sábado, 3 de setembro de 2011

Muito amor ao ketchup: a figura do serial killer no cinema marginal piauiense



Hoje, tirei parte da manhã para assistir filmes em super-8. Para além de meu interesse de pesquisa, curto bastante esse material, vejo por diversão. Adoro ficar conferindo os comportamentos, os gestos, as roupas. A trilha sonora é um capítulo à parte, indo de Dartk side of the moon à Chapada do Corisco. Enfim, diversidade, embora pros menos avisados possa passar a impressão de que todos os filmes são a mesma coisa.



Apesar de diferentes em essência, é possível perceber algumas permanências, marcas de estilo na cinematografia super-8. Usando como referências os filmes da chamada "Geração Torquato Neto" (aqui usando o conceito aplicado por Frederico Osanan de Amorim Lima, em sua dissertação de Mestrado), podemos observar bem claramente algumas delas. Para quem não sabe, estes filmes, produzidos entre 1972 e 1974, constituem produções que se configuram marcadas pela inspiração de Torquato Neto, poeta piauiense, em sua estética, chamada por muitos estudiosos do tema como "marginal" ou "underground". Delimitando minha fala apenas àqueles produzidos em Teresina, podemos encontrar produções como O Terror da Vermelha, Davi Vai Guiar, Coração Materno e Miss Dora.



Pois é. Uma dessas permanências, talvez um arquétipo (não me pergunte baseado em quem tô usando essa categoria... rs), é a do serial killer. Sim, alguém que sai matando todos por aí. Presente em muitas dessas produções, podemos associá-los a diversas coisas. Dentre elas, provavelmente, as táticas de fuga da realidade, praticada pelos jovens que, não encontrando-se no contexto em que estavam inseridos, por questões sociais, econômicas e familiares, querem passar para o "lado de lá", uma realidade só sua, ou de seu grupinho. O caso é que, em quase todos os filmes, há um assassino que, por motivos diversos, mata pessoas, em geral andando pela cidade de Teresina em plena luz do dia.



O caso de morte mais, digamos, intimista, está presente em Coração Materno, onde o jovem rapaz mata sua mãe e retira o coração, para dar-lhe de presente à amada, que pediu-o como prova de amor. Os outros casos são de mortes "no atacado". Em O Terror da Vermelha, o assassino em série interpretado por Edmar Oliveira mata pessoas em pontos da cidade de Teresina, sendo o personagem vivido por Torquato Neto - um transeunte que lia calmamente seu jornal - é estrangulado na Praça do Liceu. Caso semelhante é perceptível em Miss Dora, super-8 onde a figura feminina é colocada em evidência - principalmente em suas mudanças comportamentais - a personagem principal sai matando homens pela cidade.



A reflexão sobre a presença de tais personagens no cinema alternativo remete às possibilidades de leitura da própria cultura brasileira no período militar. As formas de expressão, buscando maneiras de chocar, de se contrapor ao produto-padrão, onde se busca, a exemplo de uma negação da perspectiva presente no cinema comercial, fugir do arquétipo do protagonista. Ao invés do ator profissional, o amador; ao invés do mocinho/vilão, figuras presentes no cinema americano, a ambiguidade de serial killers, interpretados por jovens de classe média da cidade. O próprio ato de portar a câmera caseira, filmar coisas, a princípio "sem pé nem cabeça", remete à destruição de paradigmas, ao terrorismo subentendido. O cineasta é, ele também, um serial killer.

Um comentário:

  1. Cinema não é apenas uma superprodução de Hollywood com atores que todo mundo já ouviu falar e histórias chiclete-convencionais. Acho o cinema alternativo uma boa fonte, não somente parar pesquisas, mas também para entretenimento, uma vez que é diferente daquele que vemos nas salas de cinema Brasil afora.

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