sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

As grande lições do caçador de pipas



Recentemente, relendo meus alfarrábios mentais, me veio à mente uma das histórias mais tocantes que já li/assisti. Por que pensei, tão repentinamente, em O Caçador de Pipas? Talvez por estar martelando em mim, tem alguns dias, a diferença tênue que existe entre as ideias de "fidelidade" e "lealdade", na amizade e nas relações em geral.

Antes de mais nada, cabe falar um pouco do livro do afegão-americano Khaled Housseini. É a história da relação de amizade entre o garoto rico Amir, e Hassan, seu melhor amigo, filho do criado de seu pai. Ao longo dos doze anos que se passaram em sua vida, até que a história começa, Amir e Hassan foram amigos. Cresceram juntos. O pai de Amir, o rico Baba, é, também, amigo de infância do pai de Hassan, Ali, e tem por ele e pelo filho uma consideração familiar, apesar de Ali ser um criado em sua casa.

Amir é campeão das diversas competições de empinadores de pipas que ocorrem no Afeganistão, e Hassan, seu fiel escudeiro, é o "caçador de pipas", que as encontra e as exibe como um troféu de seu amigo. Numa dessas competições, vencidas por Amir, Hassan, ao caçar sua pipa em um lugar ermo, é encontrado e violentado por Assef, um adolescente encrenqueiro, e seus aceclas. O ato é presenciado, de longe, por Amir, que não tem coragem de intervir, e cuja culpa por não ter defendido seu amigo, ou pelo menos tentado, o envenena, a ponto de forjar uma situação para que Hassan seja afastado de sua casa, e ele não tenha de conviver todos os dias com aquela lembrança. Para incriminá-lo, esconde um relógio de pulso valioso debaixo de seu colchão, dando à impressão de que ele pretendia cometer um roubo. Ao ser descoberto, Hassan opta por admitir o crime, em vez de acusar Amin, que ele, intimamente, sabia ser o culpado por aquilo.

Os anos se passam, e Amir cresce. Cresceu sentindo culpa pelo que fez na infância, com aquele que era seu melhor amigo. Vivendo nos EUA, recebe uma ligação para retornar ao Afeganistão, onde descobre que Hassan foi morto pela milícia talibã, e seu filho era prisioneiro e escravo sexual de um miliciano. Descobre, também, que Hassan era, na verdade, seu meio-irmão, filho da relação entre seu pai e a esposa de Ali. O remorso lhe toma conta, e ele tenta compensá-lo tirando o jovem Sohrab, filho de Hassan, da vida que levava, e adotando-o.

A história, com final emocionante, pode ser tomada de diversas formas, inclusive como uma metáfora entre a relação entre os EUA e o Afeganistão, sendo o primeiro personificado na figura de Amir, aquele que vê o amigo ser violentado, e prefere assistir a tudo ao invés de intervir. Eu, em minha visão mais voltada para os sentimentos envolvidos, prefiro ver a história resumida em uma única frase, que Hassan diz a Amir, e que marca todas as provas de amizade que ele lhe dá ao longo da história: "Por você, eu faria isso mil vezes".

"Por você, eu faria isso mil vezes" é o meu pretexto para pensar na fidelidade e na lealdade como formas de se conceber a relação entre as pessoas. Ser fiel é fechar os olhos e estar ao lado de alguém ou de algo, cegamente, indo, às vezes, contra os próprios sentimentos e valores. Ser leal a alguém é, antes de tudo, ser leal a si mesmo, aos próprios sentimentos, e à clareza na relação com o outro.

Para muitos, pensando assim, Hassan pode ser visto como aquele que tem fidelidade canina ao amigo Amir, não o deixando nem nos momentos em que ele mais o decepciona. Para mim, no entanto, a lealdade é a ideia que traduz o sentimento de Hassan por Amir. Ali, ele era leal ao profundo amor fraterno que sentia pelo amigo/irmão com quem crescera e compartilhara tantas coisas.

É difícil pensar, pra mim, nas relações de amizade sem lembrar no Hassan criado por Khaled Hosseini. "Por você, eu faria isso mil vezes". Que todos os sentimentos de companheirismo e cumplicidade entre as pessoas sejam resumidos na extrema lealdade, e traduzidos na frase que expressa a entrega e o braço sempre disposto a erguer o outro, assim como o fez o jovem "caçador de pipas".

Bom fim de ano!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Fim de ano é isso aí

Não sei o porquê, mas essas festas de fim de ano me deixam assim... sabe? Mais melancólico, mais sensível, mais dado a emoções. Você pode tar dizendo: mas é assim com todo mundo! E eu diria que, em geral, as pessoas ficam mais sensíveis. Mas também é normal eu achar que meu sentimento é único. Porque é, ninguém sente igual a mim, nem eu igual a ninguém. Minha melancolia tem impressão digital própria. É estranho esse momento de renovação. Um misto de alegria pelo que virá, e saudade do que passou. Eu ainda tô muito na fase da saudade.

Quem me conhece, sabe que esse tipo de sentimento não me é incomum. Tenho melancolia de aniversário, de fim de ano, de dias sem datas especiais. Vai ver sou mesmo um melancólico crônico. É que as coisas acontecem, e minha reação é introspectiva. Eu tendo a agir pra dentro. A socar não meu fígado, mas minha alma. E a massagear também, que esse sentimento é, acima de tudo, contraditório.

Bom, pros que chegaram até esse parágrafo, quero dizer que o fim de ano chegou e traz comigo, nessa melancolia, um grande desejo de que esse ano fosse eterno. 2011 foi muito bacana. Um ano de transformações grandes. Um ano em que eu tô começando a conviver comigo mesmo de maneira melhor, e, principalmente, a conversar mais comigo mesmo, de maneira mais competente. Com minhas pequenas idiossincrasias. Tudo isso, aliado a um turbilhão de outras coisas, me fizeram crescer. E pode ser que eu tenha me tornado alguém um pouquinho melhor nos últimos 365 dias.

Aos amigos, que esse Natal atraia esse sentimento intimista, que é gostoso também. Faz a gente valorizar aquilo que a gente tem, não o que a gente perdeu. Pros inimigos, não digo nada. Creio que não os tenho. Pros grandes amigos, os melhores amigos, também não digo nada, agora. Toda hora é hora de dizer o que é preciso, e nesse não foi diferente. Mas, antes de tudo, sei que nos subentendemos, e é isso que importa: nosso silêncio grandiloquente e confortante.

Um abraço.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Vai vivendo (ou sobre a ideia de felicidade)

Renato aprendeu desde cedo a não andar descalço, a usar a camisa combinando com a calça, e a escrever gramática e ortograficamente correto. Mas ninguém o ensinou a lidar com as pessoas. Parecia difícil entender que haviam cláusulas de convivência que regulavam a vida de todo mundo, inclusive a dele. Que o mundo não se resumia à sua aldeia, ou melhor, ao seu quarto, seus brinquedos, sua vidinha tranquila.

Renato morria de medo da companhia dos outros. As pessoas lhe causavam ansiedade, e ele sempre via aqueles que, porventura, aparecessem em sua casa, esporadicamente, ou pra passar uma temporada, como um estorvo - alguém que mexia com sua rotina. Seu mundo individualista e pequeno-burguês coincidia com sua vida de filho único de uma família de classe média-média.

Amigos vinham para brincar, nas férias ou no fim de semana, e passavam, no máximo, uma manhã ou uma tarde. Mais do que isso era mexer demais com sua rotina, sua vida regrada, os programas de TV que gostava de assistir.

Renato estava longe de ser um mimado chato, pidão, intragável. No máximo, era um menino anti-social, mas não externava nenhum defeito grave maior que isso. Era calado, quieto, aparentava inteligente, tirava boas notas no colégio. Tinha uma convivência amistosa com os colegas, professores, com os pais, tios, primos, avós, etc. Só não estreitava relações. Não tinha um "melhor amigo". No máximo, tinha colegas - essa era a relação mais próxima da amizade que ele praticava.

O maior medo de Renato era deixar de ser filho único. Não que ele não quisesse dividir seus pais, alguma coisa qualquer que sua família fosse lhe deixar... mas é que um irmão mudaria sua vida de forma tão definitiva que a ideia lhe causava pânico. E assim foi durante toda sua infância, embora o pai entendesse que sua solidão era anormal demais para os meninos de sua idade. Que seu egocentrismo, embora não o tornasse antipático perante as pessoas com quem convivia, fazia dele alguém que poderia ter problemas de relacionamento muito graves no futuro.

O caso é que Renato cresceu. Era um garoto de bom-senso, um menino educado, e a adolescência chegou, causando algumas transformações em seu modo de enxergar a si e ao mundo. Causa em todo mundo, mas nele foi um pouco mais além do interesse pelas meninas e das mudanças no corpo. Não, não deu exatamente trabalho aos pais. Jamais fugiu de casa, nunca experimentou álcool ou drogas. Jamais bateu boca com o pai ou a mãe. Hoje, olhando pra trás, os pais dizem que Renato foi um adolescente que não deu trabalho. De repente, foi a fase mais tranquila de sua vida (embora ele sempre tenha sido um menino tranquilo).

No seu íntimo, Renato vivia uma crise. A solidão que jamais o incomodara na infância se tornava um fardo na adolescência. Para ele, relacionar-se era difícil. De repente, passava-lhe a fazer falta o irmão que não teve. Não queria uma criança por perto - essa não era exatamente a ideia. Mas sentia falta de dividir com as pessoas as sensações novas, de conversar bobagem. No fundo, Renato cresceu sem se sentir à vontade perto de ninguém.

Pareceu a todos uma passagem serena a de Renato pela vida, da infância à jovem maturidade. Passou no vestibular bem classificado. Foi um bom aluno, talvez um dos melhores. Formou-se com louvor. Entrou na pós-graduação, arranjou um bom emprego... Mas a vida social de Renato andava a passos lentos. Só no fim da adolescência, e início da vida adulta, começou a fazer amizades mais sólidas. Só nessa época começou a tomar coragem para se aproximar das mulheres. Não que ele não sentia necessidades físicas, como todos os homens, mas era um tímido crônico.

A vida transformou Renato num adulto bem-sucedido, e relativamente feliz. As coisas com ele sempre aconteceram com uma velocidade mais reduzida que a maioria. Ele ainda precisa resolver alguns conflitos psicológicos, ainda precisa trabalhar certas carências, ainda precisa aprender certas coisas sobre a vida prática. Mas ele tem pessoas legais ao seu lado. No fundo, a forma como conduziu a vida trouxe-lhe a vantagem de ser um grande observador das pessoas, a aguçar sua sensibilidade, a escolher bem os amigos, a namorada, enfim. Vai vivendo.

Às vezes, a felicidade é efêmera. Para Renato foi, e continua sendo. Pra muita gente, ele pode parecer alguém infeliz, que queimou etapas da vida. Pra outros, um cara muito bacana, de coração enorme, mas meio melancólico, às vezes. Para ele... bom, ele não sabe muito bem. Talvez nunca saiba. Mas ele olha em volta, e aprendeu a valorizar coisas bem pequenas, que guarda só pra si, em um lugar reservado de sua alma. Aprendeu a externar felicidades simples, sóbrias. Renato é meio filósofo para os amigos, para a família, para muita gente que tem um carinho enorme por ele e, sem saber expressar muito bem em palavras, o entende, e gosta dele porque é assim.

E vai vivendo!

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Melancolia pré-férias (ou Sobre minha relaçãao inconstante com o mundo)

É, né? Tá chegando. Putz, eu preferia que demorasse bem mais, mas chegou. Férias de dezembro, férias do primeiro ano do Mestrado, e eu mais DOWN do que em todas as outras. Deve ser o tempo que passa. Tô ficando velho, cada dia mais melancólico, e mais chato.

Tenho pouco a dizer, mas queria só compartilhar meu silêncio com vocês. Com quem quiser, com quem se dispuser. Aí vai meu silêncio:

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Tem gente que anda desafinando
Do coro dos contentes
Eu prefiro ser contente
De um contentamento descontente
Tão contente que ausente
Tão ausente quanto crente
(Nunca descrente)
Nunca impotente
De uma melancolia sempre recorrente
De tão corrente
Eu queria ser diferente,
Gente

Às vezes embarcar num disco
Pra permanecer sempre no asterisco
Preferia ficar sempre perto do obelisco
Onde corro o risco
De virar eu mesmo o obelisco

Petrificado, ratificado
Virar um obelisco melancólico
E chato

Às vezes quero pedir colo, mas sou péssimo com as palavras
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Valeu, gente.

sábado, 12 de novembro de 2011

Vamos fazer um filme?

Hoje, comecei a trabalhar no sentido de dar um "chega pra lá" na melancolia. Ela não é uma companhia muito boa, pelo menos não o tempo todo. Essa relação entre felicidade e tristeza, numa perspectiva pós-moderna (não se sabe onde termina uma e onde começa outra, nem o porquê) não vem me fazendo muito bem. E depois, pra ser sincero, eu não tenho motivos pra ficar triste. É como diria o outro: para o alto e avante!

O caso é que terminou a Semana de História de Picos, e eu entendi que as perspectivas são boas. O Mestrado chegando próximo do meio, eu imerso em minhas fontes, ganhando inspiração pra escrever. Olhando para esse mesmo período, ano passado, nada disso parecia possível. Entrei num mundo que pra mim era profundamente distante. Amadureci uns 10 anos. Me enturmei, entre colegas, professores, graduandos, ex-mestrandos, muito mais rápido do que pensei. Fiz boas amizades para a vida toda. Estou participando dos eventos, recebendo elogios e críticas, sendo colocado em crise (crise vista no sentido oriental, ok?)... A vida vai bem!

Depois de ler Susan Hilton, de ouvir Chico Buarque, de passar alguns dias sem ver novelas (creia, isso me fez bem!), percebi que o que eu venho passando é um processo reflexivo, e refletir dói - mas é necessário. Reflexão: um giro do pensamento em torno de si mesmo. Foi isso. Ou melhor, é.

Voltar pra Teresina foi entender que eu, realmente, tenho um novo porto seguro. Caramba! Há um ano eu não me via longe de Piracuruca, do meu pequeno feudo. Eu tenho uma nova casa, e isso não significa apenas um novo teto. Uma nova casa, uma nova vida, um novo contexto. Observei o quanto mudei. Observei o quanto todos em meu redor mudaram.

Sinceramente, meu medo foi que tudo isso fosse efêmero. Vi que tudo tem acontecido tão rápido comigo, que temi que tudo isso também passassem muito rápido. Mas, realmente, é só um momento, e vai passar. O caso é que o futuro que vem aí tem tudo pra ser melhor. Talvez eu fui tomado por uma saudade excessiva do presente, de um presente que eu não queria que acabasse.

O caso é que eu apanho, e não aprendo. Não aprendo que as coisas realmente importantes não são efêmeras. Elas sobrevivem ao tempo. Vai chegar um dia em que olharei pra um 3x4, e não irei acreditar que foi há tanto tempo atrás. Mas sabe por que? Porque o presente daquele momento será bom o suficiente para se lembrar o passado apenas com uma saudade gostosa. E irei olhar para o hoje (que é o amanhã, hoje), e verei que muito do que havia de bom, ficou, e se tornou mais forte.

Chutei o balde. Chutei pra longe a ideia de abandono, a ideia de impotência. Me livrei dos meus demônios. Tudo bem, a única maneira, ainda, de imaginar a minha vida é vê-la como um musical dos anos 30. Mas tem coisas que precisam ficar, né?

Um até logo, bem mais solar!

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Eu, outsider (ou como Susan Hilton tem ajudado a entender minha subjetividade)



Não, não uso longos cabelos passado gel. Também não fumo, não bebo, e não moro na periferia de uma grande cidade. Não sou greaser, tampouco soc (ou social, na linguagem dos jovens pobres dos Estados Unidos na década de 60). Mas sou outsider, e esse é um sentimento antigo, e difícil de resolver.

Outsiders são os jovens que, no romance de Susan E. Hilton, lutam por demarcar espaços na sociedade norte-americana dos anos 1960. As periferias são a casa dos greasers, como os garotos ricos chamam os jovens pobres, de longos cabelos, e hábitos para eles execráveis. Para os greasers, por sua vez, aqueles que deles se diferenciam são chamados de soc, ou socials - jovens ricos, com boa condição financeira e uma vida confortável. O livro de Hilton, "Vidas sem Rumo - The Outsiders", é contado na perspectiva do adolescente greaser Ponyboy. Com seus 14 anos, Pony já viu e viveu muito mais do que muitos garotos de sua idade. Vive, desde a morte dos pais, com os irmãos Darry e Sodapop, e tem numa turma, constituída pelos amigos Metido, Johnnycake, Steve e Dally. Todos eles com vidas sem rumo. Todos eles habitando espaços onde são malvistos e marginalizados. Pony e seus amigos preservam longos cabelos, amontoados de gel, como medalhões e orgulho de sua condição, e também como forma de diferenciar-se dos socs, seus inimigos. Ao longo da narrativa, no entanto, percebemos que greasers e socs são condições de existir juvenis bem mais complexas que a visão inicial de Ponyboy nos aponta. Todos crescem, todos amadurecem. Todos têm sua vida repletas de problemas.

Mas não é (só) disso que eu quero falar.

A leitura de Susan Hilton, para efeito de constituição de um plano de curso, me despertou uma sensação ao mesmo tempo estranha e melancólica sobre mim mesmo. Apesar de não ser greaser, tampouco soc, apesar de não viver envolvido em lutas de gangues ou qualquer coisa do gênero, me percebo como alguém carregado das subjetividades presentes nestes, principalmente em Ponyboy. Diferente dele, não perdi meus pais, e diferente dele, não tenho irmãos. Tal qual o personagem, porém, guardo poucos e bons amigos de verdade - é difícil, no trato, diferencer os colegas dos grandes amigos, mas essas coisas não se entendem, apenas se sentem e se subentendem. Tal qual Ponyboy, também, tenho acessos constantes de sentimento repentino de solidão.

Por vezes, me sinto um outsider, mesmo em ambientes não-hostis. Isso muda e se relativiza, de acordo com os ambientes e as pessoas, mas acontece. É comum achar que não sou o filho ideal, o amigo ideal, o aluno ou professor ideal, o namorado ideal. É normal que eu precise de doses extras de apoio, embora, contraditoriamente, viva expressando otimismo para com meus amigos (apenas os grandes amigos). É normal ser otimista e positivo para os outros, e um poço de introversões para consigo mesmo? É normal achar que o que se faz para com os outros não é sucifiente? Ou que eu mesmo não sou suficiente, na minha relação com as pessoas?

Tal qual Ponyboy, em sua relação com o irmão Darry, costumo ter estranhas sensações de que aqueles em volta de mim não gostam de mim de verdade. Isso para depois ter provas (às vezes pequenas e involuntárias) do contrário. Sentimentos como o amor, a amizade e tantos outros ganham expressões diferentes em diferentes pessoas, e acho que essa lição eu ainda não aprendi totalmente.

No trato com as mulheres, tal qual Ponyboy, frente à soc Cherry Valance, costumo achar que não sou o suficiente. "O que aquela soc, e ainda por cima bonita, poderia querer comigo?", pensa Pony, e penso eu também. Afastar-se por não se achar maduro o suficiente, preparado o suficiente, seria uma saída, Ponyboy? O que você fez? Você não teve chance: Cherry tinha um namorado soc e, além do mais, lutava para não amar Dally, um marginal que ela fingia odiar. O mundo é complicado, e as mulheres o são à décima potência.

O livro de Susan E. Hilton me fez e está me fazendo pensar em mim mesmo. Quer saber? Acho que isso deveria acontecer com todos. Todos deveriam ser outsiders na vida, pelo menos um dia, ou a vida toda. Mas pra sempre é muito tempo, não é? Pois bem. Sejamos outsiders para nós mesmos. Sejamos greasers, e vejamos outros tal qual nós. Vejamos os Sodapops e Jhonnycakes, em seu apoio e amizade expressas e incondicionais; mas vejamos também nas indiossincrasias dos Darries, formas diferentes (não menores) de estar ao lado. Tenhamos a quem apoiar, ser leal, de quem esperar e receber apoio. Olhemos para as Cherries, amemos as Cherries, vivamos o platonismo frente às socs que, aparentemente, são muita areia pro nosso caminhãozinho. Tudo isso de maneira rápida, demorada, ou tudo isso ao contrário.

E até a próxima.

domingo, 9 de outubro de 2011

Um quarto, em qualquer lugar




Para ler ao som de “Linten to Your Heart”, do Roxette

O dedo de Alberto percorria as costas de Dora, enquanto, lentamente, abria-se o fecho écler de seu vestido. Os olhos dela, fechados, curtiam a sutileza de cada toque. Parecia que se conheciam há anos. Mas aquele momento, há quinze minutos, quando se viram no sinal de trânsito, de onde saíram diretamente para um quarto, em qualquer lugar, sem dizer palavra um ao outro, realmente parecia ter acontecido a uma eternidade. Era sinestesicamente perfeito para Alberto sentia que Dora suspirava, ouvir o silêncio das batidas de seu coração. Ele sentia o cheiro em seu pescoço. Era adocicado, leve. Dora tinha algo de fugidio, de efêmero, que ele não conseguia explicar. Parecia feita de um material que, a qualquer momento, poderia se transformar em qualquer coisa intangível. A forma como girava o pescoço, ao sabor das mãos de Alberto, parecia um desejo profundo de se dissolver, de se transformar em luz líquida, de perecer em suas mãos.

Dora percorria com os olhos o espelho, onde via de frente seu corpo, nu, e pelo qual via Alberto, acariciando suas costas. Nada importava quando ele, ao mesmo tempo gentil e vigoroso, tocava seu dorso, e a trazia para junto do próprio corpo. O gozo que antecedia o ato era único, e mais profundo que qualquer penetração física. Dora sentia sua respiração quando ele se aproximava de sua orelha. Seria possível estar tão próximo de alguém quando ela dele, naquele momento? Existiria proximidade maior do que aquela, existiria desejo maior do que o que os envolvia? Existiria, naquele momento, outra Dora, que amava, profunda e intensamente, outro Alberto naquele momento? Não havia. Não havia nada. O mundo lá fora era uma massa multicolorida, sem forma, sem cor, sem cheiro. Tudo se resumia àquele quarto em qualquer lugar, àquela cama, àquele espelho, a ela e a Alberto.

Mary Fredriksson cantava, e cantava para eles. Aquela música fora feita para eles, e para mais ninguém. Mary os via em seu momento de amor, e cantava ali, naquele quarto. E cantaria a mesma música, com o mesmo fervor, enquanto durasse o amor. E duraria para sempre. Aquele momento seria para sempre. Para sempre, Mary cantaria a mesma música, no mesmo quarto em qualquer lugar, com a mesma intensidade. Há quinze minutos, aquela música nascera para Dora e Alberto. A guitarra chorava as lágrimas que Dora derramava quando abria, bebadamente, os olhos, e via Alberto acariciando-a, no espelho. Tocava as costas de Alberto, que tomava seu ombro com a boca. O dorso de Alberto e as costas de Dora pareciam ter se fundido, pele com pele, suor com suor, sangue com sangue. Dora apertava com as unhas as costas de Alberto, com a mesma força que a boca deste tomava seu ombro. Quanto tempo já havia se passado? Minutos? Dias? Horas? Anos? Não havia o tempo. Só havia o agora. Só existia aquele quarto, em qualquer lugar.

Só existia aquela música, só existia aquela cama e aquele espelho. Alberto roçava a barba no ombro de Dora, e sentia o êxtase espiritual de ouvi-la gemer. Tocava seu seio, e via no espelho sua mão apertando o mamilo de Dora. Sentia o seio de Dora crescer na sua mão; sentia Dora ofegar, presa ao seu corpo, sangrando suas costas com a unha. Sentia o movimento involuntário do corpo dela forçar o seu a mover-se também, na mesma sincronia. A guitarra chorava as lágrimas de Alberto, de dor e prazer, ao ter suas costas sangradas pelas unhas de Dora. Sentia a contração dos músculos do corpo de Dora, adaptando-se às formas do corpo de Alberto. Seus corpos já não tinham mais forma definida. Não sabiam mais onde terminava um e onde o outro começava. Na verdade, parecia que eles nasceram assim, unidos por pele, suor, sangue e lágrima da guitarra que chorava, em êxtase, sempre. Sempre foi assim. Sempre.

O suor de Dora percorria seu corpo. Uma gota de suor nascia no pescoço,
percorria seu seio, se espalhava pela mão de Alberto, que o possuía, descia pelo seu dorso, banhava sua coxa e suas partes íntimas. Enquanto Dora se movimentava, involuntariamente, a mão de Alberto, igualmente involuntária, percorria a coxa de Dora, molhada pelo suor. Subia lentamente, sentia os pêlos finos e invisíveis, viajava pelo baixo-ventre, sentia, enfim, a respiração profunda de Dora, ali, entregue, em suas mãos. A perna de Alberto tocava a perna de Dora, compartilhava com Dora aquela gota de suor, que era dos dois. O suor de Dora tinha o sabor adocicado de seu perfume, era leve, suave, como a maciez de sua pele. A boca de Alberto percorria a nuca de Dora, viajava pelo seu pescoço, passeava pela sua orelha e cabelo. As mãos de Alberto conheciam os pêlos invisíveis da coxa de Dora, já passeavam com familiaridade pelo seu baixo-ventre, já se tornavam um só nas palpitações de seu seio.

A unha de Dora sentia o calor do sangue das costas de Alberto. Suas costas se tornaram uma só com o peito de Alberto. Seu seio e sua coxa já não mais lhe pertenciam. Seus olhos percorriam o espelho, que presenciava aquela fusão de corpos, aquela maravilhosa fusão de seres, a magia do amor antes de se concretizar carnalmente, na mais bela de todas as concretudes. Não existia desejo maior que aquele que os envolvia, não existia êxtase maior do que aquele, não existia gozo maior do que aquele, que antecedia o ato. Não existia nada nem ninguém. Só existia aquele espelho, só existiam Dora e Alberto, só existia aquele quarto, em qualquer lugar.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Textículo mais ou menos pós-moderno

Pois é, Zeca Baleiro. Quiseram desmaterializar a matéria, mas ninguém se propôs a ligar a máquina de fazer cair neve em Teresina. Vida essa, né? E o calor tá fazendo urubu, que voava com uma asa e se abanava com a outra, ficar no chão, se abanando com as duas. O meu ar-condicionado é um rapaz muito responsável, que trabalha direitinho, embora eu não pague a ele direitos previstos na CLT. No dia que ele reclamar, mando procurar Karl Marx, num bar qualquer perto de uma universidade. Será que ele ainda anda por lá? Acho que deixou, depois de tanto ser achincalhado.

Rousseau também frequentava esses ambientes. Parou quando viu que o povo não fazia extensão em francês pra ler seus originais, e sim pra passar na seleção dos programas de pós-graduação stricto sensu. Deprimiu, claro. Foi chorar no colo de Eva Braun, que deixou Hitler cochilando, de costela com um judeu. Porque o amor é, essencialmente, adúltero, e até mesmo Santo Agostinho se renderia às paixões da Internet. Facebook, Facebook meu, existe timidez que sobreviva a uma foto, um teclado e mensagens instantâneas? Cara a cara, não, porque, depois que Deleuze falou dos corpos sem órgãos, tudo isso virou patrimônio material descartável.

Mas enfim, o mundo continua igual. Estudante de Direito ainda se acha melhor que o povo da licenciatura, e diz que doutor de verdade é ele. Como se o cocô que fizesse no banheiro da universidade fosse mais cheiroso... Mas um dia ele abre um escritório, passa na OAB depois de 30 anos, quando o computador, cansado, vai pôr seu nome lá a revelia, e vive feliz, ao lado de sua esposa (uma figura híbrida, uma entidade multimaterializada, que se divide entre um cachorro chiuaua, um micro-ondas e a televisão HD). E não esqueçam do óculos 3D: todo homem gosta de ver sua esposa bem paramentada.

O interior é que não é mais o que era. Não há um cavalo sequer sem tablet, e pergunte pra ele quem é Lady Gaga, pra você ver o que ele vai lhe dizer. Tem colégio público por aí onde “Alejandro”, “Coração Materno”, “Pedaginha do Inglês” e “Love Me Tender” substituem o Hino Nacional, cada um cantado um dia da semana. Sexta-feira tem festinha na escola, e as crianças, vestidas de roxo, com balões encardidos, se requebram ao som maneiríssimo de Joaquim Osório Duque Estrada.

Caramba, são horas. Meu relógio acaba de dar um tapa na minha cabeça, dizendo que estou com fome. Vou jantar algo líquido, comprado num supermercado na esquina do motel onde, nesse exato momento, transam uma vendedora ambulante e um guarda de trânsito. Ele a conheceu no prédio mais alto da cidade e, dono de uma mania particular, cochichou-lhe, pertinho da janela: “Defenestras?”. Ela entendeu errado, e tascou-lhe um beijo na boca, por pouco não arrancando sua roupa ali. Ele, claro, não se fez de rogado, embora a decepção tenha batido, num primeiro momento. Acontece.

Bom, vou-me já que já está pingando. Se a Coca-Cola esquentar, a culpa vai ser do fogão. Torquato, um abraço. A gente se fala.

domingo, 2 de outubro de 2011

Hoje é dia de rock, bebê

Christiane Torloni, valeu pelo título.

Pois bem, hoje é dia de rock. Ou seria de pop? Ou axé? Ou dance music? Não sei. Shakira e Ivete Sangalo no palco do Rock in Rio, onde também tocaram, dançaram e cantaram Skank, Frejat, Cláudia Leitte, Elton John, Rihanna, Red Hot Chili Peppers, onde o Capital homenageou a Legião, onde Metalica gritou e Marcelo D2 fez rap, não ajudam muito a decifrar.

O mundo da música é eclético. Não há mais espaços para rótulos. Num mesmo palco podem tocar MC Qualquer Coisa, um cover de Luiz Gonzaga, outro de Michael Jackson, e uma banda hardcore que estica dois palmos de língua, sem que ninguém agrida ninguém, jogue garrafinhas cheias de água mineral ou coisa pior no palco. Cláudia Leitte e Rick Martin estão aí pra confirmar, e isso não quer dizer que eu gostei do clipe dos dois. Nem que desgostei. Muito pelo contrário.

Na verdade, ando pensando que essa Neotropicália marca a vida cultural do Brasil desde sempre, sobre formas e categorias diferentes. Num país onde Jesus Cristo se transforma sincreticamente em Oxalá tudo é possível. E a atitude de uma meia dúzia de metaleiros, ao criticar certas atrações do revival de nosso Woodstock em 2011, me lembra em muito a "Marcha Contra a Guitarra Elétrica", em 1967. Não, ninguém fez passeata na rua, mas nas redes sociais, o que é mais cômodo e contagiante.

Cássia Eller, Renato Russo, Cazuza, não sei o que diriam disso tudo. Aliás, ninguém sabe. E hoje, pouco importa. Na verdade, ando sem saco pra preciosismos, arcaísmos e outros "ismos" de um bando de conservadores andam pregando por aí, como certos pastores protestantes tentando atrair fiéis.

E antes que eu acarreta um monte de desafetos, é capaz de eu mudar de opinião sobre tudo isso no próximo segundo. Esse texto foi um "pum" momentâneo, um espamo que pode ser curto ou longo, ou não. Um abraço.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Sobre amigos, irmãos e sobre mim mesmo: uma crônica intimista

Escrevo numa noite cinzenta e fria. Putz, que começo batido! (O autor amassa esse parágrafo e joga fora). Pois bem, comecemos de novo.

As saudações de hoje são aos seus leitores, os únicos que permaneceram, apesar da inconstância temporal de postagens, e do tom intimista do blogueiro. Pois é, ando conversando muito comigo mesmo e, vez por outra, resolvo compartilhar esses papos com os outros, se é eles que interessam a alguém. Talvez a uma meia-dúzia que, sem ter o que fazer, passe pela rede social onde esse texto vai estar divulgado – porque o blogueiro é vaidoso, pavão, e certamente o fará – e resolveu parar pra ler uma bobagem qualquer que se divulga na Internet.

Hoje, mais precisamente há cinco minutos atrás, me retornou uma reflexão recorrente. Como todo filho único (ou melhor, não sei, nunca perguntei pra nenhum outro, mas enfim) sofro de um grande bocado de complexos. Não, não é nenhuma esquizofrenia ou nada do tipo. Pelo menos ninguém diagnosticou. Trata-se de um resultado do bolo reflexivo que é minha cabeça que, dividida entre a função social de trabalhos acadêmicos e a vida pessoal, liberdade, coisas do gênero, terminou refletindo sobre irmãos. É, irmãos. Uma presença constante em minha vida.

Porque no começo, era eu. Eu, eu, eu, eu, eu. E isso também é uma expressão plagiada. Era eu, e pronto. E continuou sendo, para sempre. Eu nasci. Eu fui pra escola. Eu me mudei por causa do trabalho do meu pai. Eu passei no vestibular. Eu me formei. Eu entrei no mestrado. Eu. Etcétera.

Num mundo recheado de “eus”, sempre me faltou o outro. Uma falta que eu sempre fiz questão de afirmar, pras pessoas e, principalmente pra mim mesmo, que não fazia falta. Que não existia porque não havia necessidade. O outro era desnecessário, o outro atrapalhava. Na minha onipotência de infância, o outro chegava a ser ameaçador. Era o outro que mexeria na minha rotina bem definida, bem demarcada. Era o outro que faria xixi num poste que me pertencia. Que interferiria no meu espaço, na ordem que eu dei ao mundo.

O tempo passou, e continuou faltando o outro. Mas uma diferença se fez presente. O outro começou a fazer falta. O outro, que não existia, e que eu preferia que assim permanecesse, começou a ser idealizado. Porque o outro que eu queria era impossível, na prática. O outro era alguém parecido comigo, mas diferente. O outro existia no meu mundo, mas apenas quando eu o convidava a entrar. O outro era membro da minha família, era filho dos meus pais, poderia, vez por outra, almoçar e jantar conosco, mas eu queria um outro que eu pudesse guardar na gaveta quando não fosse interessante ter o outro por perto. Quanto o momento de família fosse intimista o suficiente, e onde o outro estivesse sobrando, ele nunca teria existido.

Mas o outro existia, na minha cabeça. O outro era a quem eu recorreria quando quisesse conversar. O outro era o eu diferente, era o eu que eu gostaria de ser, e em quem eu me basearia. O outro era mais alguém sobre quem eu podia dizer “quando eu crescer eu quero ser como você”. A diferença é que o outro era isso, mas também não tinha o compromisso disciplinador e coercitivo em relação a mim. O outro era relax, mas queria o meu bem. O outro me dava conselhos, mas não iria me pôr de castigo se eu fizesse algo errado. Não que isso fosse feito por alguém, mas o outro sequer teria autoridade para isso.

O caso é que o outro é uma constante em minha vida. O outro, talvez, é o irmão que eu não tive. E que talvez eu prefira nem ter tido, mas que lamento não existir, como eu o idealizei. Talvez os filhos únicos padeçam de um sentimento semelhante. Onde estão os irmãos que não tivemos? Espalhados por aí. Estão em pedaços de algumas pessoas ao nosso redor. Estão em pessoas próximas, às quais efetivamente recorremos. São “sujeitos ordinários” (olhaí o Certeau) que atuam sobre nossa existência, e nos dão a oportunidade, sendo, ao mesmo tempo, nossa identidade e nossa alteridade. O outro passa ao largo, ou está do nosso lado. O outro é alguém necessário, pois nos brinda com a diferença, nos faz exercitar a tolerância, o ato de ouvir, e o de falar o que é necessário, bem como o ato de ser, também, o outro.

Aos amigos, os irmãos (ou outros) que escolhemos.

sábado, 3 de setembro de 2011

Muito amor ao ketchup: a figura do serial killer no cinema marginal piauiense



Hoje, tirei parte da manhã para assistir filmes em super-8. Para além de meu interesse de pesquisa, curto bastante esse material, vejo por diversão. Adoro ficar conferindo os comportamentos, os gestos, as roupas. A trilha sonora é um capítulo à parte, indo de Dartk side of the moon à Chapada do Corisco. Enfim, diversidade, embora pros menos avisados possa passar a impressão de que todos os filmes são a mesma coisa.



Apesar de diferentes em essência, é possível perceber algumas permanências, marcas de estilo na cinematografia super-8. Usando como referências os filmes da chamada "Geração Torquato Neto" (aqui usando o conceito aplicado por Frederico Osanan de Amorim Lima, em sua dissertação de Mestrado), podemos observar bem claramente algumas delas. Para quem não sabe, estes filmes, produzidos entre 1972 e 1974, constituem produções que se configuram marcadas pela inspiração de Torquato Neto, poeta piauiense, em sua estética, chamada por muitos estudiosos do tema como "marginal" ou "underground". Delimitando minha fala apenas àqueles produzidos em Teresina, podemos encontrar produções como O Terror da Vermelha, Davi Vai Guiar, Coração Materno e Miss Dora.



Pois é. Uma dessas permanências, talvez um arquétipo (não me pergunte baseado em quem tô usando essa categoria... rs), é a do serial killer. Sim, alguém que sai matando todos por aí. Presente em muitas dessas produções, podemos associá-los a diversas coisas. Dentre elas, provavelmente, as táticas de fuga da realidade, praticada pelos jovens que, não encontrando-se no contexto em que estavam inseridos, por questões sociais, econômicas e familiares, querem passar para o "lado de lá", uma realidade só sua, ou de seu grupinho. O caso é que, em quase todos os filmes, há um assassino que, por motivos diversos, mata pessoas, em geral andando pela cidade de Teresina em plena luz do dia.



O caso de morte mais, digamos, intimista, está presente em Coração Materno, onde o jovem rapaz mata sua mãe e retira o coração, para dar-lhe de presente à amada, que pediu-o como prova de amor. Os outros casos são de mortes "no atacado". Em O Terror da Vermelha, o assassino em série interpretado por Edmar Oliveira mata pessoas em pontos da cidade de Teresina, sendo o personagem vivido por Torquato Neto - um transeunte que lia calmamente seu jornal - é estrangulado na Praça do Liceu. Caso semelhante é perceptível em Miss Dora, super-8 onde a figura feminina é colocada em evidência - principalmente em suas mudanças comportamentais - a personagem principal sai matando homens pela cidade.



A reflexão sobre a presença de tais personagens no cinema alternativo remete às possibilidades de leitura da própria cultura brasileira no período militar. As formas de expressão, buscando maneiras de chocar, de se contrapor ao produto-padrão, onde se busca, a exemplo de uma negação da perspectiva presente no cinema comercial, fugir do arquétipo do protagonista. Ao invés do ator profissional, o amador; ao invés do mocinho/vilão, figuras presentes no cinema americano, a ambiguidade de serial killers, interpretados por jovens de classe média da cidade. O próprio ato de portar a câmera caseira, filmar coisas, a princípio "sem pé nem cabeça", remete à destruição de paradigmas, ao terrorismo subentendido. O cineasta é, ele também, um serial killer.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Fina Estampa: entre a essência e a aparência




Desde que começou a se comentar sobre o novo projeto de Aguinaldo Silva para o horário nobre, fui um de seus críticos mais ferrenhos. A novela que viria após Insensato Coração me aparentava cômica demais, insólita demais, despretenciosa demais, para ocupar uma faixa de horário que precisava, na verdade, de um desfribilador dos bons. Pois bem. Vieram, então, os comentários nada modestos de seu autor, de que se trataria da novela que recuperaria a audiência perdida do horário nobre, de que faria mais sucesso que Senhora do Destino, e que sua vilã seria mais odiada que a mais-que-cultuada Nazaré Tedesco, da referida novela. Aí o que era desconfiança se transformou em antipatia, mesmo. Passei a ver a novela com os piores olhos, achando que se tratava de um embuste, cultuado erroneamente pelo ego inflamado de Aguinaldo. Pois bem. As chamadas vieram ao ar e, com o tempo - e um pouquinho de dificuldade - essa imagem negativa vem se desvanecendo, e começo a ver em Fina Estampa a possibilidade de uma boa história para se acompanhar.



A novela pertence, a meu ver, ao que poderia ser chamada de "terceira fase" na trajetória dramatúrgica de Aguinaldo Silva. Na primeira, iniciada com seu trabalho na minissérie Lampião e Maria Bonita, e terminada em Porto dos Milagres (com possíveis quebras em Partido Alto, O Outro e Suave Veneno), o autor se dedicou ao regionalismo e realismo fantástico, tratados à exaustão e, em sua maioria, efetuados em parceria com Ricardo Linhares. Na segunda, contemplando as novelas Senhora do Destino e Duas Caras, Aguinaldo decidiu dizer "chega!" ao realismo fantástico, às mulheres voando, e outras groselhas, e voltar-se para histórias com os dois pés na realidade, ou na alegoria, que é a realidade exagerada. Na terceira, temos um Aguinaldo que se volta para uma crítica bem-humorada aos valores e costumes da alta sociedade, expressa nos mandos e desmandos de Lara Romero e cia, protagonista da minissérie Cinquentinha, e da série Lara com Z.



A nova novela das 9, que estreia hoje, está enquadrada nessa nova estética. Fina Estampa trata da história de Griselda (Lilia Cabral), que, após ter o marido desaparecido, é obrigada a virar o homem e a mulher da casa, para criar seus filhos. Ganhando prática em serviços domésticos essencialmente masculinos, torna isso sua profissão, onde é respeitada e conhecida como "Pereirão", o marido de aluguel. Sem vaidade, zero em maquiagem ou roupas delicadas, Griselda é o que poderia ser chamada de uma mulher-homem, assexuada, sem tempo para questões da feminilidade. A protagonista é o extremo oposto de Tereza Cristina (Christiane Torloni), perua que se quer chique, refinada. E as duas passarão a disputar o mesmo homem, René (Dalton Vigh), dividido entre os valores e a beleza interior de Griselda, e o dinheiro e a beleza externa de Tereza Cristina. O que vai vencer, a essência ou a aparência?



A produção da novela, ao que se observa nas chamadas, tem priorizado uma estética mais colorida, com mais vermelho, azul e verde, e menos cinza. Nada de clima noir numa trama que se pretende alegre, solar, contrapondo, talvez, o "tom acima" que se espera das novelas das 9 desde os tempos de Janete Clair. A mim mesmo, a aura de Fina Estampa causou estranheza inicial, parecendo bastante com a de uma novela das 19h.



Usando meu próprio senso crítico como exemplo, imagino que Fina Estampa possa ser um novo olhar sobre o horário nobre. Apesar de arautos da inovação, continuamos, muitas vezes, presos ao tradicionalismo. Obviamente - e isso com toda razão - estaremos com um pé atrás em relação à novela, dados seus antecedentes. Mas nada custa se desvencilhar de nossa má vontade, e dar uma chance, novamente, às caricaturas de Aguinaldo Silva. Algo de bom pode vir dali.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Os muitos Aguinaldos




Aguinaldo Silva não é mais o mesmo. Não a pessoa, mas seu "em-si" escritor, o que pode até ser a mesma coisa, mas enfim. Não é mais o mesmo. Uma aura, provavelmente codinomeada Consuelo Meirelles se apossou de seu corpo, tem mais ou menos uns sete anos, e ele não é mais o mesmo. Assim como Maria do Carmo Ferreira da Silva não é Waldomiro Cerqueira; Adalberto Rangel não é Paulo Della Santa; Marconi Ferraço não é Denizard de Mattos; Nazaré Tedesco não é Perpétua; Lara Romero não é Rubra Rosa. As coisas são outras, completamente diferentes.

Assim como Waldomiro, Maria do Carmo veio do Nordeste, como retirante, tentar a sorte no Rio de Janeiro. Tal qual ele, lutou e sofreu pra se firmar. E, como ele, cresceu, apareceu, venceu na vida. Waldomiro era pai de Maria Regina; Maria do Carmo, de Reginaldo. Coincidência, não? Não! Mas dizer que se copiou receitas é pecado. Pecado mortal. Porque o tempo era outro, e a História, assim como as histórias, não se repete. Suave Veneno foi a tentativa mal-fadada de provar que nem tudo se resumia a regionalismos. Senhora do Destino foi a tentativa bem-sucedida de dizer "chega" (tal qual Gioconda) às mulher voando, homens caindo no poço e indo parar no Japão, mulheres de branco e cadeirudos. Ou não.

Adalberto nasceu pobre, como Denizard. Seu duplo, no entanto, era rico, riquíssimo. Mas se Paulo Della Santa era um mero sósia de Denizard, Marconi Ferraço era o próprio Adalberto, deformado e reformado. Se, em O Outro, Glorinha da Abolição queria apenas revelar a verdade sobre os idênticos, em Duas Caras, Maria Paula queria vingança contra aquele que, embora parecesse diferente, era o mesmo. Se vingou, mas o amou no final. E a ambiguidade superou, enfim, o maniqueísmo e o politicamente correto.

Nazaré e Perpétua são grandiloquentes. Uma é "raposa felpuda", lasciva. Roubou a filha de uma desconhecida para segurar um homem, e garantir seu futuro. Quando esteve prestes a ver seu segredo revelado, assassinou, e culpou a escada. Tudo, claro, sem perder o bom-humor - e o fogo. A outra, ao contrário, é reprimida, coitada. E denunciou a irmã, Tieta, expô-la ao ridículo, por mais de uma vez, punindo-a por ser tudo aquilo que ela mesma não teve coragem. Para extravasar seus sintomas de mal-amadismo, reprimiu outras mulheres, enquanto guardava, num singelo relicário, as mais felizes lembranças de seu marido...

Se Rubra Rosa se angustia por não ser rubro seu sangue, e sim azul, Lara (com ou sem Z) já superou este dilema. Afinal, de que adiante pedigree sem reconhecimento? Essa de escrever discursos pro amante, e não aparecer como a intelectual por trás do corrup... digo, político, não está com nada. Cadê os holofotes, gente? A imprensa, a mídia, o bafo? Eu sei que Tupiacanga não é Hollywood, mas como a Internet e o Photoshop, dá-se um jeito em tudo.

Aguinaldo, enfim, não é mais o mesmo. E o que seria dele se fosse? O que seria do mundo virtual sem suas declarações bombásticas? Nós adoramos criticá-lo e aplaudi-lo, não necessariamente nessa ordem. Aliás, Fina Estampa vem aí, para exercitarmos tanto o arremesso de ovos e tomates, quanto o coro de "vivas". Não há notícias, pelo menos eu não tenho, de um escritor que tenha divulgado, de livre e espontânea vontade, pra todo mundo, o roteiro de um filme que ele escreveu, e que nem ainda saiu. Gente com esse grau de ousadia merece, no mínimo, ser considerada.

Um abraço

terça-feira, 28 de junho de 2011

Aos colegas, com carinho

Escrevo melhor do que falo, isso é um fato. Não, isso não é nenhuma auto-promoção de meu texto falho, e sim a constatação de que eu, tímido, tenho menor dificuldade de expressar sentimentos através da palavra escrita. Portanto, faço dela minha arma.

Esse é um depoimento que poderia constar nos Orkuts da vida, mas meu blog é um espaço onde me sinto mais à vontade, principalmente sendo ele para um grande público. E prefiro fazê-lo assim, aberto, visto por um público maior ainda. Talvez seja megalomania minha, achar que minhas divagações são lidas por muita gente, mas é assim que prefiro pensar.

Esse é um depoimento, um balanço de meus primeiros quatro meses no Mestrado em História do Brasil. Não vim falar, efetivamente, do aprendizado intelectual. Não das leituras, dos textos, dos professores, das pesquisas. Prefiro me voltar para algo mais subjetivo, mais sentimental. Para algo que eu, de corpo presente, talvez não soubesse expressar com tanta clarividência.

Nesse mesmo blog, comentei sobre meus sentimentos durante o processo seletivo. Aquela caminhada, aparentemente solitária, se mostrou muito mais coletiva do que eu imaginava. Pessoas caminhavam junto comigo, e eu percebia sua presença. Passei a torcer por elas tanto quanto por mim mesmo. E, olha só, muitas chegaram junto comigo. O mais impressionante é que outras, a princípio desconhecidas de mim, também chegaram, e, de repente, se tornaram parte integrante da minha vida (louca vida).

O começo foi, sim, um jogo de pôquer. A ideia - pelo menos a minha - era sacar todo mundo. Um por um. Perceber suas concepções, suas percepções, seus alinhamentos. E isso não foi difícil. Difícil é manter o "poker face" quando a gente se afeiçoa. Não era mais necessário. Nunca foi. Eu, na minha pequenez, imaginei uma necessidade totalmente descabida.

Nesses quatro meses, experimentei bem mais que o coleguismo. Em pouco tempo, quase duas dúzias de ilustres desconhecidos se tornaram conhecidos de infância. A convivência diária, o turbilhão intelectual, os sorrisos, as conversas (de sala de aula ou de corredores), as brincadeiras, ganhavam a proporção de uma cumplicidade subentendida. Eu, migrante, pisava num mundo novo, que se tornava menos hostil e mais familiar a cada dia. Hoje me sinto em casa, e isso se deve a esse grupo de pessoas. Passei de um "menino do interior" a um "cidadão da UFPI". Venho vencendo meus medos, venho superando minhas deficiências, e eu não conseguiria fazer isso sozinho. Nas minhas multi-identidades, passei de um percebedor do folclore a um jovem pós-moderno. Me recondicionei ao mundo, virei outro, mas um outro tão igual a mim.

Queria dizer algo a todos, e a cada um em particular, mas falta espaço e faltam palavras. Quando isso acontece, vou de Torquato Neto, aquele que fala o que eu não sei dizer:

eu acho tudo muito legal
mas a verdade
é que o nome normal disso aí
é:
s-a-u-d-a-d-e

Dizer as coisas que eu não disse. Dizer que li muito mais do que imaginava, para tentar, pelo menos, alcançar o nível de leituras que eu observava. Dizer que os encontros extra-universidade que eu faltei, bem como os que vou faltar (peço que me entendam, peço desculpas por ser assim), se devem mais à minha patológica constituição anti-social que a qualquer falta de afeto pela turma. Afeto esse que eu sou limitado demais, desajeitado demais pra expressar. Dizer que eu não sei dizer OBRIGADO como deveria, por tudo.

Aos colegas, com carinho.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Um Astro volta a reinar na televisão brasileira



Em tempos de crise criativa na televisão brasileira, chega a ser surpreendente que um dos lugares mais promissores para a inovação passa a ser o dos remakes. Nessa afirmação não há qualquer ironia, e sim um extremo encantamento com a nova maneira encontrada pela TV de reler seus clássicos, transformando-os em grandes homenagens a um gênero cultuado Brasil e mundo afora. Assim foi com a magistral Ti Ti Ti, onde Maria Adelaide Amaral celebrou não apenas a obra de Cassiano Gabus Mendes, e sim a telenovela com um todo. Assim tende a ser, também, a nova grande empreitada da TV Globo. Vem aí O Astro.

Primeira experiência do que pode ser uma nova forma de fazer dramaturgia na Rede Globo, o remake da obra clássica de Janete Clair, sucesso imortal de 1977, estreia na televisão dia 12 de julho, no horário posterior ao da novela das 9. Com classificação indicativa de 16 anos, permitindo, portanto, cenas mais fortes, e o aprofundamento de temas nem cogitados na sua versão original, o trabalho de adaptação fica a cargo de Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro, assessorados pelos colaboradores Tarcísio Lara Puiati e Vitor de Oliveira (o queridão entrevistado aqui mesmo, nesse blog). A direção de Roberto Talma e Mauro Mendonça Filho promete trazer uma história atual, mas com todos os elementos que fizeram da carpintaria de Janete Clair a mais propalada entre os fãs de novelas.

A grande novidade fica por conta do formato. A história será contada em condensados 60 capítulos, permitindo uma redução no número de personagens e cenários, bem como uma maior densidade nas cenas. Uma macrossérie ou uma mininovela? Os dois, talvez. Prefiro ver como uma novela que trará - analisaremos no futuro - uma nova maneira de fazer dramaturgia. Menos é mais, já diriam os outros.

A trama de O Astro obedece ao padrão janetiano que, assim como os clássicos teatrológicos de Shakespeare e literários de Machado de Assis, serão atuais sempre. Conta a saga de Herculano Quintanilha, de desventurado golpista no interior do Brasil, a alto diretor das Organizações Hayalla. Sua escalada passa pela transformação de um estelionatário cheio de falhas em um vidente de projeção internacional, guru de milhares e milhares de pessoas, através de seu show de ilusionismo e de sua lábia envolvente. Encontrando-se com Márcio Hayalla, filho rebelde de uma rica família à beira do esfacelamento, acha o ponto ideal para crescer e transformar-se em alguém realmente poderoso.

Uma parábola sobre os limites da honestidade humana, a obra de Janete Clair torna-se mais ousada na atualidade. Com cenas de sexo fortes, insinuações de bissexualismo, efeitos especiais que tornam os shows de Herculano espetáculos à parte, e diálogos com alto teor de dramaticidade, retoma a velha e eterna forja de telenovelas. O Astro pode nos permitir enxergar o quão simples é o que falta em nossa dramaturgia atual: emoção, entrega, fascínio. Estaremos todos rendidos aos encantos de Herculano Quintanilha, Lili, Amanda Mello Assunção, Márcio, Clô e Salomão Hayalla, queremos ser enganados e surpreendidos, rir e chorar por eles.

#será?

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Eu, o homem mais responsável do mundo

Muitos escrevem em diários escondidos em baixo do travesseiro, falam com analistas ou se trancam no banheiro para tacar a cabeça na parede. Eu, não. Eu prefiro vir falar aqui, nesse meu diário virtual, lido por todo mundo. Diário não é bem um nome, né? Faz quando tempo que eu não escrevo por aqui?! Perdão, leitores, mas a vida anda dura para quem é mole. E, em breve, vou falar de coisas sérias, inspiradas (tem coisa boa vindo aí!), mas agora, nesse momento, o que eu quero é desabafar? Posso? Não? Muda de blog, pô! Aqui eu escrevo o que eu quero! Ops... calma, Fábio... amigo... Bom, colocar minhas angústias e reflexões aqui pode parecer a vocês estar expondo minha vida na Internet. Não, caras pálidas. Essas são angústias e reflexões de tanta gente, que minha fala se dilui entre muitas outras pessoas. Ou não.

Hoje, e isso não é de hoje, tenho me sentido carregando em minhas costas grande parte da responsabilidade do mundo. Antes de mais nada, estou feliz. Isso é inegável. Feliz mesmo, por ter alcançado um objetivo. Mas me sentindo responsável por tantos e tantas coisas... Responsabilidade em todos os sentidos. O mundo que se apresenta é grande demais, e minhas expectativas são maiores ainda. Mas como alcançar? Fugindo da realidade, sendo um inconsciente, e bancando minha felicidade de maneira egoísta? Ou então encarando de frente os fatos, passando por todas as dificuldades, e olhando para trás, daqui a um tempo, e percebendo que valeu a pena? Oh, dúvida cruel...

Às vezes, e esse "às vezes" é bem mais constante do que o ideal, sinto medo. Uma certa carência de companhias, e até mesmo de aceitação para com esse meu "eu" introspectivo. De repente, me encontro cercado de pessoas. Mais do que isso: gosto delas, me identifico. E sei que as conheci no momento correto. Mas isso só faz com que meu medo aumente. O medo de não corresponder como gostaria. Tenho limitações, grandes limitações. Mais do que isso, temo por não conseguir não me sentir pior por carregá-las comigo.

As limitações, como sempre, são maiores do que nós. Dependemos delas. São de todos os cunhos, todos os tamanhos. Muitas são objetivas, e influenciam decisivamente nas nossas subjetividades, e nas dos que nos rodeiam, e de quem dependemos diretamente.

O maior de todos os medos é de não ser entendido. De ser execrado, justamente, por ser limitado. De me sentir um "outro", onde venho lutando, e com tanta força, já há algum tempo, pra ser um "eu". O máximo que consigo é ser um "eu" idêntico a mim mesmo. Talvez isso seja bom, acho que sim, mas confesso que me angustia.

Entendeu? Não? Bom, eu não vou desenhar. Até a próxima.

sábado, 7 de maio de 2011

Alinhandos os corações (ou Como "Insensato Coração" pode estar entrando nos eixos)





No futuro, daqui a uns sete, oito meses, provavelmente diremos que Insensato Coração foi uma boa novela. Redonda, correta, que vingou com uma audiência que, abaixo dos considerados satisfatórios 40 pontos de média, superou sua antecessora, Passione. Diremos, talvez, que vem de uma leva de novelas tecnicamente excelentes e que, apesar de ainda não ter recuperado o afã brasileiro no horário nobre, contribuiu na abertura de caminhos para que suas sucessoras o façam.



Não sei se essa minha profecia vai se confirmar, mas o que tenho visto, há cerca de 1 mês, na atual novela das 9 da Rede Globo é uma história que tem começado a mostrar que foi bem planejada, e que tem seguido uma receita que desencadeará, muito provavelmente, no gosto popular. Insensato Coração é mais um trabalho nos currículos de Gilberto Braga e Ricardo Linhares que, seja em trabalhos juntos, sejam em separado, sejam em coautorias diferentes, não precisam mais provar nada a ninguém. O que não justifica escrever novela sem emoção, mas justifica dar-lhes uma chance de contar uma boa história - mesmo que tenhamos que esperar cerca de 100 capítulos para ver as coisas chegarem ao ponto G.



Recentemente, defendi, aqui mesmo nesse blog, que uma boa novela é aquela escrita com emoção, com gosto, com felicidade, com garra. Até algum tempo, não estava percebendo isso na novela das 9. Gilberto jamais escondeu que escreve porque ganha bem, porque tem um contrato... enfim, porque é o trabalho dele e ponto final. Linhares, por sua vez, sempre demonstrou uma boa dose de empolgação no seu fazer dramatúrgico. Dennis Carvalho, o diretor, também. E se Paola Oliveira e Eriberto Leão não têm ganhado o público como mocinhos, não penso que se deva às sua interpretação. Por outro lado, temos visto atores que dão com maestria vida aos seus personagens, como Deborah Evelyn, Ana Beatriz Nogueira, Deborah Secco, Camila Pitanga, Lázaro Ramos, Ana Lúcia Torre, Rosi Campos, Ricardo Pereira e Nathalia Thimberg.



Insensato começou com elementos que poderiam fazer dela tanto um sucesso desde seu início quanto um completo marasmo. Talvez o que o que pouca gente percebeu é que Gilberto Braga retomava sua discussão sobre a ética e a honestidade no Brasil, já travada em trabalhos como Vale Tudo, O Dono do Mundo e Pátria Minha, e também ventilada na minissérie Labirinto. Ricardo Linhares, por sua vez, fazia reviver seus personagens cômicos e caricatos. É impossível ver Tia Neném, Nathalie e Bibi sem se lembrar, fatalmente, da puritana Cleonice (outra vez, Ana Lúcia) e da fogosa Scarlett (Luiza Thomé), de A Indomada, além da Bebel (Camila Pitanga) de Paraíso Tropical.



O começo bem lembrou momentos bons da carpintaria manequiana: a desestruturação da família de Raul Brandão, a partir da traição de sua mulher e da falta de ética de seu filho mais velho. Além da hipocrisia dos outros familiares, tivemos a tresloucada Eunice bradando contra Pedro, culpando-o da morte de Luciana. E quem não se lembrou de outra Luciana, aquela vivida por Alinne Moraes em Viver a Vida, ao vermos Pedro na cadeira de rodas. Assim como nesta novela, a luta pela reabilitação do mocinho não fez aumentar o interesse do público pela trama. Marina Drummond, uma mocinha tão racional, tão compreensiva e tão apaixonada, virava mocinha chata, até por não ter ninguém que a disputasse em pé de igualdade com Pedro (Porque, né? Henrique é chato pra burro!). E assim caminhou uma história que se apresentavam modorrenta, chata, daquelas que a gente assiste quando dá, e nem sente culpa se for dormir, ler, ver super-8 em seu horário.



Mas as coisas mudam. E, ao que parece, não estão mudando ao sabor do IBOPE, e sim seguindo uma sinopse bem estruturada. Percebe-se que, para se chegar aos pontos de inflexão que agora se apresentam na história, foi necessário plantar a trama. E, plantada, ela agora pode agarrar o público pelo pescoço, tascar-lhe um beijo na boca, e conquistá-lo por inteiro. Elenquei abaixo os elementos que, na minha opinião, podem transformar Insensato Coração num grande sucesso, a partir de agora:




1. A vingança de Norma






De longe, a mais bem construída personagem da trama, Norma, a enfermeira desventurada, vivida por Glória Pires, é o grande show da novela. Enganada por Léo (Gabriel Braga Nunes), presa sem ter cometido crime algum, roubada por aquela que imaginou ser sua melhor amiga e maltratada na cadeia por Araci (Cristiana Oliveira), Norma aprendeu na marra que, para viver na selva, é preciso não só fugir do predador, mas atacá-lo. Depois de matar Araci na cadeia, Norma deve passar por cima de todos que, porventura, se coloquem no caminho de sua vingança contra Léo. Primeiro, Kátia (Lidi Lisboa), cujo rosto vai marcar com uma faca, por tentá-la impedir de roubar o tesouro da ex-detenta. Depois, deve fazer com que Nathalie (Deborah Secco) seja atropelada, para cuidar dela, se tornar sua amiga, e se infiltrar no prédio. Deve fazer com que um dos garçons do bar de Gabino (Guilherme Piva) seja expulso do quartinho alugado por Fabíola (Roberta Rodrigues), sendo ela a escolhida para ali habitar. E, depois de se produzir com o dinheiro de Araci, aproximar-se de Teodoro (Tarcísio Meira), fazer com que seu acompanhante seja demitido, e tornar-se a nova acompanhante do velho, matando-o em seguida, e ficando com sua herança. Rica, Norma ficará cara a cara com Léo. Percebe sua paixão por Marina (Paola Oliveira), com quem ele estará casado, e resolverá usá-la para atingi-lo. De que forma? Desfigurando seu rosto.




2. O casamento de Marina com Léo





O triângulo mocinho-mocinha-vilão sempre foi a grande mola propulsora de todos os bons folhetins. É importante que, em determinado ponto da história, o vilão conquiste a mocinha, case-se com ela, tornando-se uma pedra visível no sapato do mocinho. Até agora, Léo tem se fingindo amigo de Pedro (Eriberto Leão), seu irmão, e o bobalhão acreditando. Quando tentará tirar Marina deste, Léo mostrará quem é de verdade. O ódio do público pelo vilão e seu embate com o mocinho pode alavancar a novela, sim senhor.




3. O romance entre Raul e Carol





Relações que já começam erradas são boas formas de se engendrar histórias de amor interessantes. Os autores plantaram Raul (Antonio Fagundes), depois de perder sua empresa em Florianópolis e ver um projeto fazer água no Chile, dentro das Empresas Drummond, e frente a frente com Carol (Camila Pitanga), que o recebe de má vontade. A relação de trabalho dos dois está longe de ser das melhores: ela o acha turrão e prepotente, ele a acha autoritária e perseguidora. No que vai dar isso? Samba, é claro!




4. O triângulo Cortez - Nathalie - Wagner





Desde que entrou na trama, tive extrema simpatia pela história do banqueiro "barba azul" Horácio Cortez. Desonesto e corrupto, fez com que a mulher, Clarice (Ana Beatriz Nogueira, excelente em cena), morresse num acidente de carro forjado. E, desconfia-se, matou também sua esposa anterior a ela. Agora, deve se casar com a ex-Volúpia na Montanha Nathalie Lamour, e, caso ela o entregue à polícia, como é bem provável, tentar dar-lhe um fim parecido. Enquanto isso, Nathalie viverá sua própria volúpia na montanha com Wagner, o advogado de Cortez.




5. A continuidade das participações especiais




Tenho visto, desde Paraíso Tropical, com excelentes olhos a entrada e saída de personagens com função bem definida na novela. Não é Kubanacan, que todo mundo entra e sai sem um porquê. É algo sério, bem feito. Primeiro, Umberto (José Wilker), o irmão canalha de Raul, que transa com sua mulher, Wanda (Natalia do Vale). Depois, temos, dentre outros, Jonas (Tuca Andrada), Silveira (Hugo Carvana), Gisela (Ângela Vieira), Gregório Gurgel (Milton Gonçalves) e Araci (Cristiana Oliveira). Sem esquecer de Nívia Maria que, num dos melhores momentos da novela, viveu a morte, por ataque cardíaco, de sua personagem, Carmem, depois de ser enganada por Léo, e ver seu dinheiro voando pelas ruas do Rio de Janeiro. Que continua assim, e que a história continue com alta rotatividade.




Bom, essa é uma visão sobre a novela. Concorda? Discorda? Quer complentar? Vamos comentar! Abração!

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Affective memory: as melhores baladas românticas dos anos 80

Há quanto tempo que eu não fazia uma lista. Já estava com saudades de ser criticado pelas minhas escolhas... rsrsrs. Brincadeira. Sei que os leitores desse blog são de uma educação e de uma compreensão sem igual, e que sempre compreendem que se trata de uma memória afetiva, chegando, por vezes (olha só!), a concordar com meu gosto.

Hoje resolvi falar de romantismo à flor da pele. Afinal, mesmo quem não viveu, o que é o meu caso, tem saudade dos anos 80. Não só pelas suas roupas profundamentes coloridas e pelo florescente liberalismo pós-moderno que se consolidava, mas por um novo postar-se perante a sociedade. Nada de década perdida. Produziu-se muita cultura ali. E uma das mais marcantes era um pop rock, romântico e extremamente instrumentalizado. Bailinhos mundo afora, até hoje, tocam Roxette, Air Supply e Phill Collins.

Por isso, trouxe aqui as músicas que me aguçam os sentidos. Que causam em mim um festival sinestésico, do qual não consigo sair antes do último acorde. Que me deixam extático. Ei-las:


The Power of Love (Jennifer Rush)



Quem nunca cantou "O Amor e o Poder" pelo menos uma vez na vida que atire a primeira pedra. A versão brazuca, cantada por Rosana, que embalou as emoções da novela Mandala, tiveram como referência essa canção de Jennifer Rush, que prezava pelo clima transcendente que, em seguida, marcou a versão da novela.


Take My Breath Way (Berlin)



O tema inesquecível do filme Top Gun - Ases Indomáveis deu uma impressionante visibilidade ao Berlin, e a canção tornou-se um ícone nas paradas de sucesso durante e depois do filme. Todas as trilhas sonoras de vencedores do Oscar têm-na como faixa obrigatória.


Matter of Feelings (Duran Duran)



Muito antes dos Backstreet Boys, as boy-bands atraíam os gritinhos de adolescentes enlouquecidas. E, claro, não dá pra falar delas sem tocar no nome do Duran Duran. "Matter of Feelings" também vigorou entre as prediletas nas baladinhas. As meninas queriam agarrá-los, rasgá-los e beijá-los. Os meninos queriam sê-los, embora não admitissem.


Against All Odds (Phill Collins)



Não dá pra falar de baladas dos 80 sem citar Phill Collins. O rei do romantismo oitentista figura aqui com um de seus clássicos. Aliás, difícil destacar uma dele que não seja um clássico, portanto a escolha não foi das mais fáceis.


Endless Love (Lionel Ritchie & Diana Ross)



O tema de Amor sem Fim é uma das mais lembradas do consagrado Lionel Ritchie. A suavidade de sua voz, aliada num dueto belíssimo com Diana Ross ganhou mais e mais versões mundo afora.


Heaven (Bryan Adams)



Entre minhas favoritas está o tema de Babi na novela A Gata Comeu. Enquanto a patricinha ficava às voltas com seu amor pelo falso cego Zé Mário, o público se deleitava nos acordes de Heaven.


It Must Have Been Love (Roxette)



Dificílimo pra mim ser imparcial quando o assunto é esse grupo sueco. Mais ainda, quando o assunto é Marie Fredriksson, a sueca que assume os vocais. "It Must Have Been Love" ainda hoje é tocada à exaustão em festas Ploc, e figura sempre em discos do tipo Good Times.


Listen to Your Heart (Roxette)



Diferente da maioria, que curte mais a música anterior, minha predileta do Roxette é aquela que embalou várias cenas da novela O Sexo dos Anjos. Seu tom transcendente, ainda maior, tem cara de romances maiores que a vida. E nós lá, escutando.


Making Love Out Of Nothing At All (Air Supply)



Enfim, o hour concours dessa lista. Para muitos, um atentado aos diabéticos. Para mim, a memória de um belo momento de minha vida: a primeira paixão adolescente. Tinha um CD pirarinha na minha casa, da qual esta era a segunda faixa. O disco furou de tanto ser escutado. Uma música com um clímax perfeito, instrumentalizado à exaustão, pronto para embalar um jovem coração apaixonado.


Pra você, o que faltou na lista. Comente e opine! Abração!

quinta-feira, 14 de abril de 2011

São tantas emoções: a telenovela como expressão da felicidade




Não é de hoje que tenho revisto meus conceitos sobre novelas. Pra falar a verdade, essa reconceituação é um processo contínuo, embora tenha se agudizado de uns tempos pra cá, desde que resolvi começar a falar abertamente sobre o assunto através desse veículo de comunicação. Afinal, o que é possível expressar sobre a atual situação da teledramaturgia? Apenas lamentar o marasmo, dizer que não se produz nada de novo, que a TV se tornou um mausoléu de estilos cristalizados? É pouco. Já passei muito tempo fazendo isso, e acho que perdi momentos preciosos de minha tenra juventude, em vez de, humildemente, propor possibilidades de revisão da teledramaturgia. Nada de novo, apenas um convite a voltar a olhar para a telenovela como já se olhou no passado e - sem querer ser anacrônico - rediscutir o grande valor que permeou o folhetim desde seu surgimento que era o de... transmitir emoções. Pois bem.



Muito se tem falado em técnica, em estilos, em fluidez nos diálogos, em dinamismo nas cenas. Muito se tem observado na expressividade dos atores, no figurino escolhido, no tom de voz usado para expressar-se nessa ou naquela cena. Nenhum pecado. De fato, o bom analista é aquele que vê a novela em seu todo, mas discutindo os detalhes. O grande problema é que nós (e me incluo nesse bolo), muitas vezes, achamos que analisar bem é criticar, apontar os defeitos, por mínimos que eles sejam, esquecendo-nos do mais importante que é esse TODO que constitui a telenovela, e no qual ator, autor e diretor pensam na hora de lançar o produto.



"Ah, mas esse olhar vai me recomparar ao público médio (ou ao sujeito ordinário?)", como se nisso habitasse o pior dos males para quem gosta de ver dramaturgia. Antes de qualquer outra coisa, meus queridos, fomos público médio, e gostamos muito de ser. E, acho eu, para sermos mais do que isso, temos que retornar, pelo menos um pouquinho, às emoções primárias vividas por esse público e, só a partir delas, fazermos nossas considerações. Ou isso, ou corremos o seríssimo risco de nos transformamos naqueles chatos, hieráticos, quadrados e saudosistas críticos de TV, que emos com tão maus olhos.




Mas, o que é fazer novela, então? Ou melhor, o que é fazer uma boa novela? Isso me inquietou por muito tempo. Justamente quando comecei a ver esse produto com um olhar mais apurado, passei a refletir o que constituia uma boa novela. E eis a surpresa: a resposta foi um retorno à mesmíssima visão que tinha quando assisti atrações como Olho no Olho, Cara & Coroa, Explode Coração, História de Amor ou O Clone: novela boa é aquela que me deixa feliz de ver.



O texto é tatibitate, e daí? A protagonista é ex-BBB, algum problema? As cenas duram mais de cinco minutos, e eu com isso? Não sou obrigado a virar um refém da técnica e, pior do que isso, da crítica. Da mesma forma que acho que o grande problema atuais é que elas se tornaram reféns de uma burocracia televisiva. Os autores e diretores se sentem obrigados a serem dinâmicos, a valorizarem a ação de maneira exaustiva, a escrever em escala industrial, a ter diversos pudores em nome da audiência, sem notar que são justamente tais elementos que mais afastam nosso público.



Novela boa é novela feita com gosto. É aquela que o autor escreve dando uma banana pra quem o chama de fantasioso, delirante. "Eu quero inovar, escrever uma mocinha lésbica, um mocinho obeso, uma vilã de 6 meses de vida". Mas e a audiência, e o povão? Azar! Ou então: "Eu prefiro escrever um folhetim onde a mocinha é abandonada no altar, depois descobre que tem uma herança milionária, fica rica, dança numa boate, se vinga do inimigo e depois desvenda um assassinato". Mas e a crítica, que vai me chamar de folhetinesco e sem-vergonha? Que se dane!



As últimas novelas pelas quais realmente me apaixonei foram feitas com amor, sem ligar pro que muita gente diria. E, coincidentemente, foram sucessos de Ibope. Glória Perez fez ouvido de mercador de camelos quando geral dizia que Jade viajava trocentas vezes pro Brasil em O Clone. Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari não ligaram pra quem dizia que estavam abusando das metalinguagens e da canastrice em Ti-Ti-Ti: investiram com gosto. É esse ato de coragem, é esse fazer da arte uma grande farra, que acho que faz falta em muitos trabalhos, e que defendo como a boa dramaturgia.




Acredito, sim, que as duas coisas são perfeitamente associáveis, mas se for obrigado a escolher entre ser partidário da técnica ou ser partidário da fantasia, fico com a segunda, sem culpa. Sei que posso ser achincalhado por essa opinião, mas acho que novela boa é aquela em que você dá asas à imaginação, seja lá o que ela lhe mande fazer. Você é louco, costuma ser chamado de esquizofrênico, cria estórias fantasiosas numa cabeça sem-noção? Largue as armas, meu irmão, e venha fazer novela. Tipos como você são necessários, e estão em falta.



Pronto, falei. Agora, que venham as pedradas.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Eu, um contrasenso acadêmico


Cada dia que passa me faz olhar ainda mais pra mim mesmo. E isso é mais estranho do que parece. Talvez seja a idade chegando, e essa adolescência tardia e mal-realizada se transformando numa vida adulta ainda tão imatura. Mas eu já superei essa fase de incertezas quanto ao meu próprio perfil psicológico-comportamental: me assumi como um prenúncio do anti-social, apesar da necessidade de estar próximo de gente; como um "homem de gelo", apesar da necessidade de abraços constantes; como um racional, apesar desse romantismo latente. Enfim, me defini como um contrasenso.


Essas reflexões têm ganho projeção maior no ambiente acadêmico, onde tenho vivido um momento profundamente particular. Estar no Mestrado é um sonho que eu alcancei. Me refazer nele a cada dia é um desafio que me foi colocado. A cada dia, seja de aula, seja da convivência com os colegas - nunca imaginei que seria tão significativa - me vejo uma pessoa nova. Não na minha essência: continuo o mesmo do parágrafo anterior, só que diferente. Deu pra entender? Não? Tá, deixa pra lá. Prossigamos.


Ontem foi um dia desses, de desconstrução do Fábio de tantos anos, e de reconstrução de um outro, que nem ele mesmo conhecia. Ontem eu levei um tapa na cara. Um tapa de luva, tão leve, mas tão leve, que continua doendo até agora. Um tapa que me fez ir dormir sentindo-o. Sabe por quê? Por que me vi ante os meus preconceitos, e senti vergonha de mim mesmo.


Eu, que sempre estufei o peito para me dizer um "filho da História Cultural". E não deixei de ser. Mas, ao falar isso, empostava a voz, inseria nele uma empáfia voluntária, um quê superior. Sabe o "eu sou, vocês não são"? Pois é. Eu, que ironizei com o mundo, com o que lia, com o que via ou que ouvia em contrário. Eu, que me propunha alguém de mente aberta, um catalisador de ideias, me mostrava o mais inflexível dos metódicos. Mea culpa.


Ante o Certeau, o Burke, a Pesavento, o Nora, eu esquecia de tanta gente... Do Hobsbawn, que li com tanta avidez em suas reflexões sobre a Revolução Francesa; do Peregalli, e suas construções sobre o modo de produção tributário; e, por que não, do Ranke, que me ensinou o quanto a organização é necessária no fazer historiográfico. Perdão.


Perdoem esse cara, que se achava tão pós-moderno, e se mostrava tão positivista. Perdoem esse poço de contradições. Perdoem quem criticou o reducionismo e determinou o mundo. Perdoem quem se negou a ler aquele que disse que a história acabou, por puro preconceito. E também àquele que renegou o resto da Escola de Frankfurt por ter medo de trazer a contradição pro seu trabalho. Eu errei. E seu que talvez não mereça o perdão. Mas eu juro que vou me esforçar.

quarta-feira, 30 de março de 2011

A única Maria do mundo


Ontem se deu a final do BBB mais miado de toda a história. O programa que, como sempre, iniciou-se sob expectativas e especulações em torno de seu novo elenco, decepcionou na escalação. Não faltaram tentativas da direção de alavancar a coisa, mas todas foram em vão: o BBB11 terminou com audiência medíocre, assim como seus participantes. Em meio ao marasmo, quais são as análises possíveis? Porque a edição não vingou? Quais foram os erros de Boninho e cia? Tudo isso, todas as possíveis considerações acerca do programa, servem, também, para refletir sobre sua final, e sobre a construção de sua campeã.


Já não é de hoje que uma das principais estratégias de Boninho na formação do time que entra na casa mais vigiada do Brasil tem seguido um critério-mor: escalar os mais bonitos e polêmicos. Essa tem sido uma máxima do programa, em especial da 9ª edição para cá. Queria-se um Big Brother mais jogado, mais estratégico, menos emotivo que os outros. Conseguiu-se? Sim, em termos. Vencedores como Max Porto e Marcelo Dourado destacaram-se como grandes jogadores e estrategistas.


Particularmente, como grande fã que sou do reality, comemorei quando a nova política da direção passou a ser essa. Já estava cansado de um Big Brother vencido por desmiolados, bam-bam-bans e superpobrinhos. Que vença o melhor jogador, pensei, assim como nas edições americana, alemã, etc. Não torci por Max, torci por Dourado e seu time... mas, entre erros e acertos de palpites, reconhecia méritos nesses BBBs em que se valorizava a inteligência em vez do carisma.


E, como que para me dar um sonoro tabefe, vem a 11ª edição, e me faz discordar de mim mesmo. A edição, mais do que nunca, privilegiava a escalação de participantes, como diria Maurício Stycer, "com os dois pés na baixaria": mais da metade ou tinha pousado sem roupa ou com pouquíssima roupa - isso sem contar os fetiches com máscaras de Darth Vader e, também, vidas pregressas, ligadas a prostituição. E, nos primeiros dias do programa, a grande estrela foi Ariadna, a "fábula do século XXI", transexual, que levantou grande discussão sobre o assunto em todas as mídias. A história de Ariadna parecia ser suficiente para garantir o sucesso do programa - não fosse o fato de que o público a eliminaria no primeiro paredão. Não conformado, o Big Boss criou uma estratégia para tentar reinfiltrá-la na casa, criando a nova Casa de Vidro. Mas não foi suficiente, e Ariadna foi preterida a Maurício. Fazer o quê? Vida, essa...


Ariadna saiu, e a casa caiu no mais completo marasmo. A história que norteava a edição, e que fora a aposta de todas as fichas dos diretores, babou. Ficaríamos com a metralhadora verborrágica de Diogo, a apatia de Rodrigão, os surtos sem-noção de Michelly ("Eu tô de shorts!"), além de Cristiano se esfregando no casting feminino da casa, todo trabalhado no doce de leite. Não contente, e querendo consertar o Boeing em pleno voo, Boninho adapta o expediente americano do Entra-e-Sai, fazendo um paredão em que rodam dois e entram dois, ainda confinados: dessa maneira, entram no programa a miss Adriana e o médico Wesley, com a missão claríssima de botar fogo no jogo.


De fato, Adriana e Wesley movimentam a casa. Adriana engrena um romance contraditório com Rodrigão, fala verdades na cara de algumas pessoas, e ganha um eleitorado forte, ao mesmo tempo em que seu jeito juvenil, e sua mendicância quanto ao amor do rapaz, criam rejeição tão ou mais forte quanto. Já Wesley ajuda a protagonizar uma das principais histórias da casa, que seria levada, enfim, à grande final: passar a cortejar Maria, recém-separada de Maurício, um dos últimos eliminados do programa. Eis que, quando o romance estava em vias de acontecer, MauMau volta da Casa de Vidro, causando um triângulo amoroso totalmente inusitado, e passando a ser vítima da perseguição implacável de uma dividida Maria.


Maria se contradiz, age sem pensar, fala o quer e ouve (muito) o que não quer. Bebe, faz bobagens, se arrepende, chora. Bebe novamente, corre atrás de MauMau, é dispensada por ele. No dia seguinte, tome crises de consciência e ressaca moral. Ressaca não maior que as das bebedeiras astronômicas do tricotante Daniel, que engrena o mais peculiar caso amoroso do programa: com uma palmerinha (what?).


A grande final privilegiou os participantes que, de alguma forma, causaram no programa. Foi resultado da escalação equivocada de Boninho que, ao privilegiar a polêmica, esqueceu dos protagonistas. Afinal, o que marcou o sucesso de edições do BBB como a 3ª, a 5ª e a 7ª? A criação de personagens carismáticos, que despertaram o amor do público. E nisso, chamo a mea culpa: eu, um dos maiores incentivadores desse novo BBB, clamo por um retorno a esse ponto ótimo perdido. O BBB que nos fez amar Manuela e Tyrso, Juliana Alves, Grazzi Massafera, Mariana Felício, Siri e Diego Alemão, Rafinha e Gyselle Soares. Antes o carisma, a construção do vencedor muito, mas muito antes do fim, do que a apatia que se observou esse ano.


Daniel, Maria e Wesley fizeram uma final que coroou o programa em sua mediocridade. O discurso de Bial, ao anunciar Maria como a grande campeã, ressaltou seu passado, e o fato de ter mexido com o imaginário não só masculino, mas também, e principalmente, com a opinião das mulheres sobre si mesmas. Particularmente, embora não torcesse de fato por nenhum dos finalistas, votei pela vitória de Maria por dois detalhes básicos. Primeiro porque, há muito, queria ver Bial anunciar uma VENCEDORA do programa, uma vez que as únicas mulheres que chegaram a esse posto foram Cida e Mara, e, né? Em segundo lugar porque, se formos garimpar os protagonismos, Maria foi a grande estrela do programa. Levou-o nas costas, centralizou sobre si a história. No BBB mais over da história, Maria foi, sim, a melhor.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Perfumes, músicas e lugares de memória


"A recordação é o perfume da alma. É a parte mais delicada e mais suave do coração, que se desprende para abraçar outro coração e segui-lo por toda parte" (George Sand)

Perfume... fragância de lembranças. Extrato sensorial, sinestésico, de uma parcela de nossa vida, que volta à tona quando o sentimos novamente. Ah, e que lembranças, que lembranças nos trazem, que sensações nos despertam, novamente e, às vezes, mais fortes que o momento original.

Todas essas divagações são resultados da aula de ontem de História e Memória. Quando, ao discutirmos Jacy Seixas, em seus "Percursos de memória em terras de história", quando a relacionamos com teóricos das mais diversas áreas, como Halbwachs, Proust e Bergson, Paul Ricoeur, e, principalmente, quando a discussão estrapola o texto acadêmico e se configura em um passeio por nossos sentidos, percebemos que nossas memórias mantém-se presentes, vivas, em lugares específicos, sejam eles físicos ou não.

Perfumes... aqueles que nos trazem de volta lugares, momentos e, principalmente, pessoas. Aquele perfume inesquecível que ela usava, e que, usado por qualquer outra mulher, sempre será dela. Dela, e de mais ninguém. Ali, na minha memória, aquele odor será único. Unicamente dela. Aquele que, para sempre, me lembrará momentos na Praça Irmãos Dantas, naquele banco bem diante da Igreja de Nossa Senhora do Carmo (ou em qualquer outro), que me fará recordar, para sempre, aquele dia, em frente ao portão de sua casa, olhando as estrelas no céu. Que me obriga a rever, mentalmente, aqueles olhos de ressaca, olhos de Capitu, oblíqua, dissimulada, sempre escondendo muito mais do que mostrava...

Porque eu sei que é amor
Eu não peço nada em troca
Porque eu sei que é amor
Eu não peço nenhuma prova
Mesmo que você não esteja aqui
O amor está aqui, agora
Mesmo que você tenha que partir
O amor não há de ir embora.

Por que raios os Titãs me perseguem, em minhas lembranças?! Pô, sempre eles! E eles, sempre, e mais uma vez, me levam a lembrar. A lembrar dela. Já no fim do nosso romance, quando passeávamos pela mesma praça, quando sentávamos no mesmíssimo banco, quando conversávamos debaixo das mesmíssimas estrelas no céu. Enquanto a mãe dela ligava pro seu celular e a mandava entrar logo em casa. Naqueles dias, um romance que nasceu particular, nervoso, principalmente da minha parte, terminou, também, de maneira particular. Com um abraço, um carinho e, se eu não tivesse resistido em meus propósitos, um beijo, que o reiniciaria.

A memória que, nesse caso, transformou-se em relicário. Guardada numa caixinha, como passado, por vezes presentificado, traz saudade. O mais engraçado de tudo é que a saudade, nesse caso, termina sendo melhor que o momento - esse recheado de nervosismo, inexperiência, uma certa angústia.

Como saber de que forma sentimos, de que forma encaramos e como convivemos com nosso passado e nossas percepções?

Provavelmente, nunca saberemos.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Uma pausa para falar de nós

Pois bem. Chega a hora de refletir. O SuperCult já é um blog com mais de um ano, então a gente pensa que é chegado o momento de discutir a relação. Não, nosso casamento não está em crise, muito pelo contrário. Nos damos bem, nos compreendemos (ou melhor, ele me compreende, porque eu mesmo nunca o perguntei o que ele achava de receber essa descarga de informações minhas em postagens períodicas), ele gosta dos meus amigos, e eu lhe apresentei amigos novos (um abraço ao Melão, ao Ta Fun, ao Roteirizando, ao EnTHulho e a outros amigos do meu blog). Talvez a DR não seja exatamente a máxima desse momento, mas sim as boas lembranças do passado, e as boas esperanças do futuro.

Como disse na primeiríssima postagem aqui, o SuperCult seria uma espaço de divagações do autor. Um blog de arte em geral, como bem definiu o Prof. Edwar, que não tem medo de falar de qualquer assunto que ocorrer a quem o dirige, de ceder à inspiração a mais bizarra, de parar para pensar, apenas. Um blog que se propõe, e tem cumprido, a função de ir da cozinha ao divã do analista.

Naquele dia, em janeiro de 2010, não imaginava que ele ganharia a repercussão que ganhou. Muito menos que chegaria a pouco mais de um ano beirando os 8000 acessos (eu, que achava que seria o único a frequentar o blog!), e nada poderia me deixar mais satisfeito do que ver que aqui, um lugar para falar de coisas que interessam a um público seleto, é tão bem frequentado, seja no sentido quantitativo quanto, principalmente, no qualitativo.

Ao longo desse ano, falamos de cinema, em várias formas: listamos os grandes vilões de Hollywood, selecionamos os 10 mais do autor, diferenciamos a cinematografia erótica e pornográfica, discutimos cinema marginal e pornochancada. Fomos do trash aos clássicos [AlineDurelfeelings]. Além disso, divagamos sobre música e literatura: relembramos personagens do pop-rock nacional, degustamos as crônicas de Luis Fernando Veríssimo, relembramos as alegorias e o realismo fantástico em obras de Saramago e Érico Veríssimo (isso sem contar nosso "Prêmio Eguinha Pocotó", que dispensa comentários). Além de tudo isso, nos voltamos para aquele que uniu em torno de si a poesia, o cinema e a música, conseguindo transformá-los em uma coisa só: falamos de Torquato Neto, em sua "louca vida, vida breve", que nos legou tanto e nos negligenciou muito mais.

Fizemos, em especial, muita crítica de televisão. Tentamos fugir do paradigma do crítico, aquele que fala e não assiste. Sim, o SuperCult acompanha com prazer novelas, minisséries e reality-shows. Analisa a audiência, a repercussão, quer ter parte no processo. Buscou, ao longo desse ano, demonstrar despretenciosamente suas opiniões, e, principalmente, compartilhar da opinião de outros tantos e tão caros. Nisso, tivemos a honra de entrevistar um dos arautos da dramaturgia virtual, o jovem e talentoso Eduardo Secco, e o grão-mestre dos Queridões de plantão, Vitor Santos.

Hoje, o SuperCult atravessa uma nova fase de sua vida, o que coincide com um novo momento da vida de seu autor. Continua o mesmo, só que diferente, entenderam (Não? Bom... deixa pra lá). Aonde, afinal, está a diferença? E quem disse que eu sei? Só o tempo dirá. Aliás, acordar diferente é aquilo que nós - eu, vocês, o SuperCult - temos feito todos esses dias, em mais de um ano. Essa é a nossa função. Somos subjetivos, muitas vezes inseguros, distantes e ao mesmo tempo pressionados pelo mundo prático. Somos angustiados, angustiantes, quase esquizofrênicos. Somos alegres de tanta timidez. Somos aqueles que não páram pra refletir - refletem 24 horas por dia.

Falo nós, porque vocês (é, você mesmo) são meus cúmplices. Afinal, se não fossem vocês, eu nem sei se o blog ainda existiria, porque, apesar de ter sido essa a ideia original, eu não tenho vocação pra falar pruma parede. Se estou aqui, é porque sei que sou ouvido, lido, que compartilho meu sentimento com alguém. E espero que continuemos juntos, vivendo as agruras e delícias através de tantos bytes.

Aqui, um abraço a todos: ao Vitor e ao Duh, meus entrevistados, que me honraram com palavras tão marcantes; ao Eddy, Evana, TH, Paulinho, Monique, Ivy, Walter, Vanessa, Helder, Jorge, Ivan, queridões de carteirinha que, através desses contatos virtuais, me ajudaram a construir minha sensibilidade televisiva. Ao xará Fábio Costa, ao Nilson Xavier, à Renata Dias Gomes que, grandes entendedores de dramaturgia que são, me deixam beber dessa fonte de conhecimento. Ao Hênio e ao Daniel, grandes amigos do litoral, que fazem da cultura sua arma de guerra. À Simone, grande amiga da terrinha, que vem esbanjar sua sutileza nas "Entrelinhas" do SuperCult (rs). Ao meu pai que, apesar de frequentar pouco, foi e continua sendo o grande incentivador de todas as minhas empreitadas. Aos colegas e professores da gradução e do Mestrado, que vêem aqui constatar que minhas loucuras também se expressam na escrita.

A todos vocês, obrigado.