quinta-feira, 17 de maio de 2012

O médico e a trapezista

Para ler ao som de “Beatriz”, de Chico Buarque. Danças, piruetas e tanta gente mascarada. Parece distante, parece perdida, parece fazer parte de outro mundo. Você está lá, voando, e eu aqui, comendo pipoca, e ainda nem tirei a roupa com a qual saí da faculdade. Você deve ter passado o dia voando, e eu passei o dia vendo um cadáver na aula de anatomia. Você está maquiada, eu estou com os cabelos desgrenhados e os óculos sujos. Sua roupa é tão fina, tão colorida, que seu corpo parece se mostrar pra mim, só pra mim. Eu não sei piscar, desaprendi a tirar os olhos de você. Eu desaprendi a aprender. Que estranho, né? Mais estranho é que pra mim, você vai estar ali, sempre voando, sempre saltando de um trampolim para o outro, eternamente. O que você faz quando sai do picadeiro? O que você pensa no seu camarim? Que mundo é o seu, hein? Que amores, que dores, que prazeres te ocorrem, te afetam? Será que você chora? Será que uma lágrima perpassa essa maquiagem, manchando o negro em torno dos seus olhos? Que nome você tem? Outro dia, eu pensei em te seguir. Em ir junto com você até seu outro mundo, em experimentar, nem que fosse por um segundo, fazer parte dele. Eu não sou ninguém, eu não tenho nada, eu sou um garoto magricela num jaleco branco, e você... você eu não sei. Você é tudo aquilo que eu não sou, é tudo aquilo que me fascina. Você e sua roupa transparente, seus olhos negros, fundos, que me dizem tanto. Você é essa pele branca, é esse rosto encoberto por uma maquiagem que foi, um dia, nem que seja por um segundo, manchada por uma lágrima que correu, por alguém que te fez sofrer. E se, um dia, você despencar do céu? E se os pagantes exigirem bis? E se ali termina a sua vida divina, e se começa a minha tragicomédia? E se, ali, eu descobri que você era uma boneca eletrônica, programada pra saltar de um trapézio a outro, dia após dia? Quem é você, afinal? Que nome tem, o que faz, tem namorado? Eu pensei em você, e pensei em me transportar para esse labirinto desconhecido e desconcertante da sua vida, sem medo de me engendrar por Céu, Inferno ou Purgatório. Você não tem nome, mas eu te chamo de Beatriz...

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