quinta-feira, 14 de abril de 2011

São tantas emoções: a telenovela como expressão da felicidade




Não é de hoje que tenho revisto meus conceitos sobre novelas. Pra falar a verdade, essa reconceituação é um processo contínuo, embora tenha se agudizado de uns tempos pra cá, desde que resolvi começar a falar abertamente sobre o assunto através desse veículo de comunicação. Afinal, o que é possível expressar sobre a atual situação da teledramaturgia? Apenas lamentar o marasmo, dizer que não se produz nada de novo, que a TV se tornou um mausoléu de estilos cristalizados? É pouco. Já passei muito tempo fazendo isso, e acho que perdi momentos preciosos de minha tenra juventude, em vez de, humildemente, propor possibilidades de revisão da teledramaturgia. Nada de novo, apenas um convite a voltar a olhar para a telenovela como já se olhou no passado e - sem querer ser anacrônico - rediscutir o grande valor que permeou o folhetim desde seu surgimento que era o de... transmitir emoções. Pois bem.



Muito se tem falado em técnica, em estilos, em fluidez nos diálogos, em dinamismo nas cenas. Muito se tem observado na expressividade dos atores, no figurino escolhido, no tom de voz usado para expressar-se nessa ou naquela cena. Nenhum pecado. De fato, o bom analista é aquele que vê a novela em seu todo, mas discutindo os detalhes. O grande problema é que nós (e me incluo nesse bolo), muitas vezes, achamos que analisar bem é criticar, apontar os defeitos, por mínimos que eles sejam, esquecendo-nos do mais importante que é esse TODO que constitui a telenovela, e no qual ator, autor e diretor pensam na hora de lançar o produto.



"Ah, mas esse olhar vai me recomparar ao público médio (ou ao sujeito ordinário?)", como se nisso habitasse o pior dos males para quem gosta de ver dramaturgia. Antes de qualquer outra coisa, meus queridos, fomos público médio, e gostamos muito de ser. E, acho eu, para sermos mais do que isso, temos que retornar, pelo menos um pouquinho, às emoções primárias vividas por esse público e, só a partir delas, fazermos nossas considerações. Ou isso, ou corremos o seríssimo risco de nos transformamos naqueles chatos, hieráticos, quadrados e saudosistas críticos de TV, que emos com tão maus olhos.




Mas, o que é fazer novela, então? Ou melhor, o que é fazer uma boa novela? Isso me inquietou por muito tempo. Justamente quando comecei a ver esse produto com um olhar mais apurado, passei a refletir o que constituia uma boa novela. E eis a surpresa: a resposta foi um retorno à mesmíssima visão que tinha quando assisti atrações como Olho no Olho, Cara & Coroa, Explode Coração, História de Amor ou O Clone: novela boa é aquela que me deixa feliz de ver.



O texto é tatibitate, e daí? A protagonista é ex-BBB, algum problema? As cenas duram mais de cinco minutos, e eu com isso? Não sou obrigado a virar um refém da técnica e, pior do que isso, da crítica. Da mesma forma que acho que o grande problema atuais é que elas se tornaram reféns de uma burocracia televisiva. Os autores e diretores se sentem obrigados a serem dinâmicos, a valorizarem a ação de maneira exaustiva, a escrever em escala industrial, a ter diversos pudores em nome da audiência, sem notar que são justamente tais elementos que mais afastam nosso público.



Novela boa é novela feita com gosto. É aquela que o autor escreve dando uma banana pra quem o chama de fantasioso, delirante. "Eu quero inovar, escrever uma mocinha lésbica, um mocinho obeso, uma vilã de 6 meses de vida". Mas e a audiência, e o povão? Azar! Ou então: "Eu prefiro escrever um folhetim onde a mocinha é abandonada no altar, depois descobre que tem uma herança milionária, fica rica, dança numa boate, se vinga do inimigo e depois desvenda um assassinato". Mas e a crítica, que vai me chamar de folhetinesco e sem-vergonha? Que se dane!



As últimas novelas pelas quais realmente me apaixonei foram feitas com amor, sem ligar pro que muita gente diria. E, coincidentemente, foram sucessos de Ibope. Glória Perez fez ouvido de mercador de camelos quando geral dizia que Jade viajava trocentas vezes pro Brasil em O Clone. Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari não ligaram pra quem dizia que estavam abusando das metalinguagens e da canastrice em Ti-Ti-Ti: investiram com gosto. É esse ato de coragem, é esse fazer da arte uma grande farra, que acho que faz falta em muitos trabalhos, e que defendo como a boa dramaturgia.




Acredito, sim, que as duas coisas são perfeitamente associáveis, mas se for obrigado a escolher entre ser partidário da técnica ou ser partidário da fantasia, fico com a segunda, sem culpa. Sei que posso ser achincalhado por essa opinião, mas acho que novela boa é aquela em que você dá asas à imaginação, seja lá o que ela lhe mande fazer. Você é louco, costuma ser chamado de esquizofrênico, cria estórias fantasiosas numa cabeça sem-noção? Largue as armas, meu irmão, e venha fazer novela. Tipos como você são necessários, e estão em falta.



Pronto, falei. Agora, que venham as pedradas.

6 comentários:

  1. Não vejo motivo para pedradas. Pelo contrário. Você deve ser aplaudido. Por ter verbalizado coisas que estão no imaginário de todos nós, noveleiros, há tanto tempo. Também tenho revisto os meus conceitos. E embora mantenha determinadas opiniões, acho que ninguém deve ficar refém de um estilo ou modelo. Grandes sucessos se constituem, basicamente, disso aí que você citou: a emoção. Também me deixei levar pelo Clone delirante de Glória Perez. Bem como por sua Índia fake e colorida; e sua América onde todo mundo fluentemente falava português. A grande graça é viajar. É assistir aquilo e relaxar. Não que eu esteja apregoando que a dramaturgia DEVA ser alienante, não é isso. Mas é possível passar uma mensagem, deixar toques, sem que isso fique tão escancarado. Da mesma forma, não vejo motivo de merchan social em TUDO QUANTO É produto. Enfim, menos é mais. O importante é focar na história, nos seus desdobramentos. Um exemplo recente, é a nova versão de Ti Ti Ti – que eu particularmente, não gostei –, mas que cativou o público porque se permitiu pirar. E, olha só que coincidência, acabou ousando. Para finalizar, o que está faltando nas produções dramatúrgicas de agora é justamente a emoção. Estão todas presas demais à fórmulas, técnicas. Está tudo frio, gélido, sem charme. Só quando soltarmos essas amarras voltaremos a ter prazer assistindo novela.
    Abração, Eddy.

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  2. Também não vejo motivo para pedradas, mesmo que haja discordâncias. Até uma determinada idade, uns 12 anos, eu via tudo sem um olhar mais crítico; era somente levado pela emoção, independente da qualidade. Isso acontece com a maioria das pessoas; são raras as que começam a ver novela desde criança com uma observação mais apurada. Considero a emoção o primeiro fator a ser levado em conta se uma novela é boa ou não. Citando as mesmas novelas da Glória que o Eddy citou, O Clone foi a única dessas que me emocionou, por isso é a única que gosto. E nesse caso, acho que não houve tanto comprometimento em outros aspectos. Talvez porque a autora já avisa logo de cara que é pra embarcar na fantasia. E nessa, eu embarquei. Mas atualmente não deixo mais de fora os aspectos técnicos. Se eu achar que teve muita viagem na maionese envenenada da Paladar, malho mesmo, rs.

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  3. Fábio, faço coro aos colegas que comentaram. É como na música - alheio aos preconceitos musicais, música boa é aquela que toca o coração.
    Com novela é a mesmíssima coisa.

    Franqueza é beeeeeeeeeem melhor do que certos comentários pseudo-intelectuais, que nada mais são da profundidade de um pires.

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  4. Meu amigo, penso exatamente como você. Hoje em dia sobra técnica e falta paixão nas novelas. Isso é um absurdo, já que a principal função das novelas é exatamente a de causar fortes emoções.
    Excelente e oportuno texto!

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  5. Concordo "nim" termos. É necessário sim, concordo, largar mão das amarras e do que engessa a telenovela e ousar, se deixar levar pelo que se deseja e não somente pelo que se supõe que vá agradar ao público - afinal, há momentos em que o que acreditamos ser certamente rejeitado cai nas graças do povo. No entanto, disso podem advir resultados como a recente Ti-ti-ti, para ficar só nela, que, como bem disse o Eddy acima, foi um produto muito feliz em emocionar, entreter, mas que eu particularmente achei uma besteira. Enfim, ainda assim algo se salvava, e se permitir ousar, mas sem que se perca o veio, o fio da meada (certo, Maneco?), é necessário. A emoção anda fazendo falta nas novelas, cada vez mais pasteurizadas, herméticas, gélidas, técnicas.

    Abraços.

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  6. Claro que as novelas não precisam ser realistas. Precisam apenas ser verossímeis e obedecer o pacto firmado com o público. Não importa que se crie o Super Man. O que não pode é ele ser vulnerável à criptonita num dia e no outro não ser mais. A lógica precisa ser seguida de acordo com as regras estabelecidas pela própria trama e não, pela vida real. Belíssimo texto, amigo. Concordo com tudo. Parabéns!

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