segunda-feira, 19 de abril de 2010

Grandes personagens do Rock Brasil - um retrato da "geração perdida"


Recentemente, Roberto Pompeu de Toledo, em um ensaio publicado na Revista Veja, escreveu sobre “grandes personagens da MPB”. Tratavam-se de figuras, “eus-líricos”, retratados em músicas consagradas de nossa música popular, e que, de uma certa forma, traçavam um perfil bem brasileiro, chegando, inclusive, a concorrer com Aquarela do Brasil como fortes candidatas a serem elevadas ao nosso “hino nacional”. Pois bem.

O texto de Toledo me inspirou a intertextualizá-lo. Não tratando de personagens da MPB – e, necessariamente, da genialidade de seus compositores – mas de outros, figuras que despontaram no final dos anos 80, início dos anos 90. Grandes personagens do rock brasileiro, nascido nos versos de jovens, ora irados, ora apaixonados, alienados, apolíticos.

Feministas, as meninas do grupo Sempre Livre (marca de absorvente, genial!) gravaram Eu Sou Free, com letra da atriz e roteirista Patrícia Travassos. Dulce Quental invocava a mocinha que só estudara em escola experimental, cujo pai era surfista profissional e a mãe fazia mapa astral. Sua biografia não era das mais comuns. Ela passara a infância em Cochabamba, “transando muamba, driblando a alfândega”. Não é do tipo que faz comício, e tem horror a compromisso. Uma típica filha de pais que foram jovens na geração de Woodstock, pregavam a liberdade – e criavam os filhos com uma visível libertinagem. A menina dos anos 80 é aquela que já achava casar virgem brega (na verdade, achava brega casar). Gosta de curtir. “Você pode fazer o que quiser comigo, eu não ligo”. É free, é livre. De uma liberdade cheia de cores, bustiês, pernas à mostra. Uma delícia de liberdade, para os rapazes que as observavam e, entre encantados e escandalizados, apreciavam seu desprendimento.

Já o Kid Abelha de Paula Toller, George Israel e, em seu início, Leoni, cantava adolescentes bem mais inseguros. Na maioria garotos, que não sabiam se aproximar de suas amadas. Em Educação Sentimental e A Fórmula do Amor (esta em parceria com Léo Jaime), os personagens recorrem a filmes e manuais que ensinam as técnicas de sedução. Mas, na hora H, tudo vai por água abaixo. “É sempre a mesma cena, é só te ver no corredor. Esqueço do meu texto, eu fracasso como ator. Só dou vexame, fico olhando pros seus peitos. Escorrego na escada, acho que assim não vai dar jeito”. O de A Fórmula do Amor é bem mais ensaiado. Ele sabe o gesto exato, sabe como andar. Aprendeu nos livros e filmes, pra um dia usar. Preserva um ar cruel, “de quem sabe o que quer”. Tem tudo planejado pra impressionar: um bom papo, o rosto em contra-luz, a pose exata pra fotografar. Nada! Mais uma vez, dá com os burros n’água e esbarra na própria timidez. “Não posso compreender, não faz nenhum efeito. A minha aparição, será que errei na mão? As coisas são mais fáceis na televisão”.

Mais melancólicos e envoltos em dúvidas existenciais, os personagens das músicas de Renato Russo contém um lirismo especial. João Roberto, o garoto mais bonito e popular da escola era o Johnny, que sabia tudo sobre Jannis, Led Zeppellin, Beatles e Rolling Stones. Dono de um Opala metálico azul, era apaixonado por carros, gostava de rachas, era desejado pelas meninas. Mas andava triste, quieto demais, quando decidiu participar de um pega na Curva do Diabo, em Sobradinho. Na Estrada da Morte, Johnny sobra na pista. “Só deu pra ouvir foi aquela explosão e os pedaços do Opala azul de Johnny pelo chão”. O garoto que morreu ainda jovem é o tema de Dezesseis. Todos chocados, acreditam que Johnny era experiente o bastante pra acabar assim, e acreditam que tudo foi resultado de um coração partido.

O rock dos anos 80/90 retratou um perfil do jovem brasileiro. Depois de anos de Ditadura, vê florescer a democracia. É apolítico, quer se divertir, e termina sendo contaminado pela própria juventude. É a garota free, de Patrícia Travassos, cantada por Dulce Quental, em sua liberdade cor-de-rosa. É o garoto inseguro de Leoni, ainda levando nas costas o arcabouço de responsabilidades cobradas do homem num relacionamento. É Johnny, o “João Roberto maioral” de Renato Russo, escondendo sobre a beleza e a segurança um garoto triste, depressivo. Se fôssemos defini-lo, seria um quadro surreal de Dali, uma mistura. Um jovem com muito mais facetas do que qualquer outro, dos que vieram antes e dos que estão depois. Ainda hoje, enfim, gostaríamos de ouvir, por puro saudosismo, uma escola inteira cantando “Strawberry Fields Forever”.

terça-feira, 13 de abril de 2010

"Ponto de Mutação" - diálogos da busca ao conhecimento


A construção do conhecimento pode seguir caminhos diversos e vertentes heterogêneas, que variam de acordo com a formação e o contexto sócio-cultural no qual o indivíduo está inserido. Discutir questões relacionadas ao mundo implica em trazer à tona clássicos que, há séculos atrás, já travavam discussões sobre as constantes transformações operadas no mesmo. Tais discussões, numa abordagem interdisciplinar, podem relacionar-se com diversas áreas ou enfoques, e seus resultados tendem a condizer com os processos e as histórias pessoas de vida de quem os observa.



O filme Ponto de Mutação (Mindwalk, 1990), baseado no livro homônimo de Fritjof Capra, e dirigido por Berndt Capra, tem como pano de fundo o diálogo entre uma física nuclear, um poeta e um político americano, ex-candidato a Presidência. O livro tem seu título baseado em um termo do I Ching, a partir do qual o método científico cartesiano é confrontado com outras correntes de pensamento, como a visão sistêmica (pregada como uma teoria da administração), e aplicada a diversas questões presentes na sociedade atual.



Os três protagonistas vivem situações de vida e têm visões do mundo distintas. O ponto de encontro dos três é um castelo medieval na França, onde ela passa férias com a filha. As duas não conseguem ter uma boa relação, dadas as constantes reminiscências da mãe e a preocupação excessiva dela com questões teóricas, esquecendo o mundo prático. O político e o poeta, por sua vez, são grandes amigos, embora de concepções divergentes, que resolvem deixar o mundo para trás e, por alguns dias, viverem naquele ambiente propício à reflexão. Lá, encontram a física que, decepcionada com a utilidade dada às invenções dela e de sua equipe, refugia-se num mundo paralelo.



A partir de um grande relógio, os três constroem juntos um conjunto de considerações acerca do universo. O relógio como metáfora que, para os primeiros grandes intelectuais da Renascença e da Ilustração, levou a uma nova consideração sobre Deus: o grande relojoeiro, arquiteto do universo. O diálogo entre os três, partido de Descartes e sua visão do mundo a partir de dois eixos, chegamos a Newton e dele passamos a Aristóteles e outros pensadores.



Para traçarmos uma melhor visão acerca do filme, partiremos de perguntas e expressões colocadas, a partir da qual é possível traçar uma análise das opiniões construídas.


“O homem é uma ilha”. O poeta traz uma visão do homem como um elemento que não pode viver isolado do mundo. Ser uma ilha significa estar à parte do que ocorre no mundo. A “ilha” de cada ser humano deve estar interligado ao “continente”, a sociedade na qual ele está inserido.


"O sistema da vida no universo. A essência da vida é a auto-organização”. De acordo com a visão da física nuclear, o universo segue uma lógica própria. O homem, como seu integrante, deve estar conectado com as transformações sofridas nele, seguindo os seus padrões. É esta a auto-organização, que se processa de forma constante.


“Nossas casas estão cheias de peles mortas”. De forma metafórica, é possível trazer o conceito biológico das “células mortas” para a transformação das ideias. As “peles mortas” poderiam, no caso, significar os conceitos, valores, crenças e ideias que ficam para trás, quando debatemos e criamos novas concepções.


“A dinâmica evolutiva básica não é a adaptação, é a criatividade”. A expressão dá a entender que o dinamismo do mundo em que vivemos faz com que as atitudes criativas – seja em relação à condução pessoal, seja em relação a questões sociais, políticas, econômicas ou ambientais – determinam a necessidade humana de encontrar formas de relacionar-se com o novo.


“Não evoluímos no Planeta, mas com o Planeta”. Como ser integrante do universo, o homem passa a evoluir em conjunto com ele. Sofre alterações que o levam, necessariamente, a conviver com os contextos impostos pelas mudanças universais.


No filme, são discutidas questões que permanecem extremamente atuais, como o desgaste ambiental sofrido pelo planeta, a situação político-econômica de alguns países, onde podemos destacar as considerações da física nuclear sobre o Brasil, que destrói suas grandes florestas, consideradas “o pulmão do mundo” numa concepção eurocêntrica.


Cada um dos personagens do filme pode trazer ensinamentos para a relação do homem com o conhecimento produzido por ele mesmo; e com os mistérios do universo, discutidos seja no campo científico, seja no campo metafísico. Tudo que existe interliga-se de forma direta ou indireta, criando um campo sistêmico, uma “teia” universal de relações. Tal conhecimento pode-se aplicar à produção científica, no ato de relacionarmos, de forma interdisciplinar, os conhecimentos e conceber, a partir desta relação, uma ideia que traga contribuições para a sociedade.

domingo, 11 de abril de 2010

Luis Fernando Veríssimo: um gourmet das palavras


"Não sou um gourmet, mas gosto da minha sauce bernaisezinha". Quem melhor para retratar os prazeres, os paladares, as indecências, os vícios, os falares, os costumes, os medos e tudo que é de mais rasteiro e mais profundo na psiqué humana que Luis Fernando Veríssimo? Nas palavras de Maria Clara Machado, Luis Fernando é "bom de ouvido", ao perceber nas entrelinhas do quotidiano o insólito, o inesperado. Um estrato sutil e particular da alma humana. Um "gigolô das palavras", como ele mesmo se define.

Filho do magistral nome da literatura brasileira, Érico Veríssimo, Luis Fernando, na juventude, recebeu muitas alcunhas de seu pai, das quais a mais branda era "irresponsável". Sem muito compromisso com estudo, trabalho e a vida em geral, o jovem Veríssimo passava seus dias (e suas noites) tocando saxofone ou se divertindo com os amigos, seja pela boa Porto Alegre, seja em Washigton, San Francisco e Los Angeles, cidades americanas onde passou parte da infância e adolescência, por conta do trabalho do pai.

Veríssimo é o responsável pela criação de diversos personagens memoráveis, como o Analista de Bagé, a princípio criado para um quadro do humorístico de Jô Soares. Apesar de se considerar "mais ortodoxo que caixa de maizena" e "freudiano barbaridade", o analista já conseguiu revolucionar a psicanálise com suas práticas. Quase sempre cortando as unhas a facão ou curando bicheira, ele recebe seus pacientes e trata de seus problemas com o eficiente método do "joelhaço", o que levava a maioria deles a repensar a importância de suas dúvidas existenciais. O cidadão, que chegava angustiado, achando que a inferioridade, a finitude, etc, eram pior que qualquer coisa, depois de receber o golpe do analista, recebia, também, a pergunta: "É pior que joelhaço?". Não era. Rapidamente chegava a cura. Isso, claro, quando o paciente era homem. E quando era mulher? Nesse caso, o analista tinha outro modus operandi: seu divã transformava-se em uma bela cama...



Não menos impagável é a Velhinha de Taubaté, considerada "a única no país que ainda acredita no governo". Sempre com uma resposta que justifique as maracutaias, por mais injustificáveis que sejam, a velhinha tornou-se alvo dos cuidados de Deputados e Senadores, sempre preocupados com sua saúde, e considerando-a um verdadeiro patrimônio nacional. A Velhinha achou justificativas para o sobe-e-desce de preços no governo Sarney, para o confisco de poupanças no governo Collor, para o escândalo dos Anões do Orçamento e o suposto suburno de parlamentares para a aprovação da reeleição de FHC. Mas seu coração começou a fraquejar com o "oba-oba" do governo Lula. E, no dia 25 de agosto de 2005, foi anunciado o seu falecimento, diante da televisão, assistindo às últimas notícias sobre o escândalo do mensalão. "Ela morreu na frente da televisão, talvez com o choque de alguma notícia. Mas a polícia mandou os restos do chá que a Velhinha estava tomando com bolinhos de polvilho para exame de laboratório. Pode ter sido suicídio".


Sem dúvidas, uma das mais lembradas obras de Veríssimo são as suas Comédias da Vida Privada, que chegaram a se tornar série de televisão, exibida no Fantástico. Lá, entramos em contato com o íntimo do cotidiano brasileiro e conhecemos figuras como Regininha (ah, a Regininha...), a russa do Maneco e o marido do Dr. Pompeu.


No campo dos quadrinhos, Veríssimo investiu, também, na crítica. E para que mais críticas do que as ferinas Cobras, personagens das tirinhas homônimas publicadas em jornais, onde estas, que vivem tentando conversar com Deus (às vezes ele responde!) e se deixam levar por discussões como futebol, política, casamento, amor, sexo e devaneios filosóficos e existenciais?



Apenas, provavelmente, o cotidiano da Família Brasil, onde seus membros estão sempre com problemas financeiros ou tratando de algum assunto do dia-a-dia, sempre de forma bem-humorada.


O universo de Veríssimo não se resumem às crônicas e quadrinhos. Também escreveu romances, que unem seu humor refinado ao thriller, como é o caso do clássico O Jardim do Diabo, publicado em 1987, além de ser autor de uma das obras da coletânea O Clube dos Anjos, sobre os sete pecados capitais. Adivinha sobre qual ele escreveu? A GULA, claro! Histórias com um tom irônico, ácido e, ao mesmo tempo, sabor de vinho francês.

Luis Fernando Veríssimo é bem mais que um gigolô, como ele mesmo se define. É um gourmet das palavras. Aprecia seu sabor, a degusta, sente sua consistência. Conhece suas contradições, indefinições, caprichos. E saber como lidar com elas. "A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que mada". Ponto final.

sábado, 10 de abril de 2010

A telenovela brasileira e a redemocratização: a TV que "mostra a cara" do Brasil

Estamos em ano de eleições e, num período como esse, nada mais natural do que parar para repensar o Brasil. Ética, capacidade administrativa, sensibilidade social e crescimento são conceitos que voltam à tona todas as vezes em que candidatos lançam-se como a nova receita para um país com tantos problemas. Tudo isso são características comuns nos países democráticos, dentre os quais se incluem o Brasil. Democracia, porém, nem sempre foi uma "palavra de ordem" na política brasileira, e enfrentamos problemas como intervenção, censura, prisão política. A televisão brasileira, nas décadas de 70/80 sofreu constante censura de seus programas. Novelas como Roque Santeiro chegaram a terem sua transmissão interrompida, graças à interveção do governo federal.


Com a redemocratização do país, a mídia começou a encontrar espaços para divulgar suas próprias ideias. E a telenovela, como um dos veículos de maior comunicação às massas, não deixou de retratar a realidade de um Brasil que buscava sua identidade política em ideias que, finalmente, poderiam ganhar palanque.


Em 1988, Gilberto Braga e sua equipe entram no ar, no horário nobre da Rede Globo, com Vale Tudo. No seu mote, o conflito entre uma mãe e uma filha. Mais do mesmo? Não. Por mais janetiana que pudesse parecer, a novela nos mostrava uma abertura onde a voz doce de Gal Costa cantava a irada "Brasil", música de Cazuza, o poeta exagerado. Raquel, a mãe interpretada por Regina Duarte, batia de frente com Maria de Fátima, sua filha amoral vivida por Glória Pires, que lhe abandona em uma cidade pequena e vai embora para o Rio de Janeiro, onde conhece o mal-caráter César (Carlos Alberto Riccelli) e, usando de meios ilícitos, sobe na vida.


Um ano antes das primeiras eleições para presidente em muitos anos, o público debatia se valia a pena ser honesto no Brasil. Marco Aurélio (Reginaldo Faria) era um político corrupto que escapava impune das acusações, e ia embora dando uma banana pro país. Odete Roitmann (Beatriz Segall) era uma ricaça que odiava a terra tupiniquim. Personagens que alegorizavam a decência e a desonestidade se engalfinhavam num folhetim com todos os seus elementos, tornando-se um sucesso de público e de crítica.


No ano seguinte, a mesma Rede Globo exibiria duas novelas que apresentariam visões distintas da política brasileira. Era o ano das tão esperadas eleições. Fernando Collor de Mello, amparado pelas elites, entronizava o jovem e vigoroso "caçador de marajás", enquanto Luís Inácio Lula da Silva incorporava o operário que sonhava em chegar ao poder. Nesse contexto, enquanto às 7h da noite, via-se Que Rei Sou Eu?, às 8h se assistia O Salvador da Pátria.


A França capa-e-espada dos romances de Alexandre Dumas foram o pano de fundo para Cassiano Gabus Mendes escrever uma alegoria à política nacional. O rei de Avilan, dois anos antes da Revolução Francesa, morre, deixando o trono vazio. A rainha Valentine, tola e controlada pelo mago e conselheiro da corte, Ravengar, que consegue fazê-la colocar no trono o ignorante mendigo Pichot. Nessa história maluca, que tinha até referência aos Três Mosqueteiros, havia também o filho bastardo do rei Petrus I, de Avilan: o jovem Jean Pierre, que consegue (como bom herói) vencer seus inimigos e assumir o trono.



Podemos observar na história claras referências a personagens de nossa política: dos generais militares, controlados pela figura implícita de Golbery do Couto e Silva, aos pseudo-representantes da redemocratização, chegando, enfim, a uma suposta visão do presidenciável Collor, o jovem que, supostamente, seria a chave para o crescimento.


Enquanto isso, Lauro César Muniz escrevia O Salvador da Pátria. Nessa história, o bóia-fria Sassá Mutema, analfabeto e platonicamente apaixonado por sua professora, Clotilde, torna-se líder entre os seus e entra na política, a princípio como testa-de-ferro. Porém, a história, que previa a ascensão de um operário ao poder incomodou os grandes de Brasília, que viram nela uma clara referência a Lula. A Globo sofreu intervenção e a novela precisou ser modificada.

Sobre o caso, Lauro César contou aos jornalistas André Bernardo e Cintia Lopes, organizadores do livro de entrevistas "A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo", o processo de intervenção e modificação da novela. "A esquerda achava que o personagem fazia referência ao Lula e não gostava disso porque Sassá Mutema era apresentado inicialmente como um paspalho, um homem ingênuo. A direita, por sua vez, achava que, se Sassá evoluísse e assumisse o poder, terminaria por fazer propaganda política para o Lula. Acabei sendo bombardeado pelos dois lados".


Na época, chegou-se a comentar que a novela "elegeria o próximo presidente do Brasil". Este foi o medo, que causou grande reação no meio político. Sobre isso, ele disse: "Aconteceu que eu fui impedido de cumprir a sinopse original, e a novela acabou se reduzindo a uma trama policial".


Mas do que trataria a novela, afinal? Lauro César também conta, na entrevista:


"Segundo a sinopse original, o Sassá Mutema seria cooptado para ser candidato a vice-presidente de um candidato com ligações com o narcotráfico. Um cartel da droga ligado a Medellin tinha todo o interesse em estabelecer uma conexão no Brasil para a droga seguir mais facilmente para a Europa. O candidato a presidente, então, seria assassinado e Sassá assumiria o governo, nas mãos do grupo de narcotraficantes. A jogada era essa. Só que, durante o processo, ele toma consciência do que está acontecendo, desmantela o cartel de drogas e se torna um bom governante".

Passada a eleição e as intervenções, foi a vez de Gilberto Braga, mais uma vez, falar de política no Brasil. Após o sucesso de sua minissérie sobre a década de 50, Anos Dourados, de 1987, ele entra em 1992 com Anos Rebeldes, falando da ditadura militar no país. A minissérie contava, em seus 20 capítulos, a trajetória de jovens que protestavam contra o governo até a democratização, onde uma passeata pedia o impeachment do presidente eleito. À época, muitos consideraram que a minissérie de Braga teria incitado os jovens a formarem o movimento "cara-pintada", que viria a pedir o impechament do presidente Collor no mesmo ano.



Teria, enfim, a televisão, uma função de moderadora política, ou de formadora de opinião pública neste sentido? A resposta é: sim e não. Sim, deve ajudar a conscientizar a população sobre sua função como eleitor, mas jamais induzi-lo. A função da TV é trazer subsídios para a reflexão e a construção das próprias ideias. Mas cabe às pessoas tomarem suas próprias decisões.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Narrativas - formas de se contar a História


Um belo dia, Chapeuzinho Vermelho saiu de sua casa para levar doces à sua vovó. No meio do caminho, encontra um lobo mau, que rouba a cesta de doces. É então que um lenhador ouve os gritos de socorro e resolve aparecer para ver o que está acontecendo. Nessa confusão, a cesta de doces da vovó desaparece, e todos - Chapeuzinho, Vovó, Lobo e Lenhador - são suspeitos. Cada um, então, deverá contar a sua versão para essa história. Esse é o enredo do filme "Deu a Louca na Chapeuzinho".
Este filme tem uma relação íntima com a História. Sim, a com a "h" maiúsculo. "O que as duas coisas podem ter a ver", você deve estar se perguntando. A resposta é... TUDO! No filme, cada um dos personagens deve contar a sua versão para os fatos. Dessa forma, uma mesma história ganha contornos diferentes a partir do ponto de vista de cada um de seus narradores.
"Ponto de vista é a vista a partir de um ponto". Prolixo? Não. A narrativa, presente dentro da história, visa abordar os diversos pontos de vista a partir de um mesmo fato para buscar explicá-lo. Pode-se contar a história da chegada dos portugueses ao Brasil do ponto de vista dos portugueses (dominadores) ou dos índios (dominados). A Idade Média pode ser vista pelo nobre, pelo camponês ou pelo clérigo, cada um esboçando um olhar sobre o período. E assim podemos aplicar a todo e qualquer período histórico. Outro exemplo? Lá vai:

A construção de uma barragem vai ser o motivo da destruição da pequena localidade de Javé, no Nordeste do Brasil. A destruição, a princípio inevitável, pode ser revista se o povoado conseguir registrar sua história de modo "científico". Para isso, a população chama Antônio Biá, um malandro que entende de letras, e que começa a ouvir as diversas versões do povo a respeito da história da cidade. Descobrimos assim personagens como Indalésio e Maria Dina, dentre outros expoentes do povo javeense. Mas tem um probleminha... Cada um daqueles que conta a história da cidade, "puxa a brasa pra sardinha" de um antepassado seu. E aí começa a confusão, afinal, o que aconteceu de verdade?

No filme "Narradores de Javé", mais uma vez, a narrativa entra em cena, e mostra que a história pode ser vista a partir de diversas perspectivas.