sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Janete Clair: o "temperinho de mãe" que fez história na teledramaturgia


Ela ficou conhecida como "Maga da Oito" e "Usineira de Sonhos". Escreveu alguns dos maiores sucessos da teledramaturgia brasileira em todos os tempos. Fez história quando sua novela, Selva de Pedra, marcou 100% de audiência, consolidando a telenovela como uma paixão nacional. Trouxe os homens para frente da TV, assistindo todos os dias às viradas dramatúrgicas de Irmãos Coragem. O mito que se formou em torno de seu nome faz de Janete uma das figuras mais reverenciadas da arte brasileira em todos os tempos. Mas existia uma mulher por trás do mito. Havia a esposa, a mãe, a avó, a amiga. Quem era, afinal, Janete Clair?

Quem nasceu Janete Stocco Emmer, em Conquista (MG), apaixonou-se por arte. Amava música, chegando a incluir "Clair" em seu nome artístico, em homenagem ao "Clair de Lune", de Debussy. Casada com Dias Gomes, considerado um dos maiores teatrólogos brasileiros, teve quatro filhos: Guilherme, Alfredo, Denise e Marcos Plínio. E, mesmo casada, mãe e esposa, Janete conseguiu exercer sua paixão pela dramaturgia. Expressa, primeiro, nas atuações em radionovelas da Rádio Tupi-Difusora e, em seguida, na escrita destas para a Rádio Nacional, conquistou espaço e público para um veículo que viria, rapidamente, a tornar-se o mais visto do país: a televisão.

Na TV Tupi, de São Paulo, escreveu suas primeiras novelas. O universo dramatúrgico, ainda preso às histórias passadas em países distantes, foi o local onde Janete exercitou uma função mágica: a de convencer pessoas, dia após dia, a acompanhar uma história, contada em pedaços, encerrada todo dia com uma situação sensacionalmente atraente.

O talento da ainda jovem escritora a levou até a Globo, onde fora chamada para apagar um grande incêndio. Este incêndio chamava-se Anastácia, a Mulher sem Destino, novela escrita por Emiliano Queiroz que, cara e lotada de personagens, tinha audiência decadente. Janete foi chamada para dar uma solução rápida para aquela história. Causou um terremeto, destruindo a ilha onde a história se passava, matando a maioria do personagens e fazendo a trama avançar 20 anos, contando-a a partir dos descendentes dos personagens restantes.

A Globo, neste momento, via sua dramaturgia transformar-se fatalmente. A estreia de Beto Rockfeller, na Tupi, em 1968, virava de ponta-cabeça tudo que já havia sido feito em termos folhetinescos no país. A história se passava em São Paulo, tinha diálogos coloquiais e personagens parecidos com os telespectadores. O sucesso imediato invadiu a TV como tsunami, e atingiu Glória Magadan, então diretora de dramaturgia da Globo, e afeita das latinas e chorosas novelas de então. Janete, junto com Dias Gomes, Vicente Sesso, Walther Negrão e Bráulio Pedroso, foram responsáveis por trazer aquela revolução na linguagem novelesca à emissora carioca. Janete veio com Véu de Noiva (1969), adaptação de uma de suas radionovelas, e mostrou que sim, podia escrever histórias com aquele teor cotidiano.

Em seguida, os grandes sucessos: Irmãos Coragem, Selva de Pedra, O Homem que Deve Morrer, O Semideus, Pecado Capital, O Astro, apenas para citar alguns. Seja escrevendo novelas que, sucessivamente, estreavam no horário nobre com seu nome na autoria, seja alternando-se com outros autores.

Mas Janete não era só uma mulher de sucesso. Sua vida como autora era, na verdade, um reflexo de sua vida pessoal, familiar. Escrevia enquanto cuidava dos filhos e do marido. Em entrevista divulgada no livro "A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo", Glória Perez reproduziu uma de suas afirmações a respeito: "Se os homens ficam nervosos, estressados, todo mundo entende. Mas estresse de mulher no trabalho é chilique ou falta de homem" (p. 123).

Janete era dona de um despudor único como dramaturga. Conhecia como ninguém o folhetim, e tratava-o sem amarras, sem vergonhas. Na mesma entrevista, Glória depõe sobre Janete, sem dúvida sua maior referência: "As pessoas a criticavam muito. E de modo grosseiro, até. 'Louca', 'delirante' [...]. Agora virou cult. Todo mundo a respeita, mas, na época, ela foi muito achincalhada. Um dos poucos que conseguiam enxergar sua estatura foi Nelson Rodrigues. Janete escreveu grandes cenas do folhetim" (p. 128).

Enquanto a crítica negava-se a enxergar o talento de Janete Clair, o público a brindava com uma massiva audiência. Suas novelas batiam recordes. Eram, sem dúvida, as mais assistidas e comentadas da emissora. Janete tinha um diferencial em relação a qualquer outro autor. Em muitos depoimentos pessoais, aqueles que a conheceram afirmam que Janete tinha um "tempero de mãe" em seu texto. Algo inexplicável, mas que influenciava de forma decisiva as sensações das pessoas envolvidas na produção, e no público, que apaixonava-se pelos seus personagens e situações.

Dias e Janete conviviam na mesma casa. Já eram, a esta altura, consagrados como dois dos maiores novelistas da época. Mas tinham estilos distintos. Enquanto Dias escrevia novelas intelectuais, Janete era uma autora popular. Dias retratava, em seus supostos estereótipos, a realidade brasileira. Fazia de uma aldeia o mundo. Janete, por sua vez, levava ao grande público a realidade que este gostaria de viver. Fazia da fantasia e dos sonhos suas grandes armas, que a aproximava do povo.

Os apaixonados por telenovela têm Janete, no mínimo, como uma parada obrigatória, algo que devem sempre considerar, estudar, reverenciar. Para muitos, além disso, ela é um exemplo. Uma referência maior, que sempre será atual, como sempre serão atuais o folhetim e os dramas humanos.

3 comentários:

  1. Sempre digo: Janete Clair é o Machado de Assis da teledramaturgia. Até hoje continua modelar pra qualquer pessoa que aspira a escrever novela. Grande mestra sempre. Parabéns pelo post. Abraços!

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  2. Gostaria muito de ter acesso a obrtas bem antigas de Janete. Ela sabia conduzir a técnica novelística em harmonia com emoção - e nunca fazia novelas meia-boca...
    Perfeita analise, rapaz!

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  3. Janete... Grande Janete! A obra só conheço dos compactos do Festival 15 Anos. É pouco, mas o suficiente para amar cada cena de seus inúmeros sucessos. A trajetória já é conhecida, mas merece ser lembrada sempre.

    Grande post! Abraço e sucesso!

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