Elvira, a Rainha das Trevas, faz suas maldades, e outra amalucada quer se vingar do marido (é, ela é o diabo!), Mortícia Adams toma chá, calmamente. Mais tarde, dois meninos crescerão em meio à natureza que cerca uma tal lagoa azul. Mas o mundo está em perigo, Lord Zed e Rita Repulsa dão lugar a Ivan Ooze, e apenas os Power Rangers podem resolver o problema.



Clic de novo. Adam Sandler, Steve Martin, Eddie Murphie, Whoopi Goldberg e Queen Latiffa fazem nossa alegria. Para nossa alegria, Dr. DoLittle não repetirá de novo, nem Bethoven. Hoje vai passar um filme nacional. Dora anda pela Central do Brasil com um garoto órfão. Clic. Casais de descendência italiana dançam e vivem dramas, e viva a Lavour’Arcaica. Enquanto isso, uma jovem norte-americana se apaixona por um Orfeu muito brasileiro. Mas o que tudo isso importa, se meu tio matou um cara? É, eu quero mesmo é ver Soraia queimada... Hum...



Muitas histórias. Vivemos perdidos, emersos, em meio à ficção fantástica que nos proporcionam os clics. O mundo real é, às vezes, é muito chato. Pulemos para o outro lado.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

O dia em que o palhaço se esqueceu de sorrir


Naquele dia ele não sabia o que fazer. Olhou pro picadeiro iluminado, e todos olhavam para ele, esperando uma reação. Esperava aquele sorriso marcado por maquiagem transformado em sorriso de verdade. Mas a única coisa de verdade era aquela lágrima pintada na ponta de seu olho, que ficava manchada pela lágrima de verdade que corria de seu olho.
Ele olhava para o trapezista. Era bonito voar debaixo da lona. Ele queria saber um pouco mais do que aquilo. Ele queria saber mais que as suas limitações de palhaço. Ele sonhava em saber voar por debaixo da lona, em saber esquecer da vida nos ares, desafiando a morte.
Ele olhava para o mágico. Era bonito tirar coelhos da cartola. Com um giro de condão fazer desaparecer a assistente. Era incrível, encantador, assustador saber ser trancado num cofre, jogado numa tina com tubarões... e depois reaparecer no picadeiro. Ele sonhava em saber encantar e assustar. Em saber fazer da fumaça nascer o sonho alheio. Em saber nascer fogo da água, cor do preto-e-branco.
Ele olhava para o domador de leões. Era fascinante ver como ele acalmava aquele animal enorme, selvagem. Era incrível ver como ele era respeitado, respeitando aquele bicho feroz, que era só um gatinho de tamanho avantajado. Ele sonhava em saber domar todos os animais.
Mas ele era só um palhaço, que perambulava pelo palco, contando piadas sem graça. Ela não sabia fazer nada além daquilo. Ele sentia vergonha de ser tão pouco, de saber tão pouco. Ele queria saber saltar pelos céus, voando. Ele queria saber desaparecer, virar outra coisa diferente daquela. Ele queria ser respeitado. Ele queria ampliar seus limites. Mas ele era só um palhaço, de ações limitadas. Ele usava uma maquiagem, e a única coisa que sabia era fazer rir. Como fazia naquele momento, com seu choro compulsivo e involuntário. Ninguém notava seu sofrimento, travestido de encenação. Ele era só um palhaço de maquiagem manchada, de roupa colorida de pano barato, gasta, de sapato maior que o pé. Ele escondia seu mundo preto-e-branco por trás de tanta cor, otimismo e alegria. Ele era um melancólico, vejam só!
Um palhaço melancólico! Isso, aliás, é um grande contracenso. Quando as luzes do circo se apagassem, ele virava gente, saía do sonho. A dançarina virava uma moça que pegava ônibus. O mágico, que era dono do circo, ia recolher o dinheiro arrecadado no dia, “talento traduzido em cédula”, “acordes em oferta”, “poesia metamorfoseada em cifrão”, “cordel em promoção”, “música rara em liquidação”. Tudo acabava, pra recomeçar na noite seguinte, onde o sonho dos outros ia ser alimentado por aquela gente humana toda.
Mas e dos sonhos do palhaço, alguém se lembrava? Alguém pensava que ele queria um abraço? Que ele sentia uma dor profunda por não saber voar? Por não saber encantar com palavras mágicas e purpurina? Por não ser o rei dos animais? Que aquela maquiagem manchada por uma lágrima que corria era só uma das muitas lágrimas que ele chorava todo dia? Que ele amava a dançarina? Não, ninguém lembrava. O palhaço está aqui só pra nos fazer rir.
Mas naquele dia ele se esqueceu de sorrir. Ele não sabia como transformar aquele riso largo da maquiagem borrada em riso de verdade. Como esconder que o seu nariz vermelho postiço escondia um nariz vermelho de choro? Como dizer que aquilo tudo era só mais uma de suas encenações, e dar uma cambalhota? Ele nem sabia dar cambalhotas. Ele era um palhaço limitado, que só sabia fazer rir com piadas sem graça.
Na verdade, ele nem queria deixar de ser palhaço. Ele só queria ser um palhaço que sabia um pouco mais, além de sorrir e de contar piadas sem graça. Ele só queria aprender a rir outro riso. Mas, de repente, aquilo tudo também era parte da encenação que ele estava fazendo, e nem ele mesmo sabia. Quando o pano caísse, todos os outros atores o abraçariam, porque ele desempenhou seu papel com tanta verdade, mas tanta verdade, que se esqueceu de sorrir.

domingo, 3 de junho de 2012

Hoje é dia de ser subjetivo

Ando me tornando uma espécie de vítima da saudade. Uma espécie de saudade crônica, essa que me persegue sempre, esse medo de perder as pessoas que eu tenho por perto se passar um, dois dias sem falar com elas. O distanciamento me causa um grande medo, oriundo, talvez, de minha introspecção natural. Talvez o tolhimento de algumas atividades que me direcionam para fora, para perto das pessoas, me fez crescer isso. Mas não é só isso. Eu não sei explicar. Hoje é dia de ser subjetivo, e também de ser breve.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

O médico e a trapezista

Para ler ao som de “Beatriz”, de Chico Buarque. Danças, piruetas e tanta gente mascarada. Parece distante, parece perdida, parece fazer parte de outro mundo. Você está lá, voando, e eu aqui, comendo pipoca, e ainda nem tirei a roupa com a qual saí da faculdade. Você deve ter passado o dia voando, e eu passei o dia vendo um cadáver na aula de anatomia. Você está maquiada, eu estou com os cabelos desgrenhados e os óculos sujos. Sua roupa é tão fina, tão colorida, que seu corpo parece se mostrar pra mim, só pra mim. Eu não sei piscar, desaprendi a tirar os olhos de você. Eu desaprendi a aprender. Que estranho, né? Mais estranho é que pra mim, você vai estar ali, sempre voando, sempre saltando de um trampolim para o outro, eternamente. O que você faz quando sai do picadeiro? O que você pensa no seu camarim? Que mundo é o seu, hein? Que amores, que dores, que prazeres te ocorrem, te afetam? Será que você chora? Será que uma lágrima perpassa essa maquiagem, manchando o negro em torno dos seus olhos? Que nome você tem? Outro dia, eu pensei em te seguir. Em ir junto com você até seu outro mundo, em experimentar, nem que fosse por um segundo, fazer parte dele. Eu não sou ninguém, eu não tenho nada, eu sou um garoto magricela num jaleco branco, e você... você eu não sei. Você é tudo aquilo que eu não sou, é tudo aquilo que me fascina. Você e sua roupa transparente, seus olhos negros, fundos, que me dizem tanto. Você é essa pele branca, é esse rosto encoberto por uma maquiagem que foi, um dia, nem que seja por um segundo, manchada por uma lágrima que correu, por alguém que te fez sofrer. E se, um dia, você despencar do céu? E se os pagantes exigirem bis? E se ali termina a sua vida divina, e se começa a minha tragicomédia? E se, ali, eu descobri que você era uma boneca eletrônica, programada pra saltar de um trapézio a outro, dia após dia? Quem é você, afinal? Que nome tem, o que faz, tem namorado? Eu pensei em você, e pensei em me transportar para esse labirinto desconhecido e desconcertante da sua vida, sem medo de me engendrar por Céu, Inferno ou Purgatório. Você não tem nome, mas eu te chamo de Beatriz...