quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O quê que há na pornochanchada

É de conhecimento geral da nação que sou um rapaz comportado. Comportado mesmo, o tipo respeitador, cavalheiro, pra casar. E sou, compenetro-me da condição. Mas é impossível, mesmo para tipos como eu, não desviar seus olhares para lados, digamos, "menos comportados" de outras facções da vida e, em especial, da arte. Porque a arte é, por sua essência, transgressora, atrevida e mal-comportada, graças a Deus.

Vamos falar de cinema, que tem sido um dos meus assuntos favoritos nos últimos tempos (ao lado de BBB, literatura, neurociência, física quântica e outros assuntos metafísicos). Como já falei do cinema marginal, dedico-me, aqui, a uma outra faceta da sétima arte, não menos controversa: as pornochanchadas.

Escandalosas, cômicas, divertidíssimas, elas eram tudo, menos pornográficas. Salvo, claro, algumas exceções, como o clássico Ó, Rebuceteio, a pornochanchada é o que há de mais inocente em termo de material que tem em seu bojo principal o tratamento a questões da sexualidade, ou, pelo menos, da sensualidade, o que se mistura. Inspirados nas comédias italianas, e buscando atingir um maior público que o "cinema de conceito", em geral, se enquadram no chamado "erotismo softcore", com insinuação de sexo, porém sem explicitação.

É óbvio que o governo da época, a década de 70 e o auge da Ditadura Militar, não entendeu a coisa dessa forma. Censurou, vetou e cortou sem dó nem piedade. Muitos dos filmes que chegaram a ser liberados tiveram cortes tão profundos que seu entendimento ficou seriamente comprometido. A visão da época, que distanciava a pornochanchada da arte cinematográfica dita "séria" fez com que o cinema brasileiro ficasse estereotipado como sinônimo de nudez, palavrões e toda sorte de baixarias. Injustiça? Em parte, sim. Principalmente porque comprometeu muita coisa boa, que poderia ser reverenciada até os dias de hoje.

Aí vão alguns exemplos de pornochanchadas que marcaram o cinema nacional.



A Super Fêmea (1973)





Vera Fischer, aí como seus 22 aninhos, protagoniza o filme que teve como um de seus roteiristas Lauro César Muniz, vivendo uma modelo que faz propaganda de uma pílula contraceptiva masculina. Para conquistar a confiança do público-alvo, que teme que o produto cause impotência, as gravações do comercial contam com cenas pra lá de picantes. Hilária a cena em que Carlos Coelho tem de "arrebatar" a beldade, e é interrompido pelo diretor que acha que ele tem que ter mais, digamos, pegada na atitude. "Uma mulher boa dessas!", brada o diretor. Vale a pena conferir.


Amante Muito Louca (1973)

Muito mais que pornochanchada, uma grande comédia de costumes da sociedade brasileira à época. Cláudio Corrêa e Castro é um gerente bancário de vida padrão, que tem uma mulherzinha submissa e dois filhos adolescentes. Também tem uma amante (Tereza Rachek), que entende de ir à praia na qual a família vai passar férias.


A Árvore dos Sexos (1978)





Nesse clássico, dirigido por Sílvio de Abreu, Nadia Lippi e Ney Santanna protagonizam a história passada numa cidadezinha com uma árvore que faz as mulheres engravidarem. Depois da descoberta, as mulheres do local passam a ter uma vida sexual, digamos, mais liberal, podendo depois botar a culpa na árvore. Isso sim, uma verdadeira sacanagem...


Snuff - Vítimas do Prazer (1977)






"Estreia hoje o filme que mata!", anunciou o jornal Notícias Populares quando da estreia desse exemplar, em seu caderno de variedades. O enredo contava de dois diretores de cinema que contratam atores e equipes de filmagem para um suposto "filme pornográfico", quando a ideia é filmar um autêntico "snuff movie", com cenas de morter reais. Tenso. :



Nos Embalos de Ipanema (1978)






Neste, dirigido pelo hoje autor de novelas Antonio Calmon, André De Biasi é Toquinho, um garotão surfista que se prostitui para tentar conseguir realizar seu sonho de surfar no Hawaii. O ambiente do surf e o fundo musical "Sossego" de Tim Maia marcaram a vibe solar que caracteriza Calmon até hoje.


Histórias que Nossas Babás não Contavam (1979)






Aqui, Costinha e Adele Fátima protagonizavam uma sátira ao conto de fadas Branca de Neve e os Sete Anões. Clara das Neves (Adele) é perseguida por sua madrasta má, que conta com a assessoria de um espelho mágico homossexual. A madrasta manda um caçador (Costinha, tinha que ser ele) matá-la. Mas ele, que não era bobo, troca aliberdade de Clara por "favores". Nem preciso entrar em detalhes. A morenaça foge para o meio da mata, até encontrar uma cabana onde vivem 7 anões. Ali sim, ela não escapa.



Amor Estranho Amor (1979)






Não chega a ser exatamente uma chanchada, por conter um conteúdo mais sério e dramático que os demais. Tornou-se, porém, uma lenda entre os aficcionados pelo gênero pela polêmica participal de Xuxa Meneguel, então com 16 anos, como Tamara, uma prostituta que teria sua falsa virginidade leiloada entre os ricos frequentadores do bordel onde também trabalha Anna (Vera Fischer), a amante do governador de São Paulo. Tamara, então, conhece, seduz e molesta o garoto Hugo (Marcelo Ribeiro que, há uns 4 anos, se aproveitando da fama infantil, deu entrevistas, lançou um livro e fez um filme realmente pornô). A Rainha dos Baixinhos foge da lembrança do filme como o diabo foge da cruz, chegando a entrar com uma liminar judicial, recolhendo fitas e cópias. Em vão. O filme foi lançado em DVD nos Estados Unidos em 2005, podendo ser adquirido em sites estrangeiros por importação. Ainda por cima, o Google (santo Google...) divulgou-o na íntegra no Youtube, dividido em cinco partes. É, Xuxa... teu passado te condena.


Fuscão Preto (1983)

Fecha nossa lista esse exemplo exemplar do início dos anos 80. Baseado na música homônima de Atílio Versuti e Jeca Mineiro, contou também com a participação de Xuxa Meneguel (ela de novo). A loira é Diana, uma patricinha que começa a ser perseguida por um Fusca (naquela vibe "Christine, o Carro Asssassino). Em vez de sentir medo, ela passa a ficar excitada com o veículo, ou seu motorista. E hoje posa de boa moça. Usando as palavras dela própria, "aham, Xuxa, senta lá".



Gostaram da lista? Se seu favorito faltou aí, diga qual ele é. Abraços!


OBS.: Os vídeos referentes a dois não foram postados graças a um problema técnico do blog. Mas no Youtube tem de todos. :D

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Cinemar, (de)compor, escreviver: calidoscópios juvenis em perspectiva

Leituras, leituras... a sina de um jovem e recém-graduado historiador em períodos de férias, no intermezzo entre dois momentos cruciais de sua vida. Mudanças que se apresentam, e que se mostram em vias de concretizar, mas tudo a seu tempo. Enquanto isso, só resta esperar. E há formas melhores de esperar do que acompanhado de boas leituras? Pois é. E poucas leituras reuniriam mais os gostos do blogueiro que ora vos fala do que "História, Cinema e outras imagens juvenis", uma compilação de artigos reunidos pelo Prof. Dr. Edwar Castelo Branco, líder do grupo de pesquisa "História, Cultura e Subjetividade" no CNPq.

O livro reúne o resultado de pesquisas que versam sobre os mais diversos temas, que convergem nos interesses da juventude brasileira em diversas épocas, em especial nos anos 60/70. Abrange textos referentes à produção cinematográfica em super-8 no Piauí na década de 1960, bem como as temáticas ligadas a tais filmes. O experimentalismo marginal e sua relação conflituosa com os modelos comercialmente padronizados, bem como suas divergências com o chamado Cinema Novo e seus representantes. Fariam parte de uma mesma estética cinematográfica ou guardariam diferenças suficientes para sua segregação?

A juventude dos anos 60 e 70, dividida entre os pertencentes à sociedade-padrão aceitável, os panfletários marxistas e os anarco-marginais, foge aos estereótipos porventura construídos para ela. É possível encontrar nas letras pernambucanas de Jomard Muniz de Brito uma multiplicidade de estéticas, bem como uma busca constante por uma "revolição" cultural, fundamentada em uma desconstrução dos "monstros sangrados" da arte e da política brasileira.

Se em 1968 as palavras se levantavam em protestos por parte dos estudantes da UNE, o desbunde era resultado de um processo sócio-histórico de transformação cultural do país. Teresina entrava em um circuito cultural que, no fim do século, ajudaria a configurar tal cenário. O cinema chegava, visto por muitos intelectuais da época como uma "invenção do diabo", trazendo novos costumes, maneiras de ver, vestir, amar as pessoas, sentir o mundo ao redor. Os escritos de Higino Cunha, Elias Martins e Clodoaldo Freitas divergiam quanto às contribuições da sétima arte à formação cotidiana teresinense.

A contracultura se apresenta em imagens, fotografias, conceitos e músicas. A arte musical e o surrealismo no rock de Raul Seixas deixa transparecer o esoterismo presente em sua filosofia hippie, a ideia de liberdade de atitudes, ao mesmo tempo em que, contraditoriamente, se mostrava moralista em termos sexuais.

Uma amálgama de identidades se construiu em torno das juventudes de todas as épocas. Discursos dissonantes e aventuras culturais, desafiando as visões pragmáticas do homem, este ser complexo, em seu momento biológico mais particular. Um conjunto de imagens que se misturam numa sopa com pedaços de monturos, o vômito dos dogmas, a merda jogada sobre os monumentos. Uma poção mágica desafiadora, que traz a dúvida maravilhosa e revela os segredos do incerto.