Renato aprendeu desde cedo a não andar descalço, a usar a camisa combinando com a calça, e a escrever gramática e ortograficamente correto. Mas ninguém o ensinou a lidar com as pessoas. Parecia difícil entender que haviam cláusulas de convivência que regulavam a vida de todo mundo, inclusive a dele. Que o mundo não se resumia à sua aldeia, ou melhor, ao seu quarto, seus brinquedos, sua vidinha tranquila.
Renato morria de medo da companhia dos outros. As pessoas lhe causavam ansiedade, e ele sempre via aqueles que, porventura, aparecessem em sua casa, esporadicamente, ou pra passar uma temporada, como um estorvo - alguém que mexia com sua rotina. Seu mundo individualista e pequeno-burguês coincidia com sua vida de filho único de uma família de classe média-média.
Amigos vinham para brincar, nas férias ou no fim de semana, e passavam, no máximo, uma manhã ou uma tarde. Mais do que isso era mexer demais com sua rotina, sua vida regrada, os programas de TV que gostava de assistir.
Renato estava longe de ser um mimado chato, pidão, intragável. No máximo, era um menino anti-social, mas não externava nenhum defeito grave maior que isso. Era calado, quieto, aparentava inteligente, tirava boas notas no colégio. Tinha uma convivência amistosa com os colegas, professores, com os pais, tios, primos, avós, etc. Só não estreitava relações. Não tinha um "melhor amigo". No máximo, tinha colegas - essa era a relação mais próxima da amizade que ele praticava.
O maior medo de Renato era deixar de ser filho único. Não que ele não quisesse dividir seus pais, alguma coisa qualquer que sua família fosse lhe deixar... mas é que um irmão mudaria sua vida de forma tão definitiva que a ideia lhe causava pânico. E assim foi durante toda sua infância, embora o pai entendesse que sua solidão era anormal demais para os meninos de sua idade. Que seu egocentrismo, embora não o tornasse antipático perante as pessoas com quem convivia, fazia dele alguém que poderia ter problemas de relacionamento muito graves no futuro.
O caso é que Renato cresceu. Era um garoto de bom-senso, um menino educado, e a adolescência chegou, causando algumas transformações em seu modo de enxergar a si e ao mundo. Causa em todo mundo, mas nele foi um pouco mais além do interesse pelas meninas e das mudanças no corpo. Não, não deu exatamente trabalho aos pais. Jamais fugiu de casa, nunca experimentou álcool ou drogas. Jamais bateu boca com o pai ou a mãe. Hoje, olhando pra trás, os pais dizem que Renato foi um adolescente que não deu trabalho. De repente, foi a fase mais tranquila de sua vida (embora ele sempre tenha sido um menino tranquilo).
No seu íntimo, Renato vivia uma crise. A solidão que jamais o incomodara na infância se tornava um fardo na adolescência. Para ele, relacionar-se era difícil. De repente, passava-lhe a fazer falta o irmão que não teve. Não queria uma criança por perto - essa não era exatamente a ideia. Mas sentia falta de dividir com as pessoas as sensações novas, de conversar bobagem. No fundo, Renato cresceu sem se sentir à vontade perto de ninguém.
Pareceu a todos uma passagem serena a de Renato pela vida, da infância à jovem maturidade. Passou no vestibular bem classificado. Foi um bom aluno, talvez um dos melhores. Formou-se com louvor. Entrou na pós-graduação, arranjou um bom emprego... Mas a vida social de Renato andava a passos lentos. Só no fim da adolescência, e início da vida adulta, começou a fazer amizades mais sólidas. Só nessa época começou a tomar coragem para se aproximar das mulheres. Não que ele não sentia necessidades físicas, como todos os homens, mas era um tímido crônico.
A vida transformou Renato num adulto bem-sucedido, e relativamente feliz. As coisas com ele sempre aconteceram com uma velocidade mais reduzida que a maioria. Ele ainda precisa resolver alguns conflitos psicológicos, ainda precisa trabalhar certas carências, ainda precisa aprender certas coisas sobre a vida prática. Mas ele tem pessoas legais ao seu lado. No fundo, a forma como conduziu a vida trouxe-lhe a vantagem de ser um grande observador das pessoas, a aguçar sua sensibilidade, a escolher bem os amigos, a namorada, enfim. Vai vivendo.
Às vezes, a felicidade é efêmera. Para Renato foi, e continua sendo. Pra muita gente, ele pode parecer alguém infeliz, que queimou etapas da vida. Pra outros, um cara muito bacana, de coração enorme, mas meio melancólico, às vezes. Para ele... bom, ele não sabe muito bem. Talvez nunca saiba. Mas ele olha em volta, e aprendeu a valorizar coisas bem pequenas, que guarda só pra si, em um lugar reservado de sua alma. Aprendeu a externar felicidades simples, sóbrias. Renato é meio filósofo para os amigos, para a família, para muita gente que tem um carinho enorme por ele e, sem saber expressar muito bem em palavras, o entende, e gosta dele porque é assim.
E vai vivendo!
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