domingo, 9 de outubro de 2011

Um quarto, em qualquer lugar




Para ler ao som de “Linten to Your Heart”, do Roxette

O dedo de Alberto percorria as costas de Dora, enquanto, lentamente, abria-se o fecho écler de seu vestido. Os olhos dela, fechados, curtiam a sutileza de cada toque. Parecia que se conheciam há anos. Mas aquele momento, há quinze minutos, quando se viram no sinal de trânsito, de onde saíram diretamente para um quarto, em qualquer lugar, sem dizer palavra um ao outro, realmente parecia ter acontecido a uma eternidade. Era sinestesicamente perfeito para Alberto sentia que Dora suspirava, ouvir o silêncio das batidas de seu coração. Ele sentia o cheiro em seu pescoço. Era adocicado, leve. Dora tinha algo de fugidio, de efêmero, que ele não conseguia explicar. Parecia feita de um material que, a qualquer momento, poderia se transformar em qualquer coisa intangível. A forma como girava o pescoço, ao sabor das mãos de Alberto, parecia um desejo profundo de se dissolver, de se transformar em luz líquida, de perecer em suas mãos.

Dora percorria com os olhos o espelho, onde via de frente seu corpo, nu, e pelo qual via Alberto, acariciando suas costas. Nada importava quando ele, ao mesmo tempo gentil e vigoroso, tocava seu dorso, e a trazia para junto do próprio corpo. O gozo que antecedia o ato era único, e mais profundo que qualquer penetração física. Dora sentia sua respiração quando ele se aproximava de sua orelha. Seria possível estar tão próximo de alguém quando ela dele, naquele momento? Existiria proximidade maior do que aquela, existiria desejo maior do que o que os envolvia? Existiria, naquele momento, outra Dora, que amava, profunda e intensamente, outro Alberto naquele momento? Não havia. Não havia nada. O mundo lá fora era uma massa multicolorida, sem forma, sem cor, sem cheiro. Tudo se resumia àquele quarto em qualquer lugar, àquela cama, àquele espelho, a ela e a Alberto.

Mary Fredriksson cantava, e cantava para eles. Aquela música fora feita para eles, e para mais ninguém. Mary os via em seu momento de amor, e cantava ali, naquele quarto. E cantaria a mesma música, com o mesmo fervor, enquanto durasse o amor. E duraria para sempre. Aquele momento seria para sempre. Para sempre, Mary cantaria a mesma música, no mesmo quarto em qualquer lugar, com a mesma intensidade. Há quinze minutos, aquela música nascera para Dora e Alberto. A guitarra chorava as lágrimas que Dora derramava quando abria, bebadamente, os olhos, e via Alberto acariciando-a, no espelho. Tocava as costas de Alberto, que tomava seu ombro com a boca. O dorso de Alberto e as costas de Dora pareciam ter se fundido, pele com pele, suor com suor, sangue com sangue. Dora apertava com as unhas as costas de Alberto, com a mesma força que a boca deste tomava seu ombro. Quanto tempo já havia se passado? Minutos? Dias? Horas? Anos? Não havia o tempo. Só havia o agora. Só existia aquele quarto, em qualquer lugar.

Só existia aquela música, só existia aquela cama e aquele espelho. Alberto roçava a barba no ombro de Dora, e sentia o êxtase espiritual de ouvi-la gemer. Tocava seu seio, e via no espelho sua mão apertando o mamilo de Dora. Sentia o seio de Dora crescer na sua mão; sentia Dora ofegar, presa ao seu corpo, sangrando suas costas com a unha. Sentia o movimento involuntário do corpo dela forçar o seu a mover-se também, na mesma sincronia. A guitarra chorava as lágrimas de Alberto, de dor e prazer, ao ter suas costas sangradas pelas unhas de Dora. Sentia a contração dos músculos do corpo de Dora, adaptando-se às formas do corpo de Alberto. Seus corpos já não tinham mais forma definida. Não sabiam mais onde terminava um e onde o outro começava. Na verdade, parecia que eles nasceram assim, unidos por pele, suor, sangue e lágrima da guitarra que chorava, em êxtase, sempre. Sempre foi assim. Sempre.

O suor de Dora percorria seu corpo. Uma gota de suor nascia no pescoço,
percorria seu seio, se espalhava pela mão de Alberto, que o possuía, descia pelo seu dorso, banhava sua coxa e suas partes íntimas. Enquanto Dora se movimentava, involuntariamente, a mão de Alberto, igualmente involuntária, percorria a coxa de Dora, molhada pelo suor. Subia lentamente, sentia os pêlos finos e invisíveis, viajava pelo baixo-ventre, sentia, enfim, a respiração profunda de Dora, ali, entregue, em suas mãos. A perna de Alberto tocava a perna de Dora, compartilhava com Dora aquela gota de suor, que era dos dois. O suor de Dora tinha o sabor adocicado de seu perfume, era leve, suave, como a maciez de sua pele. A boca de Alberto percorria a nuca de Dora, viajava pelo seu pescoço, passeava pela sua orelha e cabelo. As mãos de Alberto conheciam os pêlos invisíveis da coxa de Dora, já passeavam com familiaridade pelo seu baixo-ventre, já se tornavam um só nas palpitações de seu seio.

A unha de Dora sentia o calor do sangue das costas de Alberto. Suas costas se tornaram uma só com o peito de Alberto. Seu seio e sua coxa já não mais lhe pertenciam. Seus olhos percorriam o espelho, que presenciava aquela fusão de corpos, aquela maravilhosa fusão de seres, a magia do amor antes de se concretizar carnalmente, na mais bela de todas as concretudes. Não existia desejo maior que aquele que os envolvia, não existia êxtase maior do que aquele, não existia gozo maior do que aquele, que antecedia o ato. Não existia nada nem ninguém. Só existia aquele espelho, só existiam Dora e Alberto, só existia aquele quarto, em qualquer lugar.

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