A fala me assusta. Os signos me fascinam. Talvez seja essa a minha característica enquanto falador, fazedor e escritor. É isso. É mais fácil pra mim escrever do que falar. É mais fácil ser um enunciador, um codicista, um malandro das palavras. É mais difícil ser um fazedor de traquinagens no mundo real.
Expliquemos e exemplifiquemos melhor. Luís Fernando Verissimo é assim. Nos textos, é ferino, é mordaz, é loucamente cotidiano, é um penetrador promíscuo na vida real. Na vida real é um tímido, vejam só.
Parece uma espécie de carma, uma espécie de sina, uma espécie de vício. Eu sou como sou: promíscuo escrevendo, um copulador com as palavras, com os termos, um inventor de significados. Fazendo e falando, eu sou certinho, sou padrão. Quem sou eu, na verdade? Acho que sou os dois. Sou essa química perversa.
Ou não tão perversa assim. Falar, fazer e escrever são três estatutos de realidade. A enunciação oral inventa, a enunciação escrita inventa, o ato físico inventa. As três invenções são reais. Eu escrevo como quem faz, mas não falo como quem escreve. Tampouco faço como quem escreve.
Melhor continuar sendo esse gigolô da linguagem, esse filho do puta-português, dos puta-signos, da refazenda que é o papel, que são esses sinais malcriados. É bom ser travesso com as palavras, né, Torquato Neto? Né, Faustino? Né, Durvalino? Né, Gullar? Né, Jomard?
Vamos brincar escrevendo, escrever fazendo, escrevivendo. Azulcriando realidades no céu vermelho da linguagem. Vamos poetar e cuspir no mundo. Que isso, Certeau, também é arte de fazer.
domingo, 15 de abril de 2012
quinta-feira, 5 de abril de 2012
Sobre memória e esquecimento: considerações de historiador
Paulo Ricardo Muniz Silva
Licenciado em História pela UESPI
Mestrando em História do Brasil na UFPI
Certa vez, eu lembrava, com alguma dificuldade de detalhes, de uma colega a me contar sobre o resultado de uma pesquisa realizada na Itália, de forma quase que inacreditável. Ela afirmava que uma parcela considerável dos italianos (não consigo precisar quantos) jamais ouviu falar em Benito Mussolini. Lembro-me que compartilhei do mesmo sentimento de incredulidade, surpresa, dentre outras sensações. Eu me perguntava: ora, como os próprios italianos não lembram de Mussolini, o general-ditador, um dos ícones do fascismo e um dos (agora enchendo muito a bola dele) protagonistas do século XX? Não podia acreditar, não podia aceitar.
Mas, absorto em tudo isso, percebi que estava esquecendo de considerar algumas coisas. Primeiro, de lembrar qual é o meu lugar. Não o de italiano, ou mesmo de participante da supracitada guerra, mas de um estudioso da área, um historiador. Segundo, e acho até que o ponto mais importante, do constante dever de não julgar. Afinal, não somos juízes de nada nem de ninguém. Somos, isso sim, questionadores. Temos a capacidade e o dever de lançar problematizações – atividade tão cara no métier do historiador. E tudo isso me remete à seguinte questão: Por que eles não lembram de Mussolini? Será que eles o esqueceram? Se for isso, existe alguma razão para que acontecesse?
Vários historiadores debruçaram-se, em suas pesquisas, sobre a discussão que envolve a relação tênue existente entre História e Memória. Jacy Seixas, em artigo intitulado Percursos de memória em terras de História, nos diz, em suas primeiras linhas, que “vivemos o império da memória, e de seu correlato, o esquecimento”.
Entretanto, foi outro artigo que me fez refletir sobre a questão da lembrança/esquecimento dos italianos e a tal conversa com a tal amiga. Em uma coletânea de textos sobre a Ditadura Civil-Militar, um artigo de um historiador especialista no regime nos conta que são evidentes as dificuldades que a sociedade brasileira tem em recordar esse período. Muitas perguntas podem ser feitas para se entender o motivo dessas dificuldades. Seria difícil reconhecer a participação da sociedade civil no Golpe de 64? Ou seria doloroso rememorar as dificuldades econômicas, sociais, políticas e culturais do período? A dor das prisões e das torturas, a saudade dos que partiram e não mais voltaram... Todos seriam motivos para essa dificuldade de lembrar, e, consequentemente, de uma vontade de esquecer, se é que podemos falar nisso?
Daniel Aarão Reis, autor do artigo, afirma, em seu texto, que “sempre quando os povos transitam de uma fase a outra da história, e quando a outra rejeita taxativamente a anterior, há problemas de memória, resolvidos por reconstruções mais ou menos elaboradas, quando não pelo puro e simples esquecimento”. Ao dar o exemplo dos alemães em relação a Hitler, e dos russos em relação a Stálin, me peguei relembrando os tais italianos da conversa com minha amiga, e pude, enfim, reavaliar meus conceitos e preconceitos para com as atitudes dos mesmos. Já dizia o poeta, que “o esforço pra lembrar é vontade de esquecer”. Problematizar, problematizar, problematizar... não somos juízes.
Licenciado em História pela UESPI
Mestrando em História do Brasil na UFPI
Certa vez, eu lembrava, com alguma dificuldade de detalhes, de uma colega a me contar sobre o resultado de uma pesquisa realizada na Itália, de forma quase que inacreditável. Ela afirmava que uma parcela considerável dos italianos (não consigo precisar quantos) jamais ouviu falar em Benito Mussolini. Lembro-me que compartilhei do mesmo sentimento de incredulidade, surpresa, dentre outras sensações. Eu me perguntava: ora, como os próprios italianos não lembram de Mussolini, o general-ditador, um dos ícones do fascismo e um dos (agora enchendo muito a bola dele) protagonistas do século XX? Não podia acreditar, não podia aceitar.
Mas, absorto em tudo isso, percebi que estava esquecendo de considerar algumas coisas. Primeiro, de lembrar qual é o meu lugar. Não o de italiano, ou mesmo de participante da supracitada guerra, mas de um estudioso da área, um historiador. Segundo, e acho até que o ponto mais importante, do constante dever de não julgar. Afinal, não somos juízes de nada nem de ninguém. Somos, isso sim, questionadores. Temos a capacidade e o dever de lançar problematizações – atividade tão cara no métier do historiador. E tudo isso me remete à seguinte questão: Por que eles não lembram de Mussolini? Será que eles o esqueceram? Se for isso, existe alguma razão para que acontecesse?
Vários historiadores debruçaram-se, em suas pesquisas, sobre a discussão que envolve a relação tênue existente entre História e Memória. Jacy Seixas, em artigo intitulado Percursos de memória em terras de História, nos diz, em suas primeiras linhas, que “vivemos o império da memória, e de seu correlato, o esquecimento”.
Entretanto, foi outro artigo que me fez refletir sobre a questão da lembrança/esquecimento dos italianos e a tal conversa com a tal amiga. Em uma coletânea de textos sobre a Ditadura Civil-Militar, um artigo de um historiador especialista no regime nos conta que são evidentes as dificuldades que a sociedade brasileira tem em recordar esse período. Muitas perguntas podem ser feitas para se entender o motivo dessas dificuldades. Seria difícil reconhecer a participação da sociedade civil no Golpe de 64? Ou seria doloroso rememorar as dificuldades econômicas, sociais, políticas e culturais do período? A dor das prisões e das torturas, a saudade dos que partiram e não mais voltaram... Todos seriam motivos para essa dificuldade de lembrar, e, consequentemente, de uma vontade de esquecer, se é que podemos falar nisso?
Daniel Aarão Reis, autor do artigo, afirma, em seu texto, que “sempre quando os povos transitam de uma fase a outra da história, e quando a outra rejeita taxativamente a anterior, há problemas de memória, resolvidos por reconstruções mais ou menos elaboradas, quando não pelo puro e simples esquecimento”. Ao dar o exemplo dos alemães em relação a Hitler, e dos russos em relação a Stálin, me peguei relembrando os tais italianos da conversa com minha amiga, e pude, enfim, reavaliar meus conceitos e preconceitos para com as atitudes dos mesmos. Já dizia o poeta, que “o esforço pra lembrar é vontade de esquecer”. Problematizar, problematizar, problematizar... não somos juízes.
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