quinta-feira, 29 de março de 2012

Dá-lhe Carminha! ou Como Avenida Brasil é uma alternativa para se retratar a nova classe C



Uma boa história é aquela que prende o espectador, sejam quais forem as armas que use para isso. Se a arma é uma história ultra-realista, uma novela-verdade, em que os personagens poderiam ser seus vizinhos de porta, tudo bem. Se não são - e se tratam de uma alpinista social calculista, uma menina-mais-madura-que-a-idade e um craque do futebol fora de forma, por exemplo - melhor ainda.

O caso é que Avenida Brasil, a novela das 9, no ar na Rede Globo desde segunda-feira passada, me agarrou pelo fígado. Atingiu minhas partes baixas, da mesma forma que Carminha fez com Genésio, seu marido, no primeiro capítulo. O fez da forma mais apelativa e sem-vergonha, e me deixou de quatro. A história de Rita, a menina que denuncia a madrasta, que quer roubar o (pouco) dinheiro do pai-proletário e fugir pra São Paulo com o amante-meia-boca, e da madrasta Carminha, que abandona a menina no Lixão, e que vê num craque do Flamengo uma alternativa para enriquecer, tem se transformado num dos temas mais comentados das redes sociais, nas ruas, no mundo (Sim, no mundo. A novela chegou entre os Trading Topics mundiais do Twitter).

A Globo está entendendo que não dá mais para medir a popularidade de uma novela utilizando apenas os números do IBOPE, mas também, e principalmente, a repercussão virtual da trama. Isso visto que boa parte do público assiste a novela pela Internet, no Youtube, no site oficial, ou acompanha a história pelos comentários das redes sociais. Essa é a nova classe C, aliás, a classe retratada com maestria na trama de João Emanuel Carneiro.

Carminha é uma vilã que saiu do lixão para uma vida melhor. Vida melhor, nesse caso, é um casinha de subúrbio, um marido modesto e uma enteada pentelha, a quem ela odeia (e cuja recíproca é absolutamente verdadeira). Seu sonho de uma vida melhor é fugir com o amante para São Paulo com o dinheiro da venda dessa moradia simples, que o marido, um mestre-de-obras, efetuaria. A descoberta por Genésio, seu marido, de seu interesse em passar-lhe a perna é coroada com uma discussão... numa lage. Nada mais classe C. Nada mais apelativo. Nada mais delicioso.

Tufão, por seu turno, é um jogador de futebol de sucesso, mas que insiste em continuar vivendo no Divino, seu bairro de origem, com todas as mazelas de um lugarzinho simples: um salãozinho de beleza, uma vizinhançazinha fofoqueira, uma mãezinha barraqueira, e todo o resto. As cores fortes de Paupéria dão muito mais charme do que se imagina.

Percorrendo a Avenida Brasil, chegaremos aos bairros mais nobres do Rio de Janeiro, onde vive Cadinho, suas duas mulheres, e Alexia, aquela que quer engravidar dele (sem nem saber seu nome). A trama é tão importante nesse início de novela que mereceu nem ser citada no capítulo de ontem, onde tudo, absolutamente tudo, girou em torno da investida de Carminha em criar uma culpa em Tufão pela morte do marido, fragilizá-lo e pegá-lo pelos Países Baixos, e no sofrimento de Rita no lixão, onde encontra o garoto Batata, e Lucinda, a mulher bondosa que a ajudará.

Essa fábula contemporânea, com toques de conto de fadas pós-moderno, pode não ser a trama mais realista do mundo. Rita é mil vezes madura que as crianças de sua idade. Dificilmente, um jogador da envergadura física e etária de Tufão continuaria com essa bola toda (com o perdão do trocadilho), etc e tal. Mas muito pouca gente está se importando com isso. A história é apaixonante, não tem medo da fantasia, e mete os dois pés no folhetim. É disso que o povo gosta. É disso que eu gosto também.

Arrisco dizer que, se fosse viva e atuante no meio que eternizou, Janete Clair estaria escrevendo uma trama nos mesmíssimos moldes de Avenida Brasil. Com os mesmos clichês retransformados, ressignificados e, portanto, novos em folha. Com os mesmos personagens profundamente carismáticos. Fazendo questão do messmo elenco, de primeira, e extremamente bem escolhido pro papeis aos quais foram escalados. Teria criado o mesmo bordão "Dá-lhe Carminha!", que, eu aposto o que vocês quiserem, vai cair na boca do povão em dois tempos.

Um brinde à classe C, à renovação da teledramaturgia, a João Emanuel Carneiro, Ricardo Waddington e respectivas equipes. Um brinde de guaraná, cerveja gelada e churrasquinho na lage. E tenho dito.

Um comentário:

  1. Classe C ou não, o fato é que a história é deliciosa! Concordo plenamente com vc. Parabéns pelo texto. Abs.

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