Uma das grandes vantagens de morar na capital – ou em
qualquer cidade de porte médio – é o fato de poder praticar certos ambientes
que na cidade pequena não é possível (Desconsidere o fato de que eu sou um
homem-de-gelo antissocial e me veja como uma pessoa normal, dessas que sai na
rua. Grato). Um deles é o shopping center. Em geral, pelo meu hábito, é comum
que shopping seja programa de sábado à tarde – seja para ir ao cinema; seja à
Livraria Universitária não comprar nada, olhar, olhar, e despertar a fúria dos
vendedores; seja para ir comprar roupa quando se mostra absurdamente
necessário. Isso costuma vir acompanhado de uma visita à Praça de Alimentação
(e aí você desconsidera que falar de gordices engorda, por isso eu não vou me
deter no assunto). Enfim.
E, como também é profundamente comum que eu vá ao shopping
quase 100% descapitalizado, um dos meus hobbies favoritos é sentar nos bancos,
cruzar as pernas e observar as pessoas – de preferência, acompanhado de um
interlocutor igualmente mordaz, e igualmente desocupado.
Mais do que um empório de estilos, o shopping é um zoológico
humano dos mais particulares, uma vez que mostra pessoas em seus momentos mais
insanos: o de fazer compras. Aí é um tal de “o preço total que se dane, se a
prestação couber no meu orçamento, eu levo!”. Ou não caber, mas a vontade falou
mais alto, e tome empréstimo consignado para pagar as dívidas astronômicas.
Enfim. É onde boa parte das pessoas perde o último fio que ainda a prendia à
racionalidade (recuperado apenas no dia em que chega a fatura do cartão de
crédito).
Voltando aos tipos humanos observáveis quando se senta,
despretensiosamente, num banco pra observar, eles são muitos. Pra começar,
sábado à tarde é dia dos adolescentes irem ao shopping. É o típico programa “de
manhã teve prova na escola, eu levei bomba, mas antes que chegue o resultado,
minha mãe ainda não cortou minha mesada”. E eles andam em bandos. Tal qual a
gente costuma ver nos documentários do NatGeo, quando o assunto é andorinhas,
adolescentes costumam andar em grupinhos colados, como se houvesse o receio de
que venha um inimigo externo de outra nação (ou pior, de outra tribo juvenil)
para atacá-los. Para se assemelhar totalmente a uma falange das guerras da
Antiguidade, só faltam escudos frontais, traseiros e laterais. Mas isso é só
uma questão de tempo.
Adolescente que é adolescente não dá a menor bola pra ser
original: ele quer mesmo é ser da turma. E ser da turma significa usar o mesmo
tipo de roupa, calçar tênis da mesma marca, fazer uma mecha no cabelo da mesma
cor, usar os mesmos assessórios, falar as mesmas gírias (tipo aqueles bem
constrangedores que dizem “lol” em vez de apenas escrevê-los nos messengers da
vida, o que já é por si só embaraçoso) e gostar das mesmas bandas (tipo “a
menina que não achar o Pe Lanza um gato será banida até que as estrelas virem
pó!”, ou catástrofes semelhantes). E arrisque não preencher um desses
pré-requisitos pra você ver. Babado, gritaria, confusão. Ou pior: A SOLIDÃO
ETERNA.
Outros tipos humanos bem típicos dos shoppings centers – e
aqui eu estou tomando o Teresina Shopping como referência – são as tias que
usam o sábado à tarde pra fazer o supermercado. Elas costumam ir: 1) sozinhas;
2) acompanhadas de uma amiga; 3) acompanhadas do marido; 4) acompanhadas do
marido e dos filhos pequenos. Cada uma delas expressa situações bem
particulares: 1) sai do super com um carrinho carregado e pesadíssimo, cujo
peso ela decide compartilhar com o primeiro transeunte do sexo masculino, que
ela julgue levantar pelo menos 20 kg no supino; 2) vem fofocando sobre uma
série de coisas: o preço da abobrinha, a escola dos filhos, a ereção do marido,
as dúvidas existenciais decorrente dos diálogos filosóficos entre Kant e
Wittgenstein – não necessariamente nessa ordem; 3) vem discutindo sobre como
vão fazer pra pagar as compras do mês naquele mês, já que passou 200 reais do
ticket alimentação, e o marido afirma, sem sombra de dúvidas, que a culpa é
daquela variedade de shampoos que ela comprou; 4) vem chorando, com um carrinho
lotado, um marido reclamando do preço das compras, uma filha brandindo uma
boneca que ganhou no grito, e um filho abrindo o berreiro porque “não senhor, o
chocolate é só depois da janta”.
Pra finalizar a diversidade do zoológico, temos os playboys,
cujo principal esporte no shopping é a exposição pública de uma figura que, de
segunda a sexta, passa 5 horas ininterruptas na academia, onde levanta 100 kg
no supino dando gritos ograis. No shopping, ele se enfia com dificuldade em uma
baby-look que, eu garanto, se fosse meio número menor estourava, e num jeans
tipo embalagem a vácuo. Frequenta lojas de produtos esportivos, suplementos
alimentares, roupas e sapatos – grifes caras, porque playboy que é playboy não
usa baby look comprada no Paraíba. Na maior parte das vezes, eles passam pelas
pessoas – ou por mim, que to ali sentado e não dirijo a palavra a gente dessa
laia – falando alto e deixando claro que “Sabe aquela gostosa que apareceu no
concurso de modelos da TV local ontem? Yes, eu peguei”. Uma espécie de
humilhação pública indireta a pobre de mim.
Bom, é hora de ir pra casa e deixar esse mundo insano pra
trás. Antes disso, no entanto, passou o último exemplar do zoo-shopping: a
periguete. Mas não... ela merece uma crônica só pra ela.
Fábio Leonardo Brito
é nascido e atual habitante de Teresina, capital do Piauí, onde cursa mestrado
em História do Brasil. Blogueiro de ponta de rua, na qual nutre o (http://supercult01.blogspot.com),
professor universitário, ex-professor da educação básica, choca seus alunos e a
sociedade com gostos esquizofrênicos, que vão de novelas da Globo ao cinema de
arte italiano (não que haja diferença entre eles). Apesar disso tudo, é boa
gente.
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