sábado, 15 de janeiro de 2011

Enfim, o fim de Passione


Ontem, assistimos ao último capítulo de Passione. Diferente de outras tramas policiais de Sílvio de Abreu, como A Próxima Vítima ou Belíssima, o suspense sobre os assassinatos não causou o mesmo frissom. Sim, as revistas de fofoca comentaram o mistério. Sim, a novela marcou 52 pontos em seu fim, o que, pros dias de hoje, equivale a uma audiência de 74 pontos, por exemplo, segundo os critérios de medição de 10 anos atrás, quando foi transmitido o sucesso O Clone no horário nobre. Mas o sentimento do público (falo de mim e de vários com os quais já conversei) em relação a Passione é que faltou... não sei bem o quê. Começo esse texto com uma opinião ainda não construída sobre a novela, e espero chegar a alguma resposta em seu fim.

Passione começou com muita expectativa do público. Terminava Viver a Vida, a novela que conseguiu diversos feitos, dentre eles afujentar as donas de casa da frente da TV às 21h e colocar um enorme e incômodo "senão" na obra até então elogiadíssima de Manoel Carlos. Queríamos uma novela das oito (no caso, agora institucionalmente, das nove) que acontecesse: um novelão cheio de entrechos cômicos, dramáticos e mistérios, não a modorrenta história que se resumia aos dramas da moça tetraplégica. E essa foi a proposta de Sílvio de Abreu ao apresentar a história de Bete Gouveia, na busca do filho italiano Totó, atrapalhada pelos golpistas Clara e Fred. Enfim, todos os elementos para prender a atenção de dez entre dez noveleiros.

A estreia da novela mostrou tudo isso. Antes mesmo do primeiro intervalo comercial, morre Eugênio Gouveia (Mauro Mendonça), não sem antes revelar a Bete (Fernanda Montenegro) que seu filho, que ela imaginava ter nascido morto há cinquenta anos, estava vivo, na Itália. O filho, Totó (Tony Ramos, alvo das brincadeiras sobre o apelido canino de seu personagem). Cada final de capítulo, nos primeiros dois meses, terminava não só com um, mas três ganchos, enquanto muitos de Viver a Vida terminaram naquela vibe de "me passa o sal". Todos babaram com a novela, extremamente aplaudida pela crítica, especializada ou não.

Mas o tempo passou, e os defeitos começaram a aparecer. Não em relação a Clara, uma construção excelente de Mariana Ximenes, provavelmente o papel de sua vida. Tampouco Tony Ramos que mostrou mais uma vez o grande profissional e ser humano que é, dedicando-se a cada trabalho com a mesma verve que dedicou ao primeiro. Mas, realmente, ouveram falhas crassas. A personagem Diana, de Carolina Dieckmann, não convenceu como mocinha, tampouco atraiu o público seu triângulo amoroso com Mauro (Rodrigo Lombardi) e Gérson (Marcello Antony). Não dá pra mentir, dizendo que a personagem deixou saudades após morrer de parto. Diana foi tarde, realmente. Em parte, talvez, pela atriz, mas acredito ser uma culpa menor. O texto e a construção da personagem foram a grande pisada de bola. Diana foi, realmente, um equívoco.

Fernanda Montenegro, mesmo ela, parecia interpretar sua Bete Gouveia no piloto-automático. Não era ruim (é quase um sacrilégio criticar Fernanda Montenegro), mas não tinha metade da emoção de trabalhos anteriores. Pareceu bastante com aquela interpretação que a pessoa faz por amizade ao autor, à diretora, ao elenco, enfim. Nada que envolva emoção própria, doação, entrada de cabeça no papel, etc. Posso estar sendo injusto, mas foi essa a minha percepção. Caso semelhante se observou em Francisco Cuoco, e um Olavo da Silva com aquele riso frouxo que o ator tem teimado em demonstrar em todos os seus últimos trabalhos. Bruno Gagliasso, vindo do ótimo (e sequelado) Tarso de Caminho das Índias, também forçou a barra com Berilo, tanto na safadeza do italianinho quanto no sotaque que estava, decididamente, ruim. E Reynaldo Giannecchini não conseguiu atrair para seu primeiro vilão, Fred, um terço da popularidade do cômico Pascoal, excelentemente interpretado por ele na última parceria com Sílvio de Abreu. Nesse caso, mais uma vez, não culpo o ator. Vilões masculinos não costumam ter grande repercussão.

Claro que tenho, também, quem elogiar. Irene Ravache, depois de Mariana Ximenes, foi o grande nome da novela. Sua Clô foi uma inesquecível e grata surpresa, com um espalhafate bem construído e apaixonante. Realmente, é uma forte candidata ao prêmio de Atriz Coadjuvante do Ano de 2010 (numa séria disputa com a Jaqueline Maldonado de Cláudia Raia, em Ti Ti Ti). Gabriela Duarte conseguiu, finalmente, livrar-se do carma de suas personagens boazinhas e politicamente corretas, e deu vida a uma Jéssica com muito fogo debaixo da camisola. Mais por ela que por ele, rendeu bons momentos na relação caliente com Berilo. No campo da terceira idade, merecem meus sinceros aplausos Leonardo Villar, Elias Gleizer (numa maré de bons personagens), Aracy Balabanian e Emiliano Queiroz. Mas aplaudo de pé mesmo é Cleyde Yáconis, e sua excelente dona Brígida, a irritante e irritável sofra de Bete Gouveia, uma construção impecável, que mostra que bons atores permanecem bons mesmo com o avançar da idade.

A história de Passione se perdeu em seu meio. Confundiu o público com a sua teia extremamente incestuosa de poucos personagens. Necessariamente, alguém era primo de alguém, que era filho de alguém, que era sobrinho de alguém, que era irmão de alguém. Causou estranheza, afastou pessoas, que cansaram da novela, mudaram de canal pra TV paga, ou vieram para a Internet.

No fim das contas, Passione pegou mesmo no último mês, quando os entrechos finais conseguiram, finalmente, dar altos índices para o horário. Mas já era tarde, e a novela fechou com uma audiência média de 35,1 pontos, assumindo o posto de pior média do horário, ocupado anteriormente por Viver a Vida. Um posto, na minha opinião, injusto: apesar dos pesares, Passione teve muito mais história e uma condução mais competente (o que, convenhamos, não é grande esforço).

A resolução mistério final veio confirmar a falta de motivação, e mesmo de criatividade, de chocar o público. Com a exceção do mistério central de A Favorita, tivemos, em geral, assassinatos misteriosos cometidos pelo próprio vilão da novela, o que não poderia ser mais frustrante para os fãs do gênero policial. Clara matou Eugênio a mando de Saulo, e Saulo por vingança, bem como Laura matou Lineu Vasconcelos em Celebridade, Bia Falcão foi a responsável por prejudicar Júlia em Belíssima e Olavo Novaes matou Taís em Paraíso Tropical. Preferia, sim, que fosse alguém inusitado: quem sabe, dona Brígida, Mimi ou mesmo Bete Gouveia?

Passione, mesmo com todos os problemas, passa o horário em alta para sua sucessora, Insensato Coração. A próxima novela das nove (e a primeira que vem com essa alcunha) começa com pouca especulação e, talvez, uma história bem balizada. Se Passione foi uma boa história contada de forma equivocada, esperamos sinceramente quem o mesmo não aconteça com a trama de Gilberto Braga e Ricardo Linhares. Se o assassinato do vilão Léo (Gabriel Braga Nunes) está previsto na novela, faço votos, desde já, para que Norma (Glória Pires) não seja assassina e, diferente do que tem feito ultimamente seus colegas de profissão, seus condutores me deixe boquiaberto.

6 comentários:

  1. Também fui um entusiasta de Passione e quebrei a cara no fim do terceiro mês. Acho que a novela pecou mesmo pela falta de originalidade. A trama, além de batida, a longo prazo, começou a mostrar sinais de fragilidade.

    Também fiz um post sobre a novela lá no Tá Fun, dá uma olhada: www.ta-fun.blogspot.com

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  2. Um acréscimo: achei A MAIOR INJUSTIÇA você não ter citado o nome da Gabriela Duarte. Um dos grandes destaques da novela, NMO.

    A personagem, apesar de ser um copy-past da Nicinha de Rainha da Sucata, divertiu e foi um divisor de águas na carreira da atriz

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  3. Eddy, eu citei Gabriela no 6º parágrafo... hehe. Abraços!

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  4. Ih, é mesmo!

    Nem tinha visto. Fui lendo por osmose. =P

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  5. E aí? Tudo bem?

    Concordo com a maioria de suas observações e discordo de outras. Não concordo principalmente com as ressalvas feitas ao trabalho de Fernanda Montenegro. O que me pareceu inadequada não foi a crítica propriamente dita, porque toda crítica, desde que tecnicamente fundamentada, pode nortear, enriquecer ou consolidar o trabalho de um ator, dos menos talentosos até aqueles com a envergadura de uma atriz como ela. Agora, dizer que Fernandona atuou no “piloto automático” é praticamente uma ofensa.

    Lembro-me de ter lido que Silvio de Abreu teria escolhida Fernanda para este papel porque ela dispensaria ao texto o mesmo tratamento que daria a uma peça de Sófocles. Quem atua no diapasão definido por você não daria a um limitado texto de folhetim tamanho peso como ela o fez em Passione, valorizando a densidade de suas falas com um belíssimo fraseado, apoiado numa dinâmica marcante, modulações e pausas dramáticas precisas que valorizavam as intenções de sua persongem e a atmosfera intensa de suas cenas, sem pieguices lacrimejantes nem afetações, tão comuns nas telenovelas.

    Ocorre que o público comum confunde dramaturgia com atuação e, dentro desta perspectiva, coube à Fernanda o papel mais ingrato nas novelas, que normalmente são destinados às jovens atrizes: o de heroína. Esse tipo de personagem não tem mais a empatia com o telespectador que possuía outrora (veja, estou falando de folhetim). Os valores hoje são outros. A maior parte do público (e boa parte da imprensa, sejamos justos) se identifica muito mais com o catártico antagonista (muito embora não admita) e com a sedução típica dos personagens cômicos, valorizando por tabela os atores que estão por trás desses papéis, algumas vezes sem que estes realmente mereçam tal distinção (não é o caso, claro, de Irene Ravache, que é uma ótima atriz, e da Mariana Ximenes que fez um trabalho muito bom, embora tenha perdido a organicidade e o vigor de sua atuação quando a Clara fingiu ser boazinha na trama, o que, por exemplo, não ocorreu com a Flora de Patrícia Pillar, em A Favorita ao mudar de um registro para outro).



    A personagem Bete Gouveia era de longe a mais difícil da trama, não apenas pelo motivo exposto, mas porque dentro da partitura dramatúrgica vibrava tão-somente numa tessitura grave, de invariável tensão. Não havia alternância de tons como no caso da Gema de Aracy Balabanian ou da Candê de Vera Holtz, ora cômicos, ora dramáticos. Também não estava envolvida em nenhuma trama amorosa que, no caso das jovens heroínas, acaba por diluir o tom carregado que envolve esses tipos de papéis.

    Mas apesar das limitações da personagem, acho que Fernanda conseguiu, sim, fazer um belo trabalho. Um cantor de ópera só pode dar um dó de peito se a partitura dele assim exigir. Ela verticalizou a personagem na medida certa, com o bom gosto cênico que lhe é peculiar, sem maneirismos, sem superatuar e com uma contenção e solidez que me lembrava o trabalho das grandes atrizes inglesas.

    A cena de enfrentamento com o Fred quando este negou ser o assassino de seu filho e que culminou com a Bete partindo pra cima dele por acreditar que ele estivesse mentindo cinicamente, foi arrebatadora (aliás, Gianecchini, do meu ponto de vista, embora esforçado e sério, errou ao engessar suas ações físicas apoiando-as em recorrentes clichês). A cena foi muito bem construída por Fernanda do ponto de vista técnico e de grande voltagem emocional. A delicadeza do encontro com Candê quando esta intercedeu pela liberdade do seu filho também foi outro grande momento, apenas para citar dois.

    Diria, para finalizar, que um profissional que faz seu trabalho no “piloto automático” é pior do que aquele que faz um mau trabalho. Porque agindo assim ele desmerece o seu ofício e os seus colegas. Acho que Fernanda Montenegro está muito longe disso, caso contrário não seria ela ainda, aos 81 (!!!!) anos, referência de excelência para várias gerações de atrizes, de Bibi Ferreira à Alice Braga, e não se entregaria ao jogo cênico com tanta preparação e verdade.

    Dan S. de São Paulo.

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  6. Olá, Dan. Tudo bem?

    Primeiro, quero dizer que é uma honra recebê-lo aqui no Cult, e espero que volte mais e mais vezes. E fico feliz que venha com uma crítica tão bem construída e balizada. São tais divergências de opiniões que enriquecem as discussões, e, com certeza, essa postagem ficou melhor depois do seu comentário.

    Como ressaltei no texto, guardei o espaço para estar sendo injusto quanto à percepção da Bete Gouveia de Fernanda Montenegro. A personagem, realmente, não valorizou a performance de Fernandona. O que quis dizer - e talvez não tenha conseguido me expressar tão bem - é que me passou a impressão de que havia uma insatisfação quanto à personagem, que tinha suas ações limitadas por ser uma heroína que não gozava de vários atributos dos quais as heroínas costumam dispor (um romance, por exemplo).

    Claro que o trabalho de Fernanda é indiscutível, e realmente não foi minha opinião causar uma ofensa, ou fazer a ele qualquer crítica destrutiva, muito pelo contrário. E quero, daqui a algum tempo, rever momentos específicos de Passione para, talvez, me reposicionar em relação a alguns pontos, o que já aconteceu em diversas outras novelas. Quando isso acontecer, com certeza, retornarei com um texto sobre.

    Mais uma vez, MUITO OBRIGADO pela sua colocação.

    Grande abraço! Fábio

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