quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Sobre amigos, irmãos e sobre mim mesmo: uma crônica intimista

Escrevo numa noite cinzenta e fria. Putz, que começo batido! (O autor amassa esse parágrafo e joga fora). Pois bem, comecemos de novo.

As saudações de hoje são aos seus leitores, os únicos que permaneceram, apesar da inconstância temporal de postagens, e do tom intimista do blogueiro. Pois é, ando conversando muito comigo mesmo e, vez por outra, resolvo compartilhar esses papos com os outros, se é eles que interessam a alguém. Talvez a uma meia-dúzia que, sem ter o que fazer, passe pela rede social onde esse texto vai estar divulgado – porque o blogueiro é vaidoso, pavão, e certamente o fará – e resolveu parar pra ler uma bobagem qualquer que se divulga na Internet.

Hoje, mais precisamente há cinco minutos atrás, me retornou uma reflexão recorrente. Como todo filho único (ou melhor, não sei, nunca perguntei pra nenhum outro, mas enfim) sofro de um grande bocado de complexos. Não, não é nenhuma esquizofrenia ou nada do tipo. Pelo menos ninguém diagnosticou. Trata-se de um resultado do bolo reflexivo que é minha cabeça que, dividida entre a função social de trabalhos acadêmicos e a vida pessoal, liberdade, coisas do gênero, terminou refletindo sobre irmãos. É, irmãos. Uma presença constante em minha vida.

Porque no começo, era eu. Eu, eu, eu, eu, eu. E isso também é uma expressão plagiada. Era eu, e pronto. E continuou sendo, para sempre. Eu nasci. Eu fui pra escola. Eu me mudei por causa do trabalho do meu pai. Eu passei no vestibular. Eu me formei. Eu entrei no mestrado. Eu. Etcétera.

Num mundo recheado de “eus”, sempre me faltou o outro. Uma falta que eu sempre fiz questão de afirmar, pras pessoas e, principalmente pra mim mesmo, que não fazia falta. Que não existia porque não havia necessidade. O outro era desnecessário, o outro atrapalhava. Na minha onipotência de infância, o outro chegava a ser ameaçador. Era o outro que mexeria na minha rotina bem definida, bem demarcada. Era o outro que faria xixi num poste que me pertencia. Que interferiria no meu espaço, na ordem que eu dei ao mundo.

O tempo passou, e continuou faltando o outro. Mas uma diferença se fez presente. O outro começou a fazer falta. O outro, que não existia, e que eu preferia que assim permanecesse, começou a ser idealizado. Porque o outro que eu queria era impossível, na prática. O outro era alguém parecido comigo, mas diferente. O outro existia no meu mundo, mas apenas quando eu o convidava a entrar. O outro era membro da minha família, era filho dos meus pais, poderia, vez por outra, almoçar e jantar conosco, mas eu queria um outro que eu pudesse guardar na gaveta quando não fosse interessante ter o outro por perto. Quanto o momento de família fosse intimista o suficiente, e onde o outro estivesse sobrando, ele nunca teria existido.

Mas o outro existia, na minha cabeça. O outro era a quem eu recorreria quando quisesse conversar. O outro era o eu diferente, era o eu que eu gostaria de ser, e em quem eu me basearia. O outro era mais alguém sobre quem eu podia dizer “quando eu crescer eu quero ser como você”. A diferença é que o outro era isso, mas também não tinha o compromisso disciplinador e coercitivo em relação a mim. O outro era relax, mas queria o meu bem. O outro me dava conselhos, mas não iria me pôr de castigo se eu fizesse algo errado. Não que isso fosse feito por alguém, mas o outro sequer teria autoridade para isso.

O caso é que o outro é uma constante em minha vida. O outro, talvez, é o irmão que eu não tive. E que talvez eu prefira nem ter tido, mas que lamento não existir, como eu o idealizei. Talvez os filhos únicos padeçam de um sentimento semelhante. Onde estão os irmãos que não tivemos? Espalhados por aí. Estão em pedaços de algumas pessoas ao nosso redor. Estão em pessoas próximas, às quais efetivamente recorremos. São “sujeitos ordinários” (olhaí o Certeau) que atuam sobre nossa existência, e nos dão a oportunidade, sendo, ao mesmo tempo, nossa identidade e nossa alteridade. O outro passa ao largo, ou está do nosso lado. O outro é alguém necessário, pois nos brinda com a diferença, nos faz exercitar a tolerância, o ato de ouvir, e o de falar o que é necessário, bem como o ato de ser, também, o outro.

Aos amigos, os irmãos (ou outros) que escolhemos.

sábado, 3 de setembro de 2011

Muito amor ao ketchup: a figura do serial killer no cinema marginal piauiense



Hoje, tirei parte da manhã para assistir filmes em super-8. Para além de meu interesse de pesquisa, curto bastante esse material, vejo por diversão. Adoro ficar conferindo os comportamentos, os gestos, as roupas. A trilha sonora é um capítulo à parte, indo de Dartk side of the moon à Chapada do Corisco. Enfim, diversidade, embora pros menos avisados possa passar a impressão de que todos os filmes são a mesma coisa.



Apesar de diferentes em essência, é possível perceber algumas permanências, marcas de estilo na cinematografia super-8. Usando como referências os filmes da chamada "Geração Torquato Neto" (aqui usando o conceito aplicado por Frederico Osanan de Amorim Lima, em sua dissertação de Mestrado), podemos observar bem claramente algumas delas. Para quem não sabe, estes filmes, produzidos entre 1972 e 1974, constituem produções que se configuram marcadas pela inspiração de Torquato Neto, poeta piauiense, em sua estética, chamada por muitos estudiosos do tema como "marginal" ou "underground". Delimitando minha fala apenas àqueles produzidos em Teresina, podemos encontrar produções como O Terror da Vermelha, Davi Vai Guiar, Coração Materno e Miss Dora.



Pois é. Uma dessas permanências, talvez um arquétipo (não me pergunte baseado em quem tô usando essa categoria... rs), é a do serial killer. Sim, alguém que sai matando todos por aí. Presente em muitas dessas produções, podemos associá-los a diversas coisas. Dentre elas, provavelmente, as táticas de fuga da realidade, praticada pelos jovens que, não encontrando-se no contexto em que estavam inseridos, por questões sociais, econômicas e familiares, querem passar para o "lado de lá", uma realidade só sua, ou de seu grupinho. O caso é que, em quase todos os filmes, há um assassino que, por motivos diversos, mata pessoas, em geral andando pela cidade de Teresina em plena luz do dia.



O caso de morte mais, digamos, intimista, está presente em Coração Materno, onde o jovem rapaz mata sua mãe e retira o coração, para dar-lhe de presente à amada, que pediu-o como prova de amor. Os outros casos são de mortes "no atacado". Em O Terror da Vermelha, o assassino em série interpretado por Edmar Oliveira mata pessoas em pontos da cidade de Teresina, sendo o personagem vivido por Torquato Neto - um transeunte que lia calmamente seu jornal - é estrangulado na Praça do Liceu. Caso semelhante é perceptível em Miss Dora, super-8 onde a figura feminina é colocada em evidência - principalmente em suas mudanças comportamentais - a personagem principal sai matando homens pela cidade.



A reflexão sobre a presença de tais personagens no cinema alternativo remete às possibilidades de leitura da própria cultura brasileira no período militar. As formas de expressão, buscando maneiras de chocar, de se contrapor ao produto-padrão, onde se busca, a exemplo de uma negação da perspectiva presente no cinema comercial, fugir do arquétipo do protagonista. Ao invés do ator profissional, o amador; ao invés do mocinho/vilão, figuras presentes no cinema americano, a ambiguidade de serial killers, interpretados por jovens de classe média da cidade. O próprio ato de portar a câmera caseira, filmar coisas, a princípio "sem pé nem cabeça", remete à destruição de paradigmas, ao terrorismo subentendido. O cineasta é, ele também, um serial killer.