sexta-feira, 20 de julho de 2012

Sobre ser "vampiro"



Cada dia mais, me sinto parecido com Dalton Trevisan. Virar um “Vampiro de Teresina” nunca foi exatamente um sonho, mas bem que eu estou me tornando cada dia mais soturno. Mais sério, mais calado, talvez até mais ranzinza. Mas enfim, também não sou nenhum monstro. Reservado, talvez. Uma espécie de morcegão que anda à luz do Sol, vire e mexe. Mas que dorme a noite toda, vejam só!



Dalton, o “Vampiro de Curitiba”, marcado por seus contos urbano-contemporâneos, sai à noite, anda pelas sombras, evita o assédio da imprensa, dos leitores, de quem quer que seja. Eu saio aqui e ali, seguindo meu itinerário, meus hábitos, uma ou outra intuição (insights, por assim dizer).



Mas termino me tornando um vampiro no mundo real, e um personagem no virtual (vá, um personagem muito parecido comigo mesmo. Ou melhor... “eu mesmo” existo?). Ando soturno. Ando melancólico. É uma faceta da minha personalidade. Talvez eu ande um pouco focado demais (tipo a foquinha dos “memes” no Facebook, é bem aquilo ali) em uma faceta da vida e de menos em outras. No fundo, não tô reclamando. Na verdade, eu não sei ser diferente.



Minha personalidade “vampiresca” se alimenta de um tipo muito específico de sangue: reações pequenas, sensíveis de carinho alheio, me tocam de uma forma especial. Às vezes ser “curtido” na rede social é muito, me causa uma imensa felicidade. Às vezes umas duas lágrimas involuntárias. Um filme, nem precisa ser meloso. Uma cena, quase nunca uma cena romântica (manifestações de amizade, de senso de justiça, de parceria, de superação me emocionam bem mais). No geral, retorno pra minha cripta, chamada notebook, pros meus textos, pras minhas músicas, pra minha criatividade oscilante. Viro um estofado humano, que se transforma em “gente” em poucas situações (a sala de aula é uma delas). Uma personalidade um tanto difícil, um tanto irascível, que não vocifera contra ninguém, mas cuja forma mais latente de se expressar é escrevendo pra um blog que pouca gente lê.



A luz do sol, a luz da lua, a luz dos postes, uma luminária. O boom da cidade me fascina, mas mais à distância. De repente eu sou uma vítima da armadilha social que criei pra mim mesmo, sob a alcunha de “homem de gelo antissocial”. Se eu não era, acho que passei a ser. Tenho momentos de reação a isso, claro. Mas não sei ser pressionado. Já pressionei a mim mesmo a ser diferente, e não reagi bem. Preferi me resguardar a ser isso mesmo, o que me machuca muito menos.



Recentemente, parece que isso ficou mais forte. Vai passar. Não sei se quero que passe. Enfim. Só tenho medo de que não me entendam, de que me julguem. Juro que não faço por mal.



Uma página de um autorretrato meio incômodo tá bom, né? Ok, parei por hoje.

domingo, 8 de julho de 2012

Avenida Brasil: ousadia com competência


Uma protagonista dúbia, que cometerá atrocidades por justiça. Assim, em outras palavras, definiu João Emanuel Carneiro a protagonista de sua novela, antes da estreia. Avenida Brasil, atual trama das 21h da Rede Globo, e trabalho mais recente do autor prodígio da emissora, repete sua ousadia, ao tentar subverter a noção tradicional de “heroína” e “vilã”, tornando seu trabalho uma espécie de experimentalismo dramatúrgico. Em sua novela anterior, A Favorita, João Emanuel passou dois meses inteiros levando o público a achar que Flora (Patrícia Pillar) seria a grande mocinha, e Donatela (Claudia Raia) a vilã da trama, invertendo radicalmente os papéis com a revelação da verdade, através de uma frase de Flora, que se tornou uma expressão clássica de nossa teledramaturgia: “Você não é uma assassina como eu”.

Em Avenida Brasil, o autor permanece com sua tática de incomodar o público, e fazê-lo repensar sua própria concepção sobre o gênero telenovela. O faz de forma genial, visto que experimenta sem afastar a audiência (Avenida Brasil se mantém como um dos maiores sucessos recentes do horário). Sem grandes compromissos com a “realidade”, ou com os grandes temas a serem debatidos no Brasil, a trama se caracteriza mais, como bem descreveu Vitor de Oliveira, como uma “fábula pós-moderna”, na qual uma versão atual da Branca de Neve resolve se revoltar contra a madrasta má.

A mocinha vingativa é o fio condutor da trama. Nos primeiros capítulos, vimos a pequena Rita (Mel Maia) sofrer atrocidades das mãos de Carminha (Adriana Esteves), sua madrasta adúltera, e Max (Marcello Novaes), seu amante e comparsa. Os dois são, indiretamente, responsáveis pela morte do pai da garota, Genésio (Tony Ramos) e por seu abandono no lixão, nas mãos do asqueroso Nilo (José de Abreu). Tantas adversidades são os motivos para que, ainda pequena, Rita desejasse a vingança contra a madrasta, vingança que passa todos os anos seguintes arquitetando. Chega à idade adulta e, sob a identidade de Nina, identidade essa que ganha após ser adotada por um casal de argentinos, passa a executar tal vingança de forma fria e calculista.

O conflito ético que permeia as ações da heroína apontam para sua postura dúbia, o que faz com que, em certos momentos, tome atitudes de vilã – atitudes estas que levam, também, por alguns momentos, a uma vitimização de Carminha. Nina planeja a aproximação com Ivana (Letícia Isnard), irmã de Tufão (Murilo Benício), atual marido de Carminha, de forma que esta a ajude a penetrar na casa da família como cozinheira. Lá, descobre que Jorginho (Cauã Reymond), filho adotivo da família, é Batata, seu amor de infância no lixão. Mas passa por cima desse amor para prosseguir com seu plano de vingança, aproximando-se de Carminha e ganhando sua confiança. Para desviar a atenção da patroa, cria uma “Rita fictícia”, usando a amiga Betânia (Bianca Comparato). Ao longo do tempo, Nina pratica coisas duvidosas, em termos éticos: comete roubos, magoa e prejudica as pessoas que estão no caminho de sua vingança – Jorginho, Betânia, Lucinda, etc. Engana Tufão, usa Ivana, faz das pessoas peças em seu tabuleiro de xadrez – onde o Rei a ser batido é Carminha.

As atitudes da protagonista não param por aí. Spoilers apontam que ela se casará com Tufão para se vingar de Carminha, e que, desconfia-se, pode ter sido responsável pela morte de seu pai adotivo, Martin (Jean Pierre Noher), para que tivesse o caminho livre para a execução de seu plano.

As atitudes de Nina são permeadas pela pergunta que marcou a campanha de lançamento da novela: “Até onde você iria por justiça?” Nina vai longe demais. Por enquanto, porém, parece ter uma grande parcela do público ao seu lado, o que mostra que, se bem contada, uma história na teledramaturgia brasileira não precisa seguir padrões os mais tradicionais. Certas ousadias não funciona por falta de competência, ou, pelo menos, de sensibilidade de seus roteiristas, ao imaginar para que público-alvo escrevem. A “nova Flora” luta por justiça, e mostra que, ao público, há um quê de sedutor em personagens centrais que não são tão sofredoras e vítimas das circunstâncias assim.

João Emanuel Carneiro está aí pra quebrar estereótipos, ou para brincar com eles, desafiá-los, expondo-os aos seus limites. Isso sem perder o mote de popular que uma novela necessita. Há em JEC uma sensibilidade que parece ausente de certos grandes nomes da teledramaturgia, que insistem em uma postura que, de tão revolucionária, se mostra distante dos objetivos da TV que paga seu salário. Afinal, nada é mais hipócrita do que firmar combinados, e idealizar atitudes diferentes daquelas. No futuro, João Emanuel Carneiro será lembrado, ao lado de outros grandes nomes, presentes no panteão dos roteiristas de TV. Ousar é pra poucos. Ousar com competências é pra um número mais reduzido ainda.