domingo, 11 de abril de 2010

Luis Fernando Veríssimo: um gourmet das palavras


"Não sou um gourmet, mas gosto da minha sauce bernaisezinha". Quem melhor para retratar os prazeres, os paladares, as indecências, os vícios, os falares, os costumes, os medos e tudo que é de mais rasteiro e mais profundo na psiqué humana que Luis Fernando Veríssimo? Nas palavras de Maria Clara Machado, Luis Fernando é "bom de ouvido", ao perceber nas entrelinhas do quotidiano o insólito, o inesperado. Um estrato sutil e particular da alma humana. Um "gigolô das palavras", como ele mesmo se define.

Filho do magistral nome da literatura brasileira, Érico Veríssimo, Luis Fernando, na juventude, recebeu muitas alcunhas de seu pai, das quais a mais branda era "irresponsável". Sem muito compromisso com estudo, trabalho e a vida em geral, o jovem Veríssimo passava seus dias (e suas noites) tocando saxofone ou se divertindo com os amigos, seja pela boa Porto Alegre, seja em Washigton, San Francisco e Los Angeles, cidades americanas onde passou parte da infância e adolescência, por conta do trabalho do pai.

Veríssimo é o responsável pela criação de diversos personagens memoráveis, como o Analista de Bagé, a princípio criado para um quadro do humorístico de Jô Soares. Apesar de se considerar "mais ortodoxo que caixa de maizena" e "freudiano barbaridade", o analista já conseguiu revolucionar a psicanálise com suas práticas. Quase sempre cortando as unhas a facão ou curando bicheira, ele recebe seus pacientes e trata de seus problemas com o eficiente método do "joelhaço", o que levava a maioria deles a repensar a importância de suas dúvidas existenciais. O cidadão, que chegava angustiado, achando que a inferioridade, a finitude, etc, eram pior que qualquer coisa, depois de receber o golpe do analista, recebia, também, a pergunta: "É pior que joelhaço?". Não era. Rapidamente chegava a cura. Isso, claro, quando o paciente era homem. E quando era mulher? Nesse caso, o analista tinha outro modus operandi: seu divã transformava-se em uma bela cama...



Não menos impagável é a Velhinha de Taubaté, considerada "a única no país que ainda acredita no governo". Sempre com uma resposta que justifique as maracutaias, por mais injustificáveis que sejam, a velhinha tornou-se alvo dos cuidados de Deputados e Senadores, sempre preocupados com sua saúde, e considerando-a um verdadeiro patrimônio nacional. A Velhinha achou justificativas para o sobe-e-desce de preços no governo Sarney, para o confisco de poupanças no governo Collor, para o escândalo dos Anões do Orçamento e o suposto suburno de parlamentares para a aprovação da reeleição de FHC. Mas seu coração começou a fraquejar com o "oba-oba" do governo Lula. E, no dia 25 de agosto de 2005, foi anunciado o seu falecimento, diante da televisão, assistindo às últimas notícias sobre o escândalo do mensalão. "Ela morreu na frente da televisão, talvez com o choque de alguma notícia. Mas a polícia mandou os restos do chá que a Velhinha estava tomando com bolinhos de polvilho para exame de laboratório. Pode ter sido suicídio".


Sem dúvidas, uma das mais lembradas obras de Veríssimo são as suas Comédias da Vida Privada, que chegaram a se tornar série de televisão, exibida no Fantástico. Lá, entramos em contato com o íntimo do cotidiano brasileiro e conhecemos figuras como Regininha (ah, a Regininha...), a russa do Maneco e o marido do Dr. Pompeu.


No campo dos quadrinhos, Veríssimo investiu, também, na crítica. E para que mais críticas do que as ferinas Cobras, personagens das tirinhas homônimas publicadas em jornais, onde estas, que vivem tentando conversar com Deus (às vezes ele responde!) e se deixam levar por discussões como futebol, política, casamento, amor, sexo e devaneios filosóficos e existenciais?



Apenas, provavelmente, o cotidiano da Família Brasil, onde seus membros estão sempre com problemas financeiros ou tratando de algum assunto do dia-a-dia, sempre de forma bem-humorada.


O universo de Veríssimo não se resumem às crônicas e quadrinhos. Também escreveu romances, que unem seu humor refinado ao thriller, como é o caso do clássico O Jardim do Diabo, publicado em 1987, além de ser autor de uma das obras da coletânea O Clube dos Anjos, sobre os sete pecados capitais. Adivinha sobre qual ele escreveu? A GULA, claro! Histórias com um tom irônico, ácido e, ao mesmo tempo, sabor de vinho francês.

Luis Fernando Veríssimo é bem mais que um gigolô, como ele mesmo se define. É um gourmet das palavras. Aprecia seu sabor, a degusta, sente sua consistência. Conhece suas contradições, indefinições, caprichos. E saber como lidar com elas. "A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que mada". Ponto final.

Um comentário:

  1. Excelente texto ... Traça bem o perfil do ilustríssimo Luis Fernado Veríssimo...Parabéns pelo texto.

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