Recentemente, coordenando um simpósio temático em um evento acadêmico, assisti à apresentação de um trabalho sobre os Slasher Movies dos anos 1970 e 1980, e as representações juvenis envolvidas nestes. O trabalho me despertou um sentimento interessante: há uma gama de filmes com os quais guardamos certa relação afetiva, por terem marcado nossa infância e juventude. A minha geração, que cresceu nos anos 1990, teve como influência filmes feitos nessa época ou na década anterior, a de 1980. E uma das marcas que nos atravessou durante esse período foram filmes de baixo orçamento, geralmente transmitidos na TV depois da meia noite, por serem fitas permitidas apenas para maiores de 18 anos.
Para adolescentes, assistir filmes de madrugada representa uma carga de vivenciar as delícias do proibido. Para jovens adultos, tais filmes ganham um aspecto de saudável nostalgia, de quem gosta de rever cenas marcantes em alguns desses clássicos do cinema. O cinema, nesse caso, era formatado por duas categorias de filmes, que despertavam sensações deveras semelhantes: os Slasher Movies, e sua carga de terror e suspense, e os filmes Soft Core, recheados de erotismo, sem, no entanto, descambar para a pornografia barata.
Falemos dessas duas modalidades. Os Slasher Movies, dos quais são representantes fiéis clássicos como os das séries Pânico, Sexta-Feira 13 e A Hora do Pesadelo, em geral, são protagonizados por jovens, que costumam passar férias/feriados/fins-de-semana em casas afastadas. Nesses ambientes, em geral, liberam seus anjos e demônios, tornando-os locais onde tudo é permitido, inclusive o sexo. Costuma se destacar do grupo uma mocinha, geralmente mais comportada e racional, que segue um padrão um tanto diferente dos amigos. Ao longo do filme, no entanto, o terror bate à porta: figuras mascaradas, misteriosas, começam a praticar assassinatos brutais, em geral utilizando armas brancas (facas, punhais e outras), o que aumenta seu grau de brutalidade. O mistério do filme fica por conta de quem é esse assassino, e quem será a última pessoa a sobreviver e a desmascará-lo, dando-lhe um fim definitivo. Esses assassinos têm várias formas e nomes: o psicopata da eletrosserra Jason, o apanhador de sonhos Fred Krueger, ou o maníaco vestido de fantasma Pânico, que tem diversas identidades ao longo dos muitos filmes da série. Característica interessante desse gênero é que ele guarda dentro de si uma forte carga de moralismo (sim!), uma vez que a última sobrevivente costuma ser a mocinha, branca e virgem, enquanto os assassinados são seus colegas desregrados.
Os filmes Soft Core, por sua vez, compõem a amálgama predileta dos adolescentes de plantão, e, em geral, foram transmitidos no Brasil nas madrugadas de sexta-feira ou sábado, na TV Bandeirantes, na faixa de cinema Cine Band Privé. A marca central do gênero é a carga erótica neles envolvidas: em geral, protagonizados pelos mesmos atores das produções de cunho pornográfico, estes filmes apresentavam uma característica diferente. Possuíam uma história, um guião, em geral sob forma de drama, comédia ou suspense (ou todos os gêneros juntos), além de não apontarem para qualquer manifestação explícita: o sexo, apesar de performático, não acontece de fato, bem como não há a valorização de closes em partes íntimas. O teor de arte, apesar do questionamento de muitos críticos a respeito da qualidade das produções, fica por conta do contexto dos filmes, cujo enredo, de tão inocente, termina por ser interessante. Representantes fiéis são a série de filmes Emanuelle, protagonizada e eternizada por Sylvia Kristel, ou a série As Aventuras de Justine, protagonizada por uma adolescente - Justine (Daneen Boone) - e pelo prof. Robson, que lhe dá aulas em uma universidade para jovens superdotados. Em geral, os filmes da série Justine acontecem em regiões onde ladrões querem roubar uma relíquia histórico-arqueológica perdida, e onde Justine termina se tornando vítima dos planos mirabolantes destes malfeitores. Em geral, as películas terminam com a sugestão de que todo o enredo não passou de um sonho de Justine, e onde ela permanece em segurança, e, principalmente, virgem.
Se o sangue dos Slasher Movies era composto, principalmente, por fortes doses de katchup, e o sexo dos Soft Core não ultrapassa a barreira do explícito, além de ser guiado por uma trama, podemos lhes credenciar uma certa ingenuidade, travestida de transgressão, que compõe a cultura juvenil da década que eu e muitos jovens vivenciamos. Nosso fim de infância e início de adolescência não poderia ter sido melhor orquestrado, em termos de cultura pop - e a proibição do que seria "ver imoralidade" ou "ver um filme que vai lhe fazer ter pesadelos" era apenas mais um tempero. Da mesma forma que vem acontecendo com os filmes de bangue-bangue, americanos ou italianos, ou que as pornochanchadas dos anos 1960 e 1970, é preciso quebrar os preconceitos incutidos em nós, que temos como referência central o cinema hollywoodiano. Os Slasher Movies e os filmes Soft Core merecem lugar de destaque perante a cinematografia mundial, uma vez que são demarcadores de uma época.
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